‘Quarteto Fantástico: Primeiros Passos’: Uma família maior que o universo

Há filmes que se desenham como mapas estelares: cada ponto de luz é um momento, uma lembrança, uma ruptura entre o antes e o depois. E Quarteto Fantástico: Primeiros Passos não chega como um meteoro explosivo ou uma supernova devastadora. Não. Ele se aproxima como uma estrela há muito esquecida, que volHá filmes que se desenham como mapas estelares: cada ponto de luz é um momento, uma lembrança, uma ruptura entre o antes e o depois.

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E Quarteto Fantástico: Primeiros Passos não chega como um meteoro explosivo ou uma supernova devastadora. Não. Ele se aproxima como uma estrela há muito esquecida, que volta a brilhar em silêncio no mesmo céu que muitos já desistiram de olhar.

A primeira família da Marvel está de volta - agora em nova adaptação aos cinemas - produzido pela própria produtora e pertencente ao Universo Cinematográfico da Marvel - Foto: Reprodução/Marvel
A primeira família da Marvel está de volta – agora em nova adaptação aos cinemas – produzido pela própria produtora e pertencente ao Universo Cinematográfico da Marvel – Foto: Reprodução/Marvel

Em tempos onde o cinema de heróis virou um hipermercado de efeitos, timelines e previsões para os próximos dez lançamentos, este filme ousa fazer o oposto. Ele não corre. Ele caminha. E caminha de mãos dadas com você, como um velho amigo que te reencontra na estação depois de anos e diz: “Calma. Não precisa lembrar de tudo. Basta sentir.”

Aqui, não nos pedem que tragamos o manual do multiverso na cabeça. Nem exigem que saibamos distinguir variantes, incursões ou pós-créditos que se acumulam como dívidas narrativas. Em vez disso, somos convidados a sentar no sofá da sala — sim, aquele sofá com cobertor puído e cheiro de infância — e olhar, com olhos menos apressados, para a primeira família de super-heróis da cultura pop.

Mas que família é essa?

É uma que briga por bobagens, mas se sacrifica por inteiro. Uma onde o amor não se grita, se demonstra — nos pequenos gestos, nos silêncios respeitados, no cuidado de saber quando o outro precisa de espaço… ou de um abraço. São quatro peças de um quebra-cabeça que só faz sentido quando montado em conjunto. Reed Richards é o pensamento que dobra a lógica. Sue Storm é o afeto que se esconde para proteger. Ben Grimm é a rocha que chora por dentro. Johnny Storm é o fogo que arde em busca de identidade.

'O Quarteto Fantástico' em ação - Foto: Reprodução/Marvel
‘O Quarteto Fantástico’ em ação – Foto: Reprodução/Marvel

E, então, há um quinto elemento — não o do espaço, mas do tempo. O tempo de se tornar pai. Mãe. Tio. Irmão. Porque o herói que voa e salva o mundo já vimos mil vezes; mas o herói que troca fraldas em meio ao colapso intergaláctico? Esse ainda é raro.

Um filme que olha para dentro

Primeiros Passos se passa em uma Terra estilizada, com tons retrô-futuristas que parecem saídos de um comercial de TV dos anos 60, daqueles com jingle alegre e promessas de prosperidade que nunca chegaram. O cenário é charmoso, mas não é distração. Ele é, na verdade, um espelho: mostra um mundo que parece perfeito, mas que começa a rachar por dentro — como racham os vínculos quando não há cuidado.

Como é o mundo retrô-futurista do 'Quarteto Fantástico' (e é apaixonante esse universo com pegada 'a Lá 'Os Jetsons'' - Foto: Reprodução/Marvel Studios
Como é o mundo retrô-futurista do ‘Quarteto Fantástico’ (e é apaixonante esse universo com pegada ‘a Lá ‘Os Jetsons” – Foto: Reprodução/Marvel Studios

Enquanto entidades cósmicas se aproximam e ameaçam apagar o planeta como se fosse apenas mais uma estrela num catálogo, o filme nunca tira os olhos da sala de estar. Não importa quão distante esteja o perigo: é o que acontece entre uma refeição e um nascimento, entre um olhar e uma dúvida, que molda toda a trama.

