No Brasil, os casos de intolerância religiosa cresceram mais de 80%. De 2023 para 2024, o Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, registrou um aumento significativo, principalmente envolvendo religiões de matriz africana e o cristianismo. As denúncias revelaram que, nas crenças de descendência afro, os casos dobraram. Os evangélicos também registraram aumento expressivo.
A Constituição Federal de 1988 garante a liberdade religiosa e veda qualquer tipo de discriminação. A verdade é que o Brasil é oficialmente um país laico, mas será que as pessoas são, de fato, livres para viverem sua fé?
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Em 2024, em entrevista à CNN, uma professora relatou que foi vítima de intolerância religiosa na escola onde lecionava. A educadora mencionou que os ataques verbais começaram após ministrar aulas sobre a cultura afro. Insultos como “feiticeira” e “diabólica” foram direcionados a ela. Mais tarde, o caso mais grave aconteceu enquanto corrigia atividades: a professora conta que foi apedrejada por duas alunas, uma das pedras atingiu seu pescoço. Gerando um afastamento de 3 dias.
Utilizando como base dados do IBGE, um dos locais com maior índice de violações contra o direito de crença são as instituições de ensino. A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2015) revela que 4,2% das motivações de chacotas entre alunos têm origem religiosa. Um estudo da Revista Foco, com 174 alunos entre 14 e 19 anos em uma escola do Espírito Santo, apontou que a intolerância aparece como violência institucional, incluindo imposições religiosas e humilhações cotidianas.
A igreja, em suas diversas denominações, tem um papel crucial no combate à intolerância religiosa, promovendo o diálogo inter-religioso, a conscientização e a educação, além de apoiar políticas públicas que garantam a liberdade de crença. Atualmente, percebe-se que esse papel se torna cada vez menos relevante nas organizações atuais.
A pergunta é: o quanto da doutrina é interpretação humana ou fruto de preconceito social?
Talvez mais do que a gente imagina.
Há ideologias que nasceram para acolher, para espalhar amor e, como dizem, trazer salvação. Mas foram moldadas ao longo dos séculos por estruturas de poder, por interesses de controle, e por preconceitos disfarçados de “Renúncia”
Quando uma doutrina nega o amor, exclui corpos, silencia tradições ou aponta o dedo para outras formas de acreditar e viver, é preciso perguntar: isso vem de Deus ou da conveniência de quem interpreta?
Vale lembrar que exclusão, imposição e olhares ou gestos maldosos também se encaixam como formas de discriminação à liberdade religiosa. Muitos jovens adeptos de religiões de matriz africana aprendem a omitir sua fé, e esconder suas guias para evitar o bullying. Algo que deveria ser motivo de orgulho e inspiração, torna-se mais um gatilho para o medo.
Na escola E.E. Profa. Célia Ribeiro Landim, referência na zona leste de São Paulo, os educadores trabalham diariamente contra qualquer ato discriminatório. Um evento super interessante que a escola promove é a “Amostra de Religiões”. Segundo os alunos Israel Freitas e Ana Beatriz Oliani, a proposta veio de uma professora de História, que organizou os estudantes conforme seus interesses. Depois de muita pesquisa, todos se reuniram na quadra para uma feira de saberes, onde compartilharam o que aprenderam. O evento contou com a participação de líderes religiosos, que também trocaram conhecimento e responderam perguntas e curiosidades relacionadas à sua fé.
“Eu considero esse tipo de evento importante porque pode dar voz a quem sofre preconceito ou comentários de mal gosto. Abre a mente das pessoas pra ver que os estigmas associados às religiões não são aquilo que dizem por aí. E melhora o diálogo e o conhecimento quando o assunto é religião.”
— Israel Freitas

Ações como essa mostram que o papel da escola vai além da construção intelectual, inclui também a formação cidadã.
O preconceito não nasce da fé, mas do medo. Medo do que é diferente, do que não se entende, do que nunca se tentou conhecer. O problema não está no que se acredita ou não, mas do que se tem certeza absoluta sem espaço para outras visões
Enquanto a religião for usada como ferramenta para excluir, impor e intimidar. E não para acolher, e levar amor a quem precisa, seguiremos apagando histórias, silenciando culturas e ferindo o direito mais básico de todos: ser livre para existir como se é.
3 Comentários
Matéria muito bem escrita e estruturada, além é claro do tema super importante de se debater hoje, amanhã e enquanto ainda houver intolerância religiosa. Parabéns para autora também, que trouxe dados concretos para demonstrar todo esse problema que nos cerca e também por nos fazer refletir sobre.
Agradeço o carinho!
Muito top🌹