Torres minimiza “minuta do golpe” e a chama de “minuta do Google”

Em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (10), o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, fez longa defesa para se desvincular do que chamou de “minuta do golpe”. O documento, apreendido em sua residência em janeiro de 2023, foi classificado por ele como um rascunho “fantasioso”, “imprestável” e sem “valor jurídico”.

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Torres insistiu em repetir que nunca levou o conteúdo ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que não sabia quem o havia produzido e que, na verdade, não se lembrava do material sequer existir.

“Lixo, folclore, aberração”: a defesa crítica

O ex-ministro fez uso de termos enfáticos:

“A minuta do golpe era lixo, loucura e folclore.”

“Não é a minuta do golpe. Brinco que é a ‘minuta do Google’… nem me lembrava dessa minuta, vi quando foi apreendido. Foi uma surpresa.”

“Era um documento sem viabilidade jurídica, muito ruim, com erros de português…”

Em diferentes momentos, Torres qualificou o texto como “aberração jurídica”, “pobre”, “lunática” e “imprestável para qualquer fim”, ressaltando que se trata de um documento apócrifo — ou seja, sem identificação formal de autoria.

O ex-ministro Anderson Torres - Foto: Brenno Carvalho/Agência 
O ex-ministro Anderson Torres – Foto: Brenno Carvalho/Agência 

“Minuta do Google” e “fatalidade”: relato do ex-ministro

Torres afirmou que o documento estava entre uma pilha de papéis que chegavam ao Ministério da Justiça:

“Nunca tratei disso com o presidente. A pasta foi organizada pela minha assessoria, foi parar na minha casa. Isso foi uma fatalidade que aconteceu, e era para ter sido destruído.”

Também disse que ele era “descartável” e “totalmente impróprio”. A defesa levou ao STF uma ata notarial comprovando que uma versão da minuta estava publicada na internet desde 12 de dezembro de 2022, versão idêntica à encontrada em sua casa.

A alegação central é que a peça nunca foi fruto de uma articulação oficial para golpe, mas sim um equívoco burocráticoum documento que “sumi”, mas se manteve entre papéis até ser apreendido.

Origem incerta e anonimato

Durante sua oitiva, Torres admitiu não saber quem redigiu a minuta, nem quem a enviou. A defesa mencionou que ele acredita que foi uma funcionária quem a colocou na pasta, possivelmente na limpeza da residência — e que ele nem sabia da existência do documento até ele ser apreendido.

“Não sei quem entregou esse documento apócrifo.”

Circulação livre e publicação na internet

A defesa destacou que a minuta circulava amplamente na Esplanada e estava disponível online desde dezembro de 2022, o que, segundo os advogados, minora seu valor probatório:

“Essa minuta vinha sendo distribuída a várias autoridades, vinha circulando na internet desde dezembro… dar peso a essa minuta é um absurdo total.”

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A ata notarial apresentada confirma esse fato, mostrando que o documento foi postado em 12 de dezembro de 2022.

Omissão questionada – “falha grave” na segurança do DF

Torres também tratou dos episódios do 8 de janeiro de 2023, quando edifícios dos Três Poderes foram invadidos e depredados. Ele negou omissão, argumentando que cumpriu seus deveres:

  • Assinou Protocolo de Ações Integradas (PAI), enviado às forças de segurança locais
  • Seguiu o protocolo até o momento da viagem para os EUA, lembrando que as passagens foram compradas em 21 de novembro, sem qualquer alerta de risco à vista
  • Planejou férias em família e saiu só após autorizar o PAI, sem previsão de violência extrema

Mesmo assim, admitiu que houve uma “falha grave” no cumprimento do protocolo — o que foi crucial para as invasões.

Ele afirmou que, se o PAI tivesse sido executado corretamente, os atos violentos poderiam ter sido evitados.

Viagem aos EUA: coincidência ou coordenação?

Torres negou qualquer alinhamento com Bolsonaro durante sua estadia em Orlando. Disse que não encontrou o ex-presidente lá, e nem havia sido avisado antecipadamente sobre a viagem de Bolsonaro. Comprou as passagens em novembro — antes de qualquer ideia de violência.

