A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou, na noite de segunda-feira (14), um robusto pedido de condenação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus, no processo que investiga a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Segundo o parecer assinado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, Bolsonaro é descrito como “líder da organização criminosa golpista, principal articulador, maior beneficiário e autor dos mais graves atos executórios voltados à ruptura do Estado democrático de Direito.”
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O documento, que tem 517 páginas, dedica 137 delas exclusivamente às ações do ex-presidente. Para a PGR, o comportamento de Bolsonaro à frente da Presidência da República foi marcado por ataques deliberados às instituições públicas, desinformação sistemática e uso indevido da máquina estatal com o objetivo de permanecer no cargo de maneira ilegítima.
Uso do cargo e das Forças Armadas
De acordo com a denúncia, Bolsonaro instrumentalizou o cargo mais alto da República para mobilizar estruturas do Estado em benefício próprio, articulando-se com membros do alto escalão do governo e setores estratégicos das Forças Armadas. Essa movimentação visava, segundo Gonet, propagar narrativas falsas, instigar a instabilidade social e promover medidas autoritárias que atentaram contra os pilares da democracia.
“O ex-presidente agiu dolosamente, com o objetivo de enfraquecer as instâncias públicas e minar o princípio da alternância democrática, da soberania popular e do equilíbrio entre os Poderes”, destaca o procurador-geral.
Incitação e desinformação
A PGR argumenta que os ataques de Bolsonaro às autoridades e ao sistema eleitoral não podem ser compreendidos como meras críticas ou manifestações de opinião. Por ocupar a Presidência, Bolsonaro possuía uma “capacidade singular de influenciar a opinião pública”. Assim, suas falas ultrapassaram os limites da liberdade de expressão e assumiram, segundo o documento, caráter de incitação e desestabilização democrática.

Um dos principais alvos de suas investidas foram as urnas eletrônicas. Para a PGR, documentos apreendidos pela Polícia Federal mostram que o grupo liderado por Bolsonaro planejou uma campanha coordenada para desacreditar o sistema de votação, por meio da repetição de falsas narrativas sobre sua vulnerabilidade.
Aparelho estatal a serviço da desinformação
Outro ponto central da acusação diz respeito ao uso indevido da estrutura pública. Segundo Gonet, Bolsonaro mobilizou agentes, recursos e plataformas do Estado para sustentar e amplificar seu discurso de fraude eleitoral. Um dos exemplos citados foi uma live realizada no Palácio do Planalto em 2021, com participação de servidores públicos.

A Procuradoria também apontou para o funcionamento da chamada “Abin Paralela”, que teria sido usada de forma ilícita para fins políticos. A Agência Brasileira de Inteligência, que integra a Presidência da República, foi supostamente manipulada para dar “aparência de tecnicidade” ao discurso conspiratório do presidente, com termos como “ataque hacker”, “código-fonte” e “voto auditável” sendo usados fora de contexto para gerar desconfiança.
Discurso de 7 de Setembro e deslegitimação das instituições
O discurso proferido por Bolsonaro nos atos do 7 de Setembro de 2021 também foi citado nas alegações finais como uma tentativa de minar a credibilidade das instituições. Gonet classificou as falas do então presidente como “intimidações e ultimatos” que “ultrapassaram os limites do dissenso democrático”.

“As manifestações públicas do Presidente da República não podem ser tratadas como opiniões pessoais, pois possuem peso institucional e alto potencial de mobilização coletiva. Suas declarações não foram críticas fundamentadas, mas sim inverdades e ameaças destinadas a corroer a confiança nas instituições republicanas”, diz o texto.
Contradição com trajetória política
Gonet ainda destacou, em seu texto, uma contradição entre a narrativa de fraude eleitoral e o próprio percurso político de Bolsonaro. O ex-presidente foi eleito deputado federal por sete mandatos consecutivos e presidente da República em 2018, sempre pelo sistema eletrônico de votação.
“Recebeu a faixa presidencial das mãos de Michel Temer após obter 55,13% dos votos válidos no segundo turno”, lembrou a Procuradoria.
Possível pena superior a 40 anos
Caso seja condenado por todos os crimes apontados — entre eles tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, incitação à desordem institucional e uso indevido da máquina pública —, Jair Bolsonaro pode enfrentar uma pena superior a 40 anos de prisão, segundo análises jurídicas baseadas na legislação penal brasileira.
Com as alegações finais apresentadas, o processo segue agora para julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que será responsável por decidir se acolhe ou não o pedido de condenação contra o ex-presidente e os demais acusados.