A COP30 será histórica por muitos motivos, a começar por sua sede. Pela primeira vez, a maior conferência climática do mundo acontecerá na Amazônia brasileira, em Belém do Pará, a escolha tem força simbólica por ser uma das regiões mais afetadas pela crise ambiental e, ao mesmo tempo, essencial para frear o aquecimento global.
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Mas essa decisão também carrega contradições e tensões que não podem ser ignoradas. Afinal, o Brasil que abre os braços para lideranças internacionais também é o país onde biomas são desmatados, comunidades indígenas enfrentam retrocessos e o saneamento básico ainda não chega a todos, como é o caso da própria Belém, onde, de acordo com o Instituto Trata Brasil, 91% da população não tem coleta de esgoto.
A cidade, nesse contexto, acaba se tornando uma metáfora do próprio desafio global, é uma cidade que abriga a floresta, mas também revela as desigualdades históricas e sociais que marcam o território amazônico. A presença da COP ali pode representar um esforço de aproximação entre o debate climático e os povos que vivem na linha de frente da crise ou pode apenas repetir um padrão, o de falar sobre mudanças de longe, sem tocar nas raízes do problema.
Desde 1995, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas reúne países do mundo todo com o objetivo de negociar ações para conter as mudanças climáticas. Ela surgiu após a Eco-92, no Rio de Janeiro, e teve marcos importantes, como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris. Mas ao longo dos anos, os compromissos firmados em cúpulas internacionais nem sempre se traduziram em ações concretas e a distância entre o que se fala e o que se faz segue sendo um dos grandes desafios.
Na organização do evento, o Brasil tem dois nomes de destaque à frente da agenda: Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas. Ambas ocupam pastas que têm papel central na construção da pauta climática brasileira e na articulação da COP30 com atores nacionais e internacionais.
Marina Silva tem histórico de participação em negociações ambientais desde os anos 2000, inclusive em edições anteriores da COP, e voltou ao governo com a missão de reposicionar o Brasil nas discussões globais sobre clima. Já Sônia Guajajara tem atuado na inclusão das pautas dos povos originários na construção do evento, buscando garantir a representação desses grupos nas atividades e negociações.
A atuação das duas está inserida em um contexto maior de ampliar a diversidade de vozes na governança climática, incluindo territórios e populações que historicamente tiveram pouca presença nesses espaços. Resta acompanhar de que forma essa participação se refletirá nos resultados da conferência.
O simbolismo de Belém
Belém do Pará é mais do que uma capital amazônica, é um ponto de cultura que carrega as raízes culturais brasileiras, além de servir como espaço para visibilidade e de resistência às populações ribeirinhas, quilombolas e indígenas.Mas para além disso, Belém é uma cidade que carrega as marcas do extrativismo colonial e ausência do Estado em muitas periferias.
Escolher a primeira capital da Amazônia como sede da COP30 é uma decisão carregada de significado. Ela coloca no centro do debate territórios que historicamente ficaram à margem mas também expõe a contradição entre discurso e prática. Pode-se pensar, será que essa visibilidade trará, de fato, mudanças ou apenas uma estética verde para consumo externo?
A crise do multilateralismo ambiental
Nos últimos 30 anos, governos do mundo inteiro se reúnem para discutir o futuro do planeta. Foi assim que nasceram acordos importantes, como o Protocolo de Kyoto, cujo objetivo é reduzir as emissões de gases do efeito estufa em países desenvolvidos e o Acordo de Paris que tem como princípio manter o aumento da temperatura média global abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais e trabalhar para limitar o aumento a 1,5°C . Mas, na prática, o que foi combinado quase nem saiu do papel.
Cada país tem seus próprios interesses, pressões políticas e setores econômicos para agradar. Muitos líderes chegam nas conferências com discursos fortes, mas voltam para casa sem conseguir cumprir o que prometeram.
É aí que está o problema, quando muita gente decide junto, as ações podem demorar ou nem acontecer. As COPs continuam sendo importantes, mas hoje é impossível não surgir o questionamento sobre se esse modelo de negociação global ainda dá conta da crise que a gente está vivendo.
Quem realmente decide?
Chefes de Estado são os principais rostos das conferências climáticas, mas nem sempre estão livres para agir. Suas decisões são influenciadas por fatores internos, como pressões econômicas, interesses do setor produtivo e limitações políticas, muitos chegam às conferências com compromissos assumidos previamente, o que limita a margem de negociação real.
Ao mesmo tempo, são esses líderes que detêm o poder institucional para aprovar leis, financiar políticas públicas e influenciar acordos internacionais e o impasse está aí, espera-se ação de quem, muitas vezes, opera dentro de estruturas que freiam a própria mudança. Essa contradição levanta questionamentos sobre quem está no controle e até que ponto esse controle é suficiente para enfrentar a crise climática com a urgência necessária.
No fim, a COP30 será um teste não só para o Brasil, mas para a eficácia do modelo atual de governança climática. O mundo já conhece os discursos, o que falta, cada vez mais, são decisões com efeito concreto sobre quem vive a crise todos os dias.
Um comentário
Conteúdo impecável. Com esse evento se aproximando, é onde conseguimos dar um destaque a esses assuntos que gera diversos debates, inclusive com os recursos climáticos do nosso planeta limitado, nesse ano menos chuva, muito calor, além de gerar uma crise de saúde também, está tudo conectado. Espero que eles consigam chegar a um acordo para uma melhoria com o nosso meio ambiente. E a escolha para o evento rolar em Belém do Pará nossa, é simbólico demais! Parabéns, gosto bastante dos seus texto!!!