Ontem, quando abri a porta da entrada de casa, vi um homem de 76 anos, que vem me visitar vez ou outra: MEU PAI. Não há espanto em receber o pai na sua casa, não é? Mas inexplicavelmente, ontem foi especial.
A figura que tenho do meu pai é de um homem forte, com uma voz de trovão que assusta os menos avisados, uma força no braço que me fazia temer um tapa, que quase nunca chegou, e uma força interior de começar de novo, de se refazer, de construir e realizar, principalmente, uma força gigantesca de sonhar.
LEIA TAMBÉM: Crônica de começar de novo
Meu pai foi sempre um homem de realizar sonhos e assim também nos ensinou, a mim e às minhas irmãs. Junto com minha mãe, que era forte igual, nos criou para nunca desistirmos. Sempre com um sorriso no rosto, uma força da resiliência invejável que carregam os nordestinos e muito amor.
E é interessante pensar em amor, porque espera-se, no senso comum, que amor venha recheado de denguinho fora de hora, de muito frufru e um tanto de mimimi, mas com eles não. Minha mãe, que virou um raio de luz de um dia bem ensolarado e quente, e meu pai, que ainda é um homem de aço, sempre demonstraram amor de um jeito atravessado, mas genuíno.
Meu pai amava enchendo os armários de comida, a geladeira de coisas boas e nos empurrando para a vida. Minha mãe conduzia o fogão e tirava de lá, como uma verdadeira sábia da ancestralidade, muita comida boa, fumegando de amor e força interior.
Meu pai vibrava dando um soco no ar a cada conquista das suas filhas, nunca interferiu em um relacionamento nosso com “deve ficar” ou “não deve ficar”. Já minha mãe ia atrás, perseguia a gente, aos namorados, brigava, dizia que não servia. Mas ambos queriam que fôssemos felizes.
Confira “Filhos do Silêncio” de Andrea dos Santos
Minha mãe se tornou uma avó mole, cheia de afetos macios e carinhos definidos pelos presentes que ela trazia em forma de coxinha de frango, Coca-Cola gelada, bolo de chocolate com sorvete de morango, ou o de banana da Ana Maria, ou ainda o de fubá cremoso, torta de frango, frango caipira cozinho e por aí vai… Do fogão ela tirava muito amor.
Já meu pai, até hoje, usa a linguagem do amor expressada na repetição dos gestos, como mandar figurinhas de bom dia, boa tarde e boa noite, religiosamente, todos os dias. E quando eu reclamei dizendo que era uma mensagem genérica, ele passou a escreve meu nome em cada mensagem, em caixa alta, seguido de um apelido, para garantir que cada mensagem é enviada individualmente para quem ele ama e com propósito claro, nos desejar de fato que o amor e cuidado do pai e as bênçãos de Deus nos alcancem.
E por que foi diferente a visita de ontem? Ontem construímos novas memórias, desbloqueamos outras, ele contou histórias de assombração, discutimos política, falamos de amores, encontros e desencontros, mas eu senti, principalmente, que ele veio trazer uma mensagem que eu vinha pedindo a Deus a semana inteira. Mas meu pai não sabia de nada, foi um instrumento na mensagem, exercendo o seu papel de pai, o sublime papel de pai.
E, lógico, que nossas conversas sempre vão para a mesa. Almoçamos juntos, rimos juntos, falamos das dores e ele trouxe afeto. Dessa vez, esse afeto veio em forma de esperança, de ensinamento que só os idosos podem nos oferecer, porque são aqueles de quem de fato viveu e sabem como cada tempo tem o seu próprio tempo.
E quando eu abri a porta para ele ir embora, eu vi um homem que conta o tempo na casa de 7 décadas e meia, de um paredão de aço, que ele sempre foi, dizendo que não precisa ser mais de aço, mesmo sem abrir a boca, mas não se livrou dessa imagem, de um homem que já carrega uma certa fragilidade senil, mas ainda carrega o frescos das almas que vivem livres e felizes.
Acesse o nosso canal no Telegram
Acesse o nosso canal no WhatsApp
Esse doido, que chamo de pai, é orgulhoso da família que construiu, diz que cada filha é diferente da outra, mas parte de um todo, que sem um desses pedaços não seria perfeito como é, que tem orgulho de ver seus netos e netas se formando pessoas íntegras, construindo suas vidas com fé e muita coragem, de um bisavô que nem sabe explicar o tamanho do amor que sente por aquele cisco de gente.
Meu pai sempre amou com intensidade, viveu intensamente e envelhece com muita sabedoria e paz. Um homem de fé, que reconhece que ele pediu para Deus um caderno de coisas, mas que Ele disse: Jetro você não sabe de nada, deixa comigo. E Ele deu tudo o que ele sempre precisou, nada te faltou e nada nunca faltará.
Obrigada por ser meu pai!
Beijo da Linda para vocês. Ótima semana, até domingo que vem.
3 Comentários
Claudinha, perfeita como sempre…
Saudades reais do pai!!! O grande negócio é aproveitar enquanto estão conosco e curtir muito!!! Eles sempre serão nossos heróis, independente do momento!!! Grande texto!!! ♥
Maravilhoso!!