Em uma movimentação que surpreendeu o meio diplomático argentino, o presidente Javier Milei nomeou nesta quinta-feira (23) o secretário de Finanças, Pablo Quirno, como novo ministro das Relações Exteriores, substituindo Gerardo Werthein, que renunciou ao cargo após um ano de gestão. A decisão marca uma inflexão na condução da política externa do país, com foco na integração entre diplomacia e economia.
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Quirno, formado em Ciências Econômicas pela Universidade da Pensilvânia (EUA – Estados Unidos da América), tem uma trajetória consolidada no setor financeiro internacional. Antes de integrar o governo Milei, atuou como diretor para a América Latina do banco de investimentos JP Morgan, com base em Nova York. Desde dezembro de 2023, é considerado o braço direito do ministro da Economia, Luis Caputo, com quem compartilha a condução das finanças argentinas.
A nomeação ocorre em um momento estratégico, após a assinatura de um acordo bilateral histórico com os Estados Unidos (EUA), articulado por Quirno, Caputo e o presidente do Banco Central, Santiago Bausili. O pacto, firmado com o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, prevê apoio financeiro e técnico à Argentina para estabilização macroeconômica e reformas estruturais.
Especialistas veem mudança de paradigma
Para o cientista político Andrés Malamud, professor da Universidade de Lisboa, a escolha de Quirno “reforça a ideia de que Milei vê a política externa como uma extensão da política econômica”. Segundo ele, “a diplomacia tradicional perde espaço para uma abordagem pragmática, voltada à atração de investimentos e ao fortalecimento de alianças comerciais com países-chave, como os EUA e Israel”.
Já a economista Marina Dal Poggetto, diretora da consultoria EcoGo, avalia que “a presença de Quirno na chancelaria pode facilitar negociações com organismos multilaterais e investidores internacionais, mas também exige cuidado para não reduzir a política externa a uma agenda exclusivamente financeira”.
Renúncia de Werthein e bastidores da troca
Gerardo Werthein, que ocupava o cargo desde o início do governo Milei, apresentou sua renúncia na quarta-feira (22), alegando motivos pessoais. Em comunicado oficial, Milei agradeceu ao ex-chanceler por ter sido “parte instrumental, junto ao Ministério da Economia e à embaixada argentina em Washington, do maior acordo bilateral da história de nosso país com os Estados Unidos (EUA)”.

Fontes próximas ao governo indicam que a saída de Werthein já vinha sendo cogitada após as eleições legislativas de outubro, diante da crescente influência de Caputo na formulação da política externa. A nomeação de Quirno consolida esse eixo econômico-financeiro no centro do poder.
Repercussão internacional e expectativas
A Casa Branca recebeu positivamente a nomeação. Em nota, o porta-voz do Departamento de Estado afirmou que “Pablo Quirno é um interlocutor confiável, com profundo conhecimento das dinâmicas econômicas regionais e compromisso com os valores democráticos e de mercado”.
No Brasil, o Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) evitou comentários públicos, mas diplomatas ouvidos sob anonimato expressaram preocupação com a possível “despolitização” da chancelaria argentina, o que poderia dificultar negociações em fóruns multilaterais como o Mercosul (Mercado Comum do Sul).
Quirno assume a chancelaria (Ministério das Relações Exteriores) com a missão de aprofundar o vínculo entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Economia, promovendo a “visão pró-mercado” da gestão Milei. Segundo o gabinete presidencial, ele continuará a apoiar a “batalha cultural” do presidente na defesa dos valores ocidentais e na construção de alianças internacionais.
Entre os principais desafios estão a renegociação da dívida externa, a atração de investimentos estrangeiros e a redefinição da posição argentina em organismos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos). Além disso, Quirno terá de lidar com tensões diplomáticas recentes, como as críticas de Donald Trump às eleições argentinas e o posicionamento do país frente aos conflitos em Gaza e Ucrânia.

Foto: Brendan SMIALOWSKI / AFP









