O arquiteto e paisagista chinês Kongjian Yu, criador do conceito de “cidades-esponja” e um dos nomes mais influentes da arquitetura mundial, morreu na noite de terça-feira (23) em um acidente aéreo em Aquidauana, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. A queda do avião de pequeno porte matou também o piloto Marcelo Pereira de Barros, o cineasta Luiz Fernando Feres da Cunha Ferraz e o diretor de cinema Rubens Crispim Jr.
LEIA TAMBÉM: Tragédia no Pantanal: arquiteto chinês e cineastas brasileiros estão entre vítimas de acidente aéreo em MS
Yu estava no Brasil após ter participado da Bienal de Arquitetura de São Paulo, no dia 19 de setembro. No Pantanal, acompanhava as gravações de um documentário sobre as “cidades-esponja”, conceito urbanístico que se tornou referência global no enfrentamento das mudanças climáticas.
O que são as cidades-esponja
As cidades-esponja são projetos urbanos planejados para absorver, reter e reutilizar grandes volumes de água da chuva, em vez de canalizá-la rapidamente para fora do ambiente urbano.
Segundo Kongjian Yu, a ideia central é simples: “a água não é inimiga”. Em vez de apostar apenas em represas, barragens e canalizações de concreto, o conceito propõe áreas verdes, parques e estruturas naturais alagáveis que funcionam como reservatórios temporários, reduzindo alagamentos e devolvendo equilíbrio às cidades.

Em entrevista ao Fantástico, o arquiteto explicou os três pontos fundamentais de suas propostas:
- Reter a água no ponto de origem – reservar ao menos 20% das áreas de uma fazenda ou espaço urbano para açudes, lagos e solos permeáveis.
- Reduzir a velocidade dos rios – usar vegetação e sistemas de lagos para absorção gradual da água.
- Adaptar as cidades para áreas alagáveis – criar zonas específicas onde a água possa se acumular sem causar destruição, infiltrando-se depois no lençol freático.
A inspiração para o modelo nasceu de sua própria infância. Nascido em 1963, na vila Dongyu, na província de Zhejiang, China, Yu cresceu em uma família de agricultores e trabalhou no campo até os 17 anos. Essa experiência o ensinou a observar como a natureza lida com a água.
A ideia ganhou força em 2012, quando chuvas intensas em Pequim mataram quase 80 pessoas. Na ocasião, a milenar Cidade Proibida permaneceu seca graças ao seu antigo sistema de drenagem, enquanto bairros modernos sofriam com inundações. O episódio reforçou a crítica de Yu: as cidades modernas dependem demais de concreto, canos e bombas, mas negligenciam soluções naturais.
Confira “Filhos do Silêncio” de Andrea dos Santos
Exemplos pelo mundo
Hoje, o conceito foi aplicado em mais de 70 cidades chinesas, que conseguem lidar com chuvas muito mais intensas do que as que provocaram tragédias no Brasil em anos recentes. Em Xangai, parques inteiros foram planejados para se transformar em reservatórios temporários, absorvendo a água da chuva e devolvendo-a aos rios de forma controlada.

No Brasil, Yu chegou a propor adaptações em áreas do Rio de Janeiro, como a Avenida Francisco Bicalho, no centro, sugerindo dobrar o espaço destinado à água para reduzir enchentes e valorizar a região.
Sustentabilidade e cultura
Apesar da aparência inovadora, Yu sempre afirmou que sua teoria era uma recuperação de conhecimentos ancestrais. Ele se inspirava em práticas agrícolas tradicionais e até na filosofia chinesa do chi — o sopro vital que deve sempre fluir. Para ele:
“aprisionar a água adoece as cidades; deixá-la fluir devolve equilíbrio e vida”.
A China passou a apresentar as cidades-esponja como vitrine de sua liderança em economia verde, mesmo sob críticas por ser o maior emissor de carbono do mundo. Ainda assim, parques e projetos de Yu já se tornaram exemplos globais de urbanismo sustentável, atraindo visitantes e influenciando arquitetos em diferentes continentes.
Legado
A morte de Kongjian Yu interrompe a trajetória de um dos arquitetos mais visionários do nosso tempo, mas sua filosofia seguirá inspirando políticas públicas e transformando cidades em todo o planeta.
Para ele, a mensagem era clara:
“Abrace a água. Deixe a água flutuar.”