Não é sobre salvar a Terra. É sobre merecer chamá-la de lar.

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E há beleza nisso. Porque em tempos em que todos querem dizer algo estrondoso, o filme escolhe sussurrar. E, por isso mesmo, ecoa.

O humano além do super

Vanessa Kirby, com olhos que carregam oceanos, entrega uma Sue Storm que não apenas é mãe de um filho, mas também do mundo — uma figura silenciosamente feroz, que escolhe amar com firmeza mesmo quando o amor exige dor. Pedro Pascal constrói um Reed Richards dividido entre a ciência e o sentimento, entre fórmulas e fraldas, entre salvar a humanidade ou segurar seu filho por mais um instante.

À direita, Sue Storm (que traz consigo uma posição mais política) e à esquerda, Reed Richards (com seu lado mais cisudo, sério e inteligente) - Foto: Reprodução/Marvel
À direita, Sue Storm (que traz consigo uma posição mais política) e à esquerda, Reed Richards (com seu lado mais cisudo, sério e inteligente) - Foto: Reprodução/Marvel

À direita, Sue Storm (que traz consigo uma posição mais política) e à esquerda, Reed Richards (com seu lado mais cisudo, sério e inteligente) – Foto: Reprodução/Marvel

E é isso que torna esse filme maior do que seus efeitos especiais — embora, sim, os efeitos estejam ali: Galactus assombra como um mito bíblico redesenhado em pixels, e a Surfista Prateada desliza como poesia prateada sobre um fundo de abismo. Mas o que marca mesmo é o toque. O toque humano. A hesitação. O medo. A entrega.

Shalla-Bal, arauto de Galactus - Foto: Reprodução/Marvel
Shalla-Bal, arauto de Galactus – Foto: Reprodução/Marvel

Ben Grimm, o Coisa, ainda feito de pedra, tem aqui talvez seu momento mais macio. Não por dizer muito, mas por mostrar: com olhares, gestos, silêncios. Johnny Storm, por sua vez, aparece menos mulherengo e mais humano — ainda em busca de holofotes, mas começando a descobrir que talvez o verdadeiro palco da vida seja o coração dos que ficam.

À esquerda, Ben Grimm (e seu jeito doce e macio, apesar de ser de pedra) e à direita, Johnny Storm (menos mulherengo e mais inteligente) - Foto: Reprodução/Marvel
À esquerda, Ben Grimm (e seu jeito doce e macio, apesar de ser de pedra) e à direita, Johnny Storm (menos mulherengo e mais inteligente) - Foto: Reprodução/Marvel

À esquerda, Ben Grimm (e seu jeito doce e macio, apesar de ser de pedra) e à direita, Johnny Storm (menos mulherengo e mais inteligente) – Foto: Reprodução/Marvel

Um filme que não explica, mas revela

Assistir a Primeiros Passos é como ler um bom livro de poesia. Nem tudo está dito — e ainda assim, tudo está lá.

A ausência de longos diálogos expositivos ou de conexão direta com os outros filmes do MCU não é uma falha: é liberdade. É como se o diretor dissesse: “Não preciso provar nada. Basta mostrar quem eles são.”

E ao mostrar isso, nos convida a refletir sobre o que significa ser uma família. Sobre como, no fim das contas, os maiores desafios da vida não têm uniforme ou trilha sonora épica. Eles vêm na forma de escolhas difíceis. De sacrifícios silenciosos. De amar mesmo sem garantias.

