O debate em torno do PL Antifacção, que visa fortalecer o combate ao crime organizado no país, ganhou novo capítulo nesta quarta-feira (19), após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticar publicamente a versão aprovada pela Câmara dos Deputados na noite anterior. O texto, que sofreu alterações significativas durante tramitação, gerou desgaste entre governo e Legislativo, ampliando a disputa política entre aliados do Planalto e a oposição.
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Em publicação nas redes sociais, Lula afirmou que o texto final aprovado pelos deputados, agora rebatizado de Marco Legal do Combate ao Crime Organizado, “favorece quem quer escapar da lei”, indicando que pontos essenciais apresentados pelo Executivo teriam sido enfraquecidos.
“Do jeito que está, enfraquece o combate ao crime e gera insegurança jurídica. Trocar o certo pelo duvidoso só favorece quem quer escapar da lei”, disse Lula, em rede social.
A declaração provocou reação imediata do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que também se manifestou nas redes sociais, acusando o governo de desinformar a população e de se recusar a compor uma agenda de união na área da segurança pública.
“Não se pode desinformar a população. É muito grave tentar distorcer os efeitos de um Marco Legal cuja finalidade é reforçar a capacidade do Estado na segurança pública”, iniciou Hugo Motta.
“O governo optou pelo caminho errado ao não compor essa corrente de união para combater a criminalidade.”
Mudanças no texto e atritos entre governo e Câmara
O projeto aprovado por 370 votos a 110 foi inicialmente enviado pelo Planalto ao Congresso em outubro. Porém, ao ser assumido pelo relator, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), até então secretário de Segurança Pública de São Paulo, passou por cinco alterações estruturais.
A escolha de Derrite, ex-integrante da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), gerou desconforto entre líderes governistas, que viram na decisão de Motta uma manobra política.

A redação final exclui expressões defendidas pelo governo, como “facções criminosas”, substituindo-as por termos mais amplos, como “organizações criminosas, paramilitares ou milícias privadas”. Para o Executivo, essa mudança pode prejudicar o enfrentamento direto aos grupos que dominam territórios e presídios no país.
Lula reforçou que espera que o Senado, próxima etapa da tramitação, recupere o espírito inicial do projeto:
“É importante que o diálogo e a responsabilidade prevaleçam no Senado, para que o Brasil tenha instrumentos eficazes no enfrentamento às facções criminosas”, enfatizou Lula
Antes mesmo da manifestação oficial do presidente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia expressado preocupação com a nova versão do texto. Para ele, o PL aprovado tende a prejudicar investigações e a capacidade operacional da Polícia Federal.
“O projeto enfraquece essas operações. Asfixia financeiramente a PF para os próximos anos e cria expedientes frágeis que serão usados pelos advogados do andar de cima do crime organizado”, disse Haddad
Pontos centrais do Marco Legal do Combate ao Crime Organizado
Apesar das divergências, o texto aprovado traz dispositivos relevantes sobre repressão ao crime organizado e punição a seus líderes. Entre as principais medidas, estão:
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1. Conceito de “organização criminosa ultraviolenta”
Criado pelo relator, prevê penas mais duras e regimes mais rígidos para integrantes de grupos que usam violência extrema ou ameaças graves.
2. Aumento de penas
Crimes cometidos por organizações criminosas podem ter pena elevada para até 40 anos, dependendo da gravidade e violência envolvidas.
3. Restrição à progressão de regime
Integrantes desses grupos terão mais dificuldades para avançar para regimes semiabertos ou abertos.
Ataque ao patrimônio das facções
O PL introduz mecanismos mais rígidos para bloquear, administrar e destinar bens apreendidos:
- Bloqueio imediato de contas bancárias, criptoativos e bens móveis e imóveis;
- Transferência antecipada desses bens ainda durante a investigação;
- Intervenção judicial em empresas utilizadas por facções para lavagem de dinheiro.
Uma das disputas mais acirradas envolvia a destinação dos bens apreendidos:
- Quando investigados pela Polícia Federal, os recursos irão para o Fundo Nacional de Segurança;
- No caso dos processos conduzidos pelos estados, os bens ficam com o ente federativo responsável pela ação penal.
Essa redistribuição foi considerada uma vitória parcial do governo, que pleiteava maior participação da PF no uso desses recursos.
Novos instrumentos de investigação
O texto aprovado inclui:
- Monitoramento audiovisual de parlatórios, inclusive com advogados, em casos excepcionais e mediante ordem judicial;
- Ampliação de quebras de sigilo, buscas e operações encobertas;
- Audiências por videoconferência para reduzir riscos de fuga e ataques a agentes públicos.
Por outro lado, houve retirada de trechos considerados essenciais pelo Executivo, como:
- Regras de proteção para policiais infiltrados;
- Possibilidade de investigados colaborarem como agentes infiltrados;
- Alterações na atuação da PF e na Lei Antiterrorismo.
Essas exclusões foram apontadas como retrocesso por membros do governo.
Um dos pontos mantidos no texto, e defendido pelo relator, determina que líderes de facções cumpram pena em presídios federais de segurança máxima, com o objetivo de cortar as linhas de comando e dificultar a comunicação com comparsas.
Clima político acirrado
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, criticou as posições do governo e afirmou que parlamentares que votaram contra o projeto estariam agindo “pela lente da ideologia”.
A disputa evidencia o ambiente polarizado em torno da segurança pública, tema que voltou ao centro da agenda nacional em meio ao avanço das facções em várias regiões do país.
Com o texto agora sob análise do Senado Federal, tanto governo quanto oposição se movem para influenciar possíveis ajustes. O desfecho, no entanto, dependerá da capacidade de articulação política e do diálogo entre as instituições, como destacou Lula:
“Estamos do lado do povo brasileiro e não abriremos mão de combater de verdade toda a cadeia do crime organizado.”









