O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou sua agenda oficial no Sudeste Asiático com visitas à Indonésia e Malásia, marcadas como parte da estratégia do governo brasileiro de diversificação das rotas comerciais diante da tensão com os Estados Unidos, após a volta de Donald Trump à Casa Branca e a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
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A expectativa é de que Lula e Trump se encontrem às margens da Cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), na Malásia, no próximo domingo (26), em um ambiente considerado neutro e diplomático, que permitirá a discussão de temas econômicos e regionais. Fontes dos dois governos confirmam disposição mútua para o encontro.
Candidatura ao quarto mandato e defesa de multilateralismo
Recebido pelo presidente indonésio Prabowo Subianto, Lula anunciou de forma assertiva que disputará um quarto mandato em 2026:
“Eu quero lhe dizer que eu vou completar 80 anos, mas pode ter certeza que estou com a mesma energia de quando eu tinha 30 anos. E vou disputar um quarto mandato no Brasil.”
Além disso, o presidente reforçou seu compromisso com o multilateralismo nas relações internacionais, criticando o protecionismo e defendendo o comércio com moedas próprias, sem uso do dólar:

“Nós queremos multilateralismo e não unilateralismo. Nós queremos democracia comercial e não protecionismo. Tanto a Indonésia quanto o Brasil têm interesse em discutir a possibilidade de comercialização entre nós dois com as nossas moedas. Essa é uma coisa que nós precisamos mudar.”
Analistas apontam que este é um dos pontos centrais que poderá ser discutido no encontro com Trump, que se opõe à adoção de moedas alternativas para transações do Brics.
Parcerias estratégicas com a Indonésia
Durante a visita, Lula e Subianto assinaram acordos nas áreas de energia, mineração, agricultura, ciência, tecnologia e comércio, e discutiram temas como:
- Ampliação do acesso de carne bovina e frango brasileiro ao mercado indonésio;
- Novas certificações sanitárias;
- Possíveis contratos da Embraer para aviação comercial e defesa;
- Cooperação em biocombustíveis e energia limpa.
“É com muita alegria que estou aqui, com muita esperança e muita disposição, para trabalhar para que a relação Indonésia-Brasil seja cada vez mais produtiva e rentável para nossos povos”, declarou Lula.
Os dois países também enfatizaram a necessidade de ação conjunta para enfrentar a crise climática, dada a importância da biodiversidade e das florestas tropicais que ambos possuem.

“Indonésia e Brasil trabalharão juntos para uma transição energética justa, rumo a economias menos poluentes e mais sustentáveis, sem prescindir da geração de empregos de qualidade e da redução das desigualdades”, afirmou Lula.
O comércio bilateral cresceu mais de três vezes nas últimas duas décadas, passando de US$ 2 bilhões para US$ 6,5 bilhões, mas Lula ressaltou que o potencial do mercado ainda é muito maior.
Rumo à Malásia e possíveis negociações com Trump
Após a Indonésia, Lula seguirá para Kuala Lumpur, onde participará da Cúpula da ASEAN, bloco formado por 10 países do Sudeste Asiático, que inclui Malásia, Filipinas, Tailândia, Vietnã e Singapura.
A expectativa é que o encontro com Trump ocorra durante reuniões bilaterais organizadas pelo Itamaraty, como parte da estratégia de reaproximação comercial.
“O governo brasileiro propôs o encontro no início do mês, e os dois líderes tiveram uma conversa muito boa por telefone dias depois. A cúpula asiática representa um local neutro e diplomático para a reunião, permitindo um diálogo mais direto sobre temas econômicos e regionais”, afirmam fontes diplomáticas.
Os pontos em pauta devem incluir:
- Suspensão das tarifas de 50% impostas pelos EUA;
- Medidas restritivas a autoridades brasileiras;
- Posicionamento dos EUA sobre Venezuela e Colômbia;
- Comércio bilateral e alternativas ao dólar.
Mesmo com a aproximação, Trump mantém postura firme sobre tarifas:
“Os pecuaristas, que eu adoro, não percebem que a única razão pela qual estão indo tão bem — pela primeira vez em décadas — é porque impus tarifas sobre o gado que entra nos Estados Unidos, incluindo uma tarifa de 50% sobre o Brasil.”
Enquanto isso, Lula reforça alternativas de pagamento com moedas próprias:
“O século 21 exige que tenhamos a coragem que não tivemos no século 20. Precisamos de uma nova forma de agir comercialmente, para não ficarmos dependentes de ninguém.”
Foz do Amazonas: pesquisa de petróleo e transição energética
Na Indonésia, Lula comentou sobre a autorização do Ibama à Petrobras para pesquisa exploratória na Foz do Amazonas, região estratégica e rica em biodiversidade, como forma de financiar a transição energética:
“Vamos continuar utilizando o dinheiro [do petróleo] para que a gente faça cada vez mais condições do Brasil se ver livre do combustível fóssil. Mas, enquanto o mundo precisar, o Brasil não vai jogar fora uma riqueza que pode melhorar a própria vida do povo brasileiro.”
O presidente destacou a expertise da Petrobras em exploração em águas profundas:
“Você não tem histórico da Petrobras ter vazamento de óleo em lugar nenhum. Possivelmente seja a empresa com mais expertise de prospectar petróleo em águas profundas sem nenhum dano.”

Medidas de segurança incluem a construção de base de resgate de animais em Oiapoque, mas especialistas alertam que ecossistemas sensíveis, como corais e manguezais, não poderiam ser totalmente protegidos em caso de acidente.
Diversificação econômica e fortalecimento de parcerias com a ASEAN
A visita a Indonésia e Malásia integra uma estratégia de diversificação comercial, visando reduzir a dependência dos Estados Unidos. O bloco ASEAN, com mais de 680 milhões de habitantes e PIB de cerca de US$ 4 trilhões, é considerado um mercado estratégico para o Brasil, especialmente em:
- Agroindústria e proteína animal;
- Energia limpa e biocombustíveis;
- Tecnologia e microprocessadores;
- Defesa e aviação, incluindo oportunidades para a Embraer.
“É um mercado em franca expansão, superavitário para o Brasil, com forte demanda regional por commodities e presença crescente de empresas brasileiras em mineração, papel e celulose, tabaco e biotecnologia”, destaca Fernanda Nanci Gonçalves, da UERJ.
A estratégia também permite ao Brasil discutir temas prioritários para a COP30, marcada para novembro em Belém, em um formato de “pré-COP” com autoridades asiáticas.








