Atualmente, com a valorização do dólar, a exportação de animais vivos para engorda ou abate imediato para países como Turquia, Egito, Arábia Saudita, dentre outros, vem sendo um atrativo às empresas do agronegócio. Em 2017 o Brasil faturou 276 milhões de dólares, e até julho de 2018 as exportações de bovinos e bubalinos vivos alcançaram 301 milhões de dólares. Segundo dados do Comtrade USDA, o Brasil detém 3,6% do comércio mundial de animais vivos, ocupando o 5º lugar, sendo a União Europeia a líder do segmento.
Para pecuaristas, a exportação de animais vivos pode ser até 35% mais rentável do que a venda de gado no mercado interno. Contudo, apesar de ser uma alternativa para os criadores venderem seu gado por um preço com maior valorização, intempéries causadas ao longo do trajeto contribuem para baixos índices de bem-estar animal. Mesmo em transportes terrestres de curta e média duração, animais são submetidos a situações estressantes, que afetam seu sistema fisiológico e a qualidade do produto final, seja pelas características físico–químicas e organolépticas, ou pelas perdas diretamente relacionadas a mortalidades durante o transporte, assim como contusões, fraturas e demais tipos de injúrias.
Tratando-se de exportação de animais vivos, além do transporte terrestre – que frequentemente ultrapassa oito horas de duração – na maioria das vezes os animais ainda são expostos à uma longa viagem por meio de transporte marítimo, fluvial ou aéreo, em um ambiente estranho ao que foram criados até então. Para tanto, em 28 de agosto de 2018 foi publicada no Diário Oficial da União a Instrução Normativa nº 46 (Regulamento técnico para exportação de bovinos, bubalinos, ovinos e caprinos vivos, destinados ao abate ou à reprodução), que estabelece normas e procedimentos básicos para a preparação de animais vivos para expor- tação por via marítima, fluvial, aérea ou terrestre, desde a seleção nos estabelecimentos de origem, o manejo nas instalações de pré-embarque e no embarque, o transporte entre o estabelecimento de origem e o Estabelecimento de Pré-Embarque (EPE), e destes, para o local de egresso do país.

Antes do embarque em caminhões do EPE ao porto, onde serão embarcados em um navio, estes animais são transportados de sua fazenda de origem até o EPE, onde ficarão confinados. Após a chegada do último lote, o Auditor Fiscal Federal Veterinário dá abertura à quarentena ou isolamento, onde os animais permanecerão pelo período mínimo de sete dias (podendo variar de acordo com as exigências do país importador) para realização de exames laboratoriais, tais como Brucelose, Tuberculose, dentre outras patologias de análise obrigatória. Durante o isolamento, todos os animais devem ser submetidos à avaliação clínica, provas laboratoriais, tratamentos e vacinações requeridas, a serem realizadas pelo exportador mediante supervisão e acompanhamento do serviço veterinário oficial brasileiro.
Os animais selecionados devem estar adequadamente preparados para o transporte e, adicionalmente, não devem apresentar qualquer condição que possa comprometer sua saúde e bem-estar no trajeto até o EPE, ou deste até o local de embarque para o país importador. Fêmeas, a partir de doze meses de idade, quando destinadas ao abate (imediato ou engorda), devem estar acompanhadas de atestado negativo ao exame de prenhez, firmado por médico-veterinário, realizados no máximo 15 dias anteriores à data da exportação.
No EPE, os animais selecionados devem permanecer durante todo o período estabelecido no requisito sanitário acordado com o país importador, nunca por menos de sete dias, sob responsabilidade direta de médico-veterinário responsável técnico pela exportação e sob supervisão do serviço veterinário oficial brasileiro. Deste modo, permanecem em grandes confinamentos, com ração e água à vontade, mas com enriquecimento ambiental muitas vezes deficiente. Seria necessário adaptar o recinto com melhores condições de espaço, luminosidade, conforto térmico por meio de sombrea- mento (proteção dos raios solares) e sistemas de aspersão de água, proteção contra ventos e chuvas, redução do excesso de lama, facilidade de acesso ao cocho, assim como outras medidas que representem melhora na quali- dade do ambiente. Também são necessárias estratégias de manejo focadas no treinamento de funcionários e na familiarização prévia dos animais, pois muitos lotes são misturados em um mesmo curral, o que promove brigas e busca por uma nova hierarquia.
A mudança do sistema de produção e a transferência dos bovinos para um ambiente de confinamento implicam na imposição de uma série de alterações na vida dos animais em um curto período de tempo, como: mudança de dieta e regime alimentar, reagrupamento social (mistura de animais de diferentes lotes), redução do espaço disponível por animal, alojamento em grandes grupos, maior exposição a condições climáticas extremas, etc. Quando os animais enfrentam qualquer situação desafiadora, ocorre ativação de mecanismos adaptativos que buscam manter o equilíbrio do corpo, ocasionando mudanças metabólicas e comportamentais que podem comprometer o bem-estar dos animais.
Já na fase de embarque nos caminhões, a falta de treinamento por parte dos funcionários que conduzem os animais, assim como dos motoristas de caminhões, acentua ainda mais esta problemática, pois, como em uma operação de guerra, lutam contra o tempo, chegando a embarcar um caminhão a cada dez minutos, para que assim concluam o processo em menor tempo possível, visto que os navios chegam a embarcar até 15 mil cabeças. Muitas vezes o tempo de viagem acaba excedendo as doze horas preconizadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ou então a viagem acaba sendo realizada em tempo menor do que os limites de velocidade permitem, podendo causar acidentes nas rodovias.