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Entre cortes e passos perdidos

Ainda assim, nem tudo são constelações perfeitamente alinhadas. Primeiros Passos, por vezes, tropeça no próprio compasso. Há momentos em que o filme acelera demais — como se tivesse medo do próprio silêncio, como se quisesse chegar logo ao ponto sem perceber que o caminho também é parte da história.

John Malkovich, que seria o vilão 'Fantasma Vermelho', é cortado após ajustes na pós-produção do longa - Foto: Reprodução/Marvel
John Malkovich, que seria o vilão ‘Fantasma Vermelho’, é cortado após ajustes na pós-produção do longa – Foto: Reprodução/Marvel

Algumas soluções surgem rápido demais, quase mágicas, e certos diálogos parecem evaporar antes de ganhar corpo. Fica a sensação de que há cenas ausentes, talvez deixadas na sala de edição — momentos que dariam respiro, contexto ou emoção a mais para decisões importantes. O espectador, então, preenche lacunas com a imaginação, o que é bonito por um lado, mas pode frustrar quem desejava mergulhar ainda mais fundo nesse universo com cheiro de lar e som de trovão distante.

Mas mesmo com essas lacunas, o filme se sustenta com dignidade. E talvez, como nas famílias reais, parte do seu encanto esteja justamente em não ser perfeito — mas verdadeiro.

Uma carta de amor

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é uma carta de amor a um tempo em que heróis ainda eram contados em dedos e não em hashtags. Em que salvar o mundo era, sobretudo, salvar uns aos outros. É uma lembrança gentil de que o fantástico não está no raio azul que rasga os céus, mas na mão que segura outra quando o universo parece prestes a ruir.

É o tipo de filme que não grita, mas permanece. Que não exige aplauso, mas deixa saudade. Que termina e deixa no ar a sensação de que há, sim, algo maior lá fora — mas que talvez o mais difícil de proteger ainda seja aquilo que está dentro de casa.

Momento de Galactus na Terra - Foto: Reprodução/Marvel
Momento de Galactus na Terra – Foto: Reprodução/Marvel

Então, se você andava descrente. Se sentia que o brilho havia se perdido, que os filmes de herói viraram fotocópias sem alma… vá de coração aberto.

Porque às vezes, tudo que a gente precisa para reencontrar a magia…

…é dar um primeiro passo.


Veja trailer do filme que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (24)

MAS, E A NOTA?

Livre das amarras do MCU, o novo Quarteto Fantástico opta por um caminho menos barulhento e mais humano. Com uma estética retrofuturista que remete à Era de Ouro da ficção científica, o filme encanta pela simplicidade e por resgatar o que realmente importa: os laços de afeto. Aqui, os poderes são apenas pano de fundo para o que há de mais fantástico — a união de uma família que resiste ao caos.

Apesar de alguns cortes apressados e soluções rápidas, que deixam a sensação de que certos momentos mereciam mais contexto, a obra ainda respira com leveza e beleza. É uma história que aquece, diverte e emociona sem precisar gritar. Um filme que entende que salvar o mundo é importante, mas salvar uns aos outros pode ser ainda mais grandioso. Uma carta de amor à essência dos heróis. E talvez, só talvez, o mais fantástico dos Quartetos até agora.

🔴 PONTO 360 avalia: 8,0
Um acerto sensível, nostálgico e cheio de alma. Fantástico — na essência da palavra.

Ficha técnica

  • Título original: Quarteto Fantástico: Primeiros Passos
  • Ano: 2025
  • País: EUA
  • Classificação: 12 anos
  • Duração: 115 min
  • Gênero: Super-herói, Ação, Aventura, Sci-Fi
  • Direção: Matt Shakman
  • Roteiro: Eric Pearson, Josh Friedman, Jeff Kaplan, Ian Springer
  • Elenco principal: Pedro Pascal | Vanessa Kirby | Ebon Moss-Bachrach | Joseph Quinn | Ralph Ineson | Julia Garner | Natasha Luonne | Matthew Wood | Ada Scott

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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