O ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, de 64 anos, foi executado a tiros na noite desta segunda-feira (15), em Praia Grande, no litoral paulista. O crime, ocorrido por volta das 18h na Avenida Dr. Roberto de Almeida Vinhas, bairro Nova Mirim, gerou forte repercussão em todo o estado e reacendeu o alerta sobre a atuação do crime organizado.
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Imagens de câmeras de segurança mostram que o carro de Fontes foi perseguido por criminosos armados. Durante a perseguição, o veículo da vítima bateu em um ônibus, foi atingido na lateral e capotou. Segundo a Polícia Militar, o ex-delegado já havia sido baleado antes de perder o controle da direção.
Testemunhas relatam que três homens desceram do carro dos criminosos enquanto o motorista permaneceu no veículo. Dois deles se aproximaram do ex-delegado e efetuaram disparos com fuzis, totalizando mais de 20 tiros. Em seguida, fugiram. Carregadores de fuzil foram encontrados no local.
Vídeos gravados por moradores mostram pânico e correria. Uma mulher chegou a se jogar no chão para se proteger, enquanto um motociclista escapou rapidamente. O Samu confirmou a morte de Fontes no local. Além dele, um homem e uma mulher que passavam pela avenida foram baleados, mas não correm risco de vida.
Pouco depois do crime, um carro incendiado foi encontrado a cerca de dois quilômetros da cena da execução. Outro automóvel, também ligado ao ataque, foi localizado com carregadores de fuzil e munições.
Quem era Ruy Ferraz Fontes
Ruy Ferraz Fontes dedicou mais de 40 anos à Polícia Civil de São Paulo. Formado em Direito e pós-graduado em Direito Civil, ele teve passagens pelo DHPP, Denarc e Deic. Foi justamente no Deic, no início dos anos 2000, que pioneiramente investigou o Primeiro Comando da Capital (PCC), prendendo lideranças e mapeando a facção.
Em 2006, durante a onda de ataques do PCC contra agentes de segurança, Fontes ganhou destaque ao indiciar Marcola, líder máximo da facção, e outros integrantes da cúpula criminosa. Sua atuação o colocou na linha de frente do enfrentamento ao grupo. Segundo o promotor Lincoln Gakiya, o delegado já havia escapado de um plano de execução em 2010.
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Entre 2019 e 2022, foi delegado-geral da Polícia Civil paulista, indicado pelo então governador João Doria. Nesse período, coordenou a transferência de chefes do PCC para presídios federais, considerada uma das medidas mais estratégicas contra a facção. Em 2023, aposentado, assumiu a Secretaria de Administração de Praia Grande, cargo que ocupava até a morte.

Fontes também foi professor de Criminologia e Direito Processual Penal e participou de cursos no Brasil, França e Canadá. Em entrevista recente, revelou viver sozinho, sem esquema de proteção pessoal.
Linhas de investigação
Até o momento, duas principais hipóteses orientam as apurações:
- Vingança pela atuação histórica contra o PCC. Fontes participou da prisão e de investigações diretas contra Marcola e a cúpula da facção.
- Reação a medidas administrativas em Praia Grande. Como secretário, teria contrariado interesses de grupos ligados ao crime.
O professor Rafael Alcadipani, da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, avaliou:
“Ser executado dessa maneira mostra o poderio do crime organizado e a ousadia da facção. É uma ação extremamente planejada.”
O histórico de ameaças também pesa: em dezembro de 2023, o delegado e a esposa foram vítimas de um assalto à mão armada em Praia Grande, quando retornavam de um restaurante. Dois criminosos foram presos.
Próximos passos
O governador Tarcísio de Freitas determinou prioridade máxima às investigações e a criação de uma força-tarefa. A operação reúne o DHPP, Deic e equipes especializadas da Baixada Santista e da capital.
“Estou estarrecido. É muita ousadia. Uma ação muito planejada. Temos que dar resposta à família e à sociedade”, disse Tarcísio.
O delegado-geral Artur Dian confirmou que todos os carros usados pelos criminosos eram roubados e reforçou que o caso será investigado pelo DHPP:
“Colete à prova de balas, uso de fuzil e emboscada mostram que foi uma execução com certeza de morte.”
A Secretaria da Segurança Pública lamentou a morte “com profundo pesar” e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) também ofereceu apoio às apurações.
O secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, também se posicionou sobre o assassinato de Fontes:
Derrite, ainda, postou um vídeo em suas redes sociais afirmando que o momento é de “luto, mas também de muito trabalho para identificar, o mais rápido possível, os criminosos que participaram dessa ação covarde”.
Impacto
A execução de Ruy Ferraz Fontes escancara novamente a capacidade de articulação do crime organizado em São Paulo. Praia Grande, onde o crime ocorreu, é apontada por autoridades como área de refúgio e de investimentos ilícitos da facção, especialmente no setor imobiliário.
O ex-promotor Marcio Christino, parceiro de Fontes no combate ao PCC nos anos 2000, afirmou:
“Ele foi uma das pessoas mais importantes no enfrentamento ao PCC. Sua morte é uma perda irreparável para a segurança pública.”
Ex-delegado havia relatado viver sozinho e sem proteção em Praia Grande
O ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo revelou, em entrevista concedida a um podcast da CBN e do jornal O Globo, — ainda não publicada — que residia sozinho em Praia Grande, no litoral paulista, sem qualquer esquema de segurança. A conversa ocorreu há cerca de duas semanas.
No áudio, Fontes destacou:
Meu nome é Ruy Ferraz Fontes. Desde 2002, fui encarregado de investigações relacionadas ao crime organizado, especificamente contra o PCC. Eu tenho proteção de quê? Moro sozinho aqui, vivo sozinho em Praia Grande, que é o meio deles. Hoje, não tenho estrutura nenhuma, não tenho estrutura nenhuma…
Ruy Ferraz Fontes será velado na Alesp nesta terça-feira (16)
O corpo de Ruy Ferraz Fontes será velado nesta terça-feira (16) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). A cerimônia está marcada para o período da tarde e é aberta ao público. A informação foi confirmada pela própria Alesp em comunicado oficial.
Leia o comunicado oficial:
“A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo manifesta profundo pesar pelo falecimento de Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral da Polícia Civil, aos 63 anos, e informa que o velório será realizado nesta terça-feira (16), no Hall Monumental do Palácio 9 de Julho, das 10h às 15h. O sepultamento está previsto para 16h no Cemitério da Paz Morumbi.
Com mais de quatro décadas dedicadas à Polícia Civil, Ferraz Fontes exerceu funções de grande relevância, entre elas a de diretor do Departamento de Polícia Judiciária da Capital (Decap). Atuou também no Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), no Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) e no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). Foi delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo entre janeiro de 2019 e abril de 2022.
Atualmente, exercia o cargo de secretário de Administração da Prefeitura de Praia Grande”