Os Correios, uma das estatais mais tradicionais do país, enfrentam uma das maiores crises financeiras de sua história. O governo federal, sob a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prepara uma operação de empréstimos de R$ 20 bilhões — R$ 10 bilhões em 2025 e R$ 10 bilhões em 2026 — para tentar conter o rombo bilionário que vem se aprofundando desde 2022.
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Segundo especialistas, o cenário atual é resultado de uma combinação entre má gestão, falta de modernização e mudanças estruturais no mercado logístico, que tornaram a empresa cada vez menos competitiva frente a players privados e plataformas digitais.
Prejuízos acumulados e histórico de instabilidade
Os problemas financeiros dos Correios não são recentes. A estatal registrou prejuízo pela primeira vez em 2013, com R$ 313 milhões no vermelho. Em 2014, o resultado ficou praticamente zerado, mas os anos seguintes trouxeram perdas expressivas: R$ 2,1 bilhões em 2015 e R$ 1,5 bilhão em 2016.
Após um breve período de estabilidade entre 2017 e 2021, quando as contas foram ajustadas, a crise voltou em 2022, com rombo de R$ 767,5 milhões. Em 2023, o déficit chegou a R$ 597 milhões, e em 2024, o prejuízo quadruplicou, atingindo R$ 2,6 bilhões, o maior da última década.
Para o economista Sérgio Vale, da consultoria MB Associados, a situação é reflexo de problemas históricos de gestão.
“O que vemos atualmente é decorrente de má gestão histórica. Isso é um problema concreto nos Correios”, afirmou.
A economista e advogada Elena Landau reforça a análise:
“Os Correios enfrentam uma mudança estrutural que não começou em 2023. Vem de muito tempo e se agravou com a falta de eficiência administrativa”, pontuou.
A “taxa das blusinhas” e a queda nas entregas
Em nota, os Correios atribuíram parte do prejuízo de 2024 aos efeitos da taxação de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50, medida conhecida como “taxa das blusinhas”. Sancionada por Lula em 27 de junho, a cobrança buscava proteger o varejo nacional frente ao crescimento das compras em marketplaces estrangeiros como Shein e Shopee.
De acordo com a estatal, a nova taxação reduziu o volume de importações de pequeno valor, o que resultou em queda expressiva nas entregas e, consequentemente, na arrecadação.
“A frustração de receita observada em 2024 decorre exclusivamente dos efeitos do novo marco regulatório das compras internacionais”, disse a empresa em comunicado.
No entanto, especialistas consideram essa justificativa insuficiente.
“Não faz sentido colocar toda a culpa na taxa das blusinhas. Outras empresas do setor, como o Mercado Livre, não registraram prejuízos semelhantes”, rebateu Sérgio Vale. Elena Landau complementou: “A falta de eficiência é o verdadeiro problema. A taxa apenas agravou o que já estava ruim.”
Busca por recuperação e novos financiamentos
Diante da crise, o governo federal e o Conselho de Administração dos Correios estudam medidas emergenciais para salvar o caixa da companhia. Entre as ações, está a negociação de empréstimos com bancos públicos e privados, com garantia do Tesouro Nacional, para cobrir os déficits previstos até o fim de 2026.
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As informações, confirmadas pela CNN Brasil e pela Folha de S. Paulo, indicam que o governo busca um crédito total de R$ 20 bilhões. Paralelamente, há planos de venda de imóveis, implantação de um programa de demissões voluntárias (PDV) e lançamento de um marketplace em parceria com a Infracommerce, com o objetivo de diversificar as fontes de receita.
A estatal também mantém tratativas com o New Development Bank (NDB), conhecido como Banco dos Brics, para captar R$ 3,8 bilhões em investimentos voltados à modernização logística e digital.
Segundo estimativas internas, as medidas de corte e otimização podem gerar economia de até R$ 1,5 bilhão em 2025. Contudo, no Planalto, a avaliação é de que as ações chegam tarde demais diante do tamanho do passivo acumulado.
Nova gestão e o desafio de reconstruir a estatal
Em setembro de 2025, Lula nomeou Emmanoel Schmidt Rondon, funcionário de carreira do Banco do Brasil, para substituir Fabiano Silva dos Santos na presidência dos Correios. A escolha foi interpretada como uma tentativa de profissionalizar a gestão e afastar indicações políticas.

O novo presidente tem a missão de reverter o prejuízo bilionário, restabelecer a credibilidade da estatal e atrair novos parceiros estratégicos. Segundo interlocutores do governo, a prioridade será ajustar a governança e implementar um plano de reestruturação financeira e tecnológica.
Privatização volta ao debate
Com os resultados negativos e o aumento da dependência de recursos públicos, o debate sobre uma possível privatização dos Correios volta a ganhar força entre economistas.
“Os Correios vão continuar drenando recursos do governo porque perderam sentido econômico. Empresas privadas já oferecem o mesmo serviço com mais eficiência. A privatização seria uma saída racional”, defendeu Sérgio Vale.
Elena Landau concorda que o modelo estatal perdeu relevância:
“Há 30 ou 40 anos, os Correios faziam sentido no mundo analógico. Mas hoje, com o avanço digital e a logística privada, a empresa pública perdeu competitividade.”
Um símbolo nacional em xeque
Com quase 360 anos de história, os Correios sempre foram símbolo da integração nacional e da presença do Estado em todos os municípios brasileiros. Contudo, a estatal enfrenta agora o desafio de se reinventar em um mercado dominado por tecnologia, rapidez e eficiência — características que, segundo analistas, ela deixou de acompanhar.
Entre a pressão política por resultados, a necessidade de modernização e a discussão sobre seu futuro como empresa pública, os Correios chegam a 2025 em um momento decisivo. O rombo bilionário evidencia não apenas os problemas de gestão, mas também a urgência de repensar o papel das estatais brasileiras no século XXI.