Torres foi o segundo réu na ação penal da tentativa de golpe de Estado a prestar depoimento ao STF nesta terça-feira (10) - Foto: Ton Molina/STF
Torres foi o segundo réu na ação penal da tentativa de golpe de Estado a prestar depoimento ao STF nesta terça-feira (10) – Foto: Ton Molina/STF

Ao questionarem se era impróprio viajar em meio a indícios de risco, ele destacou que só alteraria o plano se tivesse sido alertado anteriormente:

“Se a realidade daquele momento indicasse probabilidade de atos extremistas como os de 8 de janeiro, não teria viajado.”

Reações externas e contraditórios

Polícia Federal

A PF avaliou que a minuta encontrada na casa de Torres poderia ser uma versão final de um plano golpista apresentado em reuniões com Bolsonaro e militares. Esse entendimento baseia-se em depoimentos de ex-comandantes das Forças Armadas, como Freire Gomes (Exército) e Baptista Júnior (Aeronáutica), que confirmam correspondências entre a minuta em sua casa e as que teriam sido discutidas em dezembro.

Ministério Público e PGR

Para o MPF, a “minuta do golpe” é evidência central de um plano conspiratório que envolveu o Palácio do Planalto e assessores militares. A denúncia inclui militares, o ex-presidente e seus ministros. Enquanto sua defesa tenta criminalizar a divulgação da peça como “obra de ficção”, a acusação a trata como substância normativa com claro viés antidemocrático.

Defesa

O advogado Eumar Novacki diz que exigirá diligências para comprovar que os ex-comandantes mentiram sobre reuniões com Bolsonaro:

“Se você ler essa minuta […] é lunática, absurda, sem o menor sentido […] dar peso de prova a essa minuta é um absurdo total.”

Novacki enfatizou que o PAI foi entregue, mas não implementado, o que reforça que Torres agiu corretamente.

Conexão com colaboração de Mauro Cid

É importante contextualizar a versão de Torres com a delação de Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, que afirmou que o ex-presidente recebeu, leu e editou a minuta do golpe, incluindo itens como prisão de Alexandre de Moraes, mas retirando a prisão de outras autoridades. Esse relato empalidece a narrativa de “minuta aleatória” defendida por Torres.

Enquanto Cid converte a minuta em prova material de conluio, Torres defende que era um “rascunho” e que não passou por Bolsonaro.

Reta final do processo

A fase atual do processo é a de instrução, destinada à coleta de provas. Durante o mês de maio, o STF ouviu testemunhas de defesa e acusação. Agora, os réus têm a palavra. Ainda não houve condenações nem absolvições — isso ocorrerá somente após o julgamento.

A defesa pode permanecer em silêncio, direito garantido por lei, sem prejuízo ao processo.

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Participantes da audiência

As sessões são conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Ele faz as primeiras perguntas aos réus, seguido pelo procurador-geral da República, Paulo Goinet, e pelos advogados de todos os acusados. As perguntas da acusação e da defesa são intermediadas por Moraes, conforme prevê o Código de Processo Penal.

Ordem dos depoimentos

Mauro Cid abriu a rodada de interrogatórios por ser delator. Os demais réus são ouvidos em ordem alfabética. Já prestaram depoimento:

  • Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
  • Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin
  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
  • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI

Ainda devem ser ouvidos:

  • Jair Bolsonaro, ex-presidente
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
  • Walter Braga Netto, ex-ministro e ex-candidato a vice

Próximos passos

Após os depoimentos, defesa e acusação poderão solicitar diligências complementares. Depois, será aberto o prazo de 15 dias para as alegações finais — documento em que as partes resumem suas teses e apresentam argumentos pela condenação ou absolvição.

Em seguida, o caso poderá ser pautado para julgamento na Primeira Turma do STF, que decidirá se os réus serão condenados ou absolvidos. Ambas as decisões são passíveis de recurso dentro do próprio Supremo.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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