Empregada doméstica no Brasil: desafios, direitos e desigualdade persistente

A empregada doméstica no Brasil carrega, ao longo de décadas, a marca da desigualdade social e econômica. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), cerca de 6 milhões de mulheres atuam como empregadas domésticas em todo o país. No entanto, a informalidade continua sendo a realidade da maioria delas.

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O perfil dessas profissionais revela o retrato de uma desigualdade histórica: aproximadamente 90% são mulheres, em sua maior parte negras, com idade média de 49 anos. Embora desempenhem um papel fundamental para o funcionamento de milhões de lares, apenas uma em cada três possui carteira assinada. A remuneração costuma ser baixa, girando em torno de um salário mínimo, o que evidencia a desvalorização da categoria.

Para as diaristas, o desafio é ainda maior. Trabalhando por dia, muitas não conseguem manter renda estável nem garantir contribuições à Previdência Social, o que compromete direitos como férias, 13º salário e aposentadoria. Mesmo com a PEC das Domésticas, sancionada em 2013 para equiparar os direitos trabalhistas, a falta de formalização ainda deixa milhões de mulheres em situação de vulnerabilidade.

Severina: uma vida dedicada ao trabalho doméstico

Severina, hoje com 74 anos, é natural do Rio Grande do Norte e vive em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, há mais de 30 anos. Desde criança, começou a trabalhar em casas de família, e foram mais de 50 anos dedicados ao trabalho doméstico, atuando em diversas residências, quase sempre restrita à área de serviço. Quando prestava serviços em apartamentos, só tinha permissão para usar o elevador de serviço, uma regra que reforçava a desigualdade e a invisibilidade da profissão.

Na imagem, mulher segura carteira de trabalho com as duas mãos - Foto: Reprodução/Sérgio Lima
Na imagem, mulher segura carteira de trabalho com as duas mãos – Foto: Reprodução/Sérgio Lima

Começou muito jovem, atuando em casas de família, primeiro como empregada doméstica e, mais tarde, como diarista e passadeira. Ao recordar sua trajetória, Severina revela que sua carteira de trabalho nunca foi assinada, permanecendo em branco durante toda a vida profissional — uma realidade que ainda hoje afeta milhares de mulheres do trabalho doméstico no Brasil.

Durante décadas, enfrentou longas viagens de transporte público para chegar à Zona Sul carioca, atuando em bairros como Leblon e Ipanema. Acordava às 5h da manhã para estar no trabalho por volta das 7h. Em uma das casas, permaneceu mais de 20 anos como diarista, realizando tarefas repetitivas e pouco valorizadas.

Seu principal trabalho era passar roupas em um quarto minúsculo, sem ventilação e, muitas vezes, sem acesso à água ou alimentação. Durante mais de dez anos, ninguém lhe oferecia sequer um copo de água ou um prato de comida. Só depois de muito tempo começaram a separar algumas sobras de comida, que Severina preferia recusar.

Mesmo após uma vida inteira de dedicação, Severina não conseguiu se aposentar. A baixa remuneração e a falta de registro em carteira comprometeram suas contribuições à Previdência Social, deixando-a sem a segurança de um benefício na velhice.

Trabalho doméstico e desigualdade histórica

O trabalho doméstico no Brasil carrega marcas históricas de desigualdade. Desde o período colonial, quando era realizado por pessoas escravizadas, até hoje, a atividade é associada à desvalorização e à invisibilidade social.

Na época da escravidão, mulheres negras conhecidas como mucamas ou amas de leite realizavam todas as tarefas da casa sem qualquer direito. Mesmo após séculos, resquícios desse modelo ainda refletem na falta de reconhecimento atual.

Especialistas apontam que a fiscalização trabalhista limitada, a burocracia para acessar a Previdência e o preconceito estrutural perpetuam a exploração silenciosa desses profissionais. Apesar de avanços legais, a categoria enfrenta desafios de gênero e raça que dificultam o pleno exercício de seus direitos

Valorização e mudança social

Embora a PEC das Domésticas tenha representado um passo importante, milhões de mulheres continuam à espera de respeito e valorização. A história de Severina é o retrato de tantas brasileiras que sustentam lares com seu trabalho, mas permanecem invisíveis para a sociedade.

Especialistas defendem que políticas públicas, campanhas de conscientização e incentivos à formalização são essenciais para transformar essa realidade. Sem essas medidas, o trabalho doméstico seguirá como um espelho das desigualdades brasileiras, onde direitos conquistados ainda não se traduzem em vida digna para quem cuida do lar dos outros.

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