De acordo com a Instrução Normativa 46/2018, os pontos de egresso devem dispor de mão de obra treinada em protocolos de bem-estar animal, sendo consideradas as recomendações descritas no Código Sanitário para os Animais Terrestre, da Organização Mundial de Saúde Animal, assim como o médico veterinário privado responsável técnico do EPE deverá obedecer às exigências e procedimentos que serão estabelecidos em norma específica do Departamento de Saúde Animal da Secretaria de Defesa Agropecuária.
Os animais podem ser exportados somente acompanhados de Certificado Zoossanitário Internacional (CZI) aprovado pelo Mapa. O médico veterinário oficial do Mapa deverá inspecionar os animais na abertura do período de isolamento e antes de sua saída com destino ao ponto de egresso, para verificar o cumprimento dos requisitos sanitários estabelecidos pelos países importadores, devendo ser avisado com cinco dias de antecedência, a fim de que acompanhe o embarque dos animais e proceda à lacração do veículo de transporte.
O exportador, junto com o médico veterinário responsável técnico do EPE, são responsáveis pelo estado geral de saúde dos animais e por sua aptidão física para a viagem, independentemente da contratação de terceiros para realizar determinados serviços durante o manejo e transporte. A responsabilidade pela manutenção, segurança e operação do EPE, incluindo o fornecimento de alimentação e água e demais cuidados com os animais, ficará a cargo exclusivamente do proprie- tário, locatário ou representante legal do estabelecimento.
De acordo com o professor Matheus Paranhos Salles, especialista em bem-estar animal e professor da Universidade Estadual Paulista de Jaboticabal, mesmo com a aprovação destas regras para exportação de animais vivos, publicadas pelo Mapa, apesar dos avanços, houve também retrocesso. A primeira normativa regulando a exportação de gado vivo, por exemplo, estabelecia que a viagem máxima por via terrestre do EPE até o porto não podia exceder quatro horas. Mais adiante isso foi modificado para oito horas, e agora são doze. Deste modo, provavelmente os animais entrarão no navio cansados e muito estressados. O ideal seria que estes EPEs fossem mais próximos dos portos.
Outro ponto relevante em relação ao bem-estar destes animais é a densidade deles nos navios. De acordo com Salles, a questão econômica está sendo colocada à frente do bem-estar animal, que fica em segundo plano. Se colo- carmos um bovino de 350 kg em uma densidade de 1,28 m² por animal, é impossível que ele se levante ou se deite confortavelmente, assim como é impossível evitar que ele seja pisoteado pelos outros. Em uma viagem longa de navio, que pode durar duas ou quase três semanas, deve-se levar em conta que todos os animais precisam poder deitar-se confortavelmente ao mesmo tempo, e para isso o bovino precisa de pelo menos 2,5 m² por cabeça, porque ele ocupa mais do que o espaço de seu corpo para se levantar, pois vai para frente e para trás.
No navio, os animais ficam em currais com camas de serragem e ração. Há ventiladores cujo ruído ultrapassa os 90 decibéis, volume que pode gerar danos ao ouvido humano. Estudos devem ser conduzidos em relação ao estresse causado aos animais devido à poluição sonora, pois toda redução de barulho contribui para uma melhoria no bem-estar do gado.
Deste modo, o transporte marítimo ou fluvial deve ser previamente planejado pelo transportador e pelo exportador, realizado em navios aprovados pela Capitania dos Portos e que tenham habilitação para o transporte de animais, com condutores treinados para transportar cargas vivas, conduzidos de forma a prevenir danos aos animais e minimizar o estresse de viagem, respeitando as normas estabelecidas para o bem-estar animal e as densidades de carga recomendadas. As embarcações devem ser suficientemente abastecidas de alimento, água potável e medicação para a viagem, adequados à espécie transportada. Também devem possuir espaços em cada deck ou compartimentos destinados a enfermarias para tratamento eventual de animais feridos, extenuados ou enfermos, correspondente a aproximadamente 1% da capacidade de alojamento, assim como planos de contingência para eventuais intempéries ao longo do trajeto.
A responsabilidade pelo transporte dos animais até sua chegada ao destino, independentemente de subcontratação, é do exportador dos animais. Compete igualmente aos exportadores informar ao Mapa, posterior e formal- mente, os dados de desembarque dos animais no destino, incluindo as ocorrências durante o transporte marítimo, fluvial ou aéreo e detalhando aquelas que tenham implicado na morte ou morbidade de animais e suas causas. Tal informe deve ser feito em até dez dias úteis após a chegada dos animais ao destino, conforme modelo constante no Relatório de Viagem da Instrução Normativa 46/2018. A aprovação do EPE deve ser realizada pelo Mapa e renovada a cada cinco anos.
Apesar de a exportação de animais vivos ser uma alternativa para os produtores de gado, o Brasil apresenta o mais promissor mercado de carnes do mundo, e, ao exportar animais vivos, vende-se a matéria-prima ao invés do produto beneficiado e já com valor agregado.
Além do bem-estar dos animais, também temos que pôr na balança e avaliar as vantagens e desvantagens econômicas e sociais deste tipo de empreendimento. A publicação da Instrução Normativa 46/2018 representa um grande avanço em relação à legislação de transporte de animais vivos, contudo, temos que evoluir ainda mais nos próximos anos, eliminando ou minimizando falhas que ainda persistem, sempre embasados em estudos técnico-científicos. &
Referências
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