Após uma série de críticas do Palácio do Planalto, governadores de direita, parlamentares da base e da oposição, além de especialistas em Segurança Pública, o relator do projeto Antifacção, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), apresentou na última quarta-feira a quarta versão do texto. Mesmo com alterações, não houve consenso, e a votação foi adiada para a próxima terça-feira. Segundo o governo, o projeto ainda é considerado “improvisado”, principalmente em relação ao financiamento da Polícia Federal (PF) e à definição do crime de facção criminosa.
Em paralelo, cinco governadores de direita se reuniram com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), responsável pela indicação do secretário licenciado de Segurança Pública de São Paulo, solicitando que o parlamentar busque orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar questionamentos judiciais futuros.
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Os gestores também sugeriram negociações prévias com o Senado, visando impedir que o projeto fique travado na Casa. Entre as propostas, destacam-se a redução da maioridade penal e a suspensão da audiência de custódia para reincidentes.
“A discussão sobre o PL Antifacção se dá no dia a dia do Parlamento. O relator do projeto, ao conversar com o governo federal e com as lideranças políticas, demonstrou maturidade ao solicitar a votação na terça-feira. Essa postura indica abertura ao diálogo, fortalecendo a construção política de uma proposta sólida na área de Segurança Pública e de combate ao crime organizado”, afirmou Hugo Motta.
Alterações no projeto
Na terça-feira, Derrite já havia promovido mudanças no projeto para proteger a autonomia da PF e excluir modificações na Lei Antiterrorismo, apontadas pelo governo como potencial risco de sanções internacionais.
No entanto, novos problemas surgiram. Técnicos do Ministério da Justiça identificaram inconsistências no financiamento das atividades da Polícia Federal. A terceira versão previa que recursos de bens apreendidos de traficantes ou organizações criminosas seriam destinados a fundos estaduais ou distritais de Segurança Pública, gerando críticas quanto à destinação correta desses valores. O entendimento do governo é que, quando a investigação for federal, o recurso deve ser revertido ao fundo que financia diretamente a PF.
Para tentar sanar o impasse, o relator estabeleceu que os bens apreendidos seriam destinados ao Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades Fim da Polícia Federal (Funapol), quando o delito estiver sob investigação federal. Especialistas, porém, argumentam que a verba deveria ir para o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), que também financia a PF e recebe recursos oriundos do combate ao narcotráfico.
Definição de facção criminosa e punições
O novo relatório introduz o termo “organização criminosa ultraviolenta” para caracterizar o crime de facção criminosa, buscando evitar sobreposição legislativa, uma das críticas do Planalto. Antes, a criação de uma nova lei que abrangia “organização criminosa” havia sido questionada por advogados do governo, por gerar brechas jurídicas e punições potencialmente mais brandas.
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No texto atual, o crime de facção criminosa abrange milícias privadas, grupos paramilitares ou organizações ultraviolentas que busquem controlar territórios ou atividades econômicas por meio de violência, coação ou intimidação. A pena prevista é de 20 a 40 anos, significativamente mais alta que a punição para organização criminosa, de 3 a 8 anos.
Críticas e riscos jurídicos
Mesmo com a nova tipificação, integrantes do governo alertam para um “tumulto normativo”, que pode beneficiar criminosos em investigações em andamento. O Ministério da Justiça apontou que muitas falhas do projeto decorrem do apressamento para votação, e que algumas sugestões do governo, como condutas específicas a serem incluídas no tipo penal de facção, não foram incorporadas.
O deputado Aluisio Mendes (Republicanos-MA), policial federal, acompanhou parte das reuniões de Derrite e reforçou a necessidade de preservar o fundo da PF. Governadores também reforçaram a importância de ajustes no projeto e ouvir previamente o STF e o Senado, evitando que a proposta seja considerada inconstitucional.
“Não nos interessa aprovar um projeto que ficará parado no Senado ou sujeito a questionamentos jurídicos”, afirmou Cláudio Castro (PL-RJ), governador do Rio de Janeiro.
Participaram ainda da reunião os governadores Ronaldo Caiado (União-GO), Romeu Zema (Novo-MG), Jorginho Mello (PL-SC) e a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP). Além de ajustes na legislação, os gestores sugeriram medidas como impedir a audiência de custódia para reincidentes e reduzir a maioridade penal, mas essas mudanças não foram incluídas na nova versão do texto.
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), recorreu ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, para adiar a votação. Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro defendem a equiparação das facções a terroristas, mas o impasse continua.
O cenário indica que, apesar das revisões, o PL Antifacções de Derrite ainda enfrenta resistência ampla, refletindo o desafio de equilibrar eficácia na repressão criminal, segurança jurídica e aceitação política entre governo, oposição e estados. A próxima terça-feira será decisiva para verificar se haverá consenso ou novo adiamento.









