Madagascar entrou oficialmente em um regime militar após a destituição do presidente Andry Rajoelina, acusado de abandono de funções. A mudança abrupta de poder, liderada por uma unidade de elite do Exército, gerou reações internacionais e abriu um novo capítulo político para a nação insular africana.
Na terça-feira, 14 de outubro, o grupo militar Capsat assumiu o controle do governo momentos após o Parlamento aprovar, por ampla maioria, a destituição de Rajoelina. O presidente, que enfrentava semanas de protestos liderados por jovens insatisfeitos com a elite política, não foi localizado após a votação e acredita-se que tenha deixado o país.
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O coronel Michael Randrianirina, comandante do Capsat, foi anunciado como presidente interino. Em pronunciamento oficial, ele afirmou que a transição será conduzida por um comitê formado por oficiais do Exército, da Gendarmaria e representantes civis. “Nosso compromisso é com a reconstrução institucional e com eleições livres em até 24 meses”, declarou Randrianirina.
Reações internacionais: isolamento diplomático
A resposta internacional foi imediata. A União Africana suspendeu Madagascar de todos os seus órgãos com “efeito imediato”, classificando o evento como uma “mudança inconstitucional de regime”. O presidente da Comissão da UA, Mahamoud Ali Youssouf, afirmou: “Não podemos tolerar rupturas democráticas. A suspensão é um sinal claro de que golpes não serão legitimados.”
O secretário-geral da ONU, António Guterres, também expressou preocupação: “Apelamos às partes envolvidas para que busquem uma solução pacífica e respeitem os direitos humanos e o Estado de Direito”.
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Para o cientista político Dr. Jean-Claude Rakotomalala, da Universidade de Antananarivo, o golpe reflete uma falência institucional prolongada. “O sistema político malgaxe está em colapso há anos. O Exército apenas ocupou o vácuo deixado por lideranças civis desacreditadas”, afirmou.
Contexto político e social: crise e juventude em ebulição
A queda de Rajoelina ocorreu após mais de duas semanas de manifestações intensas, especialmente protagonizadas por jovens da chamada “Geração Z”. Os protestos, concentrados na capital Antananarivo, denunciavam corrupção, desemprego e falta de perspectivas para a juventude.
“Eu me rebelo muito porque não vejo futuro aqui”, disse Lova Andrianina, estudante de 22 anos, em entrevista à revista Exame. “Queremos um país que nos escute, não que nos silencie com tanques”.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística de Madagascar (INSTAT), o desemprego entre jovens de 18 a 30 anos ultrapassava 34% em setembro de 2025, um dos índices mais altos da África Subsaariana.
Já a pesquisadora francesa Marie Dupont, especialista em transições democráticas africanas, alerta para os riscos: “Promessas de eleições são comuns em regimes militares, mas sem pressão internacional e mobilização interna, elas raramente se concretizam. O caso de Mali e Burkina Faso são exemplos recentes dessa armadilha”.
O que vem pela frente: cronograma e desafios
O coronel Randrianirina prometeu um processo de reestruturação institucional com duração entre 18 e 24 meses. Entre as prioridades estão:
- Revisão da Constituição
- Combate à corrupção
- Criação de um novo sistema eleitoral
- Inclusão de jovens e mulheres na política
No entanto, até o momento, não há detalhes sobre como essas metas serão implementadas ou financiadas. A instabilidade política também ameaça investimentos estrangeiros e a já frágil economia local, que depende fortemente da exportação de baunilha e minerais.
A comunidade internacional observa com cautela, e os próximos meses serão decisivos para determinar se o país caminhará rumo à reconstrução institucional ou se mergulhará em mais uma crise prolongada.










