Uma pesquisa realizada no Centro de Pesquisa sobre a Cognição Animal da Universidade de Toulouse, no sudoeste da França, mostrou que as interações sociais reativam neurônios de camundongos que desenvolveram Alzheimer.
O estudo descreveu como os mecanismos cerebrais afetados pelas doenças neurodegenerativas podem ser reativados pelos estímulos ambientais.
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Tema estudado há décadas
A neurocientista francesa Laure Verret, que participou da produção dessa pesquisa, explicou que a influência do meio ambiente na perda cognitiva é um tema que já vem sendo estudado pelos cientistas há décadas, e ainda serve de base para novas linhas de pesquisa.
“Sempre tive em mente uma questão que, para mim, é fundamental: entender o que acontece dentro da cabeça dos camundongos quando estão nesse ambiente rico em interações, e como isso ajuda a combater as doenças neurodegenerativas e manter a capacidade cerebral”, afirma Laure.
Durante a experiência, a cientista francesa buscou detalhar os mecanismos neurobiológicos que eram influenciados pela socialização e que protegem a memória.
Laure explica que pessoas curiosas, ativas fisicamente e com vida social satisfatória tendem a apresentar sintomas de Alzheimer mais tardiamente, mesmo tendo diagnóstico confirmado. Essa capacidade chamada “reserva cognitiva”, é um conceito dos anos 1980 e observada também nos camundongos.
“Em nosso estudo buscamos detectar as modificações no cérebro dos animais que melhoravam seu comportamento, após serem expostos a estímulos. Talvez esses mecanismos sejam idênticos nos humanos que tenham uma vida estimulante o suficiente para prevenir as disfunções cognitivas, relacionados às doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer”, diz a neurocientista francesa.
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A pesquisa
Cerca de 12 camundongos participaram da experiência. Os animais, que nunca tinham se encontrado antes, tinham déficits cognitivos, mas ainda não estavam em um estado avançado da doença de Alzheimer.
Eles foram colocados dentro de uma gaiola durante dez dias, com vários tipo de objetos que eram trocados periodicamente. Em seguida, voltaram para seus espaços individuais no laboratório, onde ficaram por um período de 20 dias.
O objetivo era analisar quanto tempo duravam os efeitos benéficos das interações. E o resultado foi de mudança: os déficits cognitivos desses camundongos tinham desaparecido, quando comparados com outros animais que não tinham tido as mesmas experiências “lúdicas”.
Os camundongos foram capazes de reconhecer, por exemplo, outros animais que haviam participado da experiência. Esse comportamento sugere uma restauração do hipocampo, que é uma estrutura cerebral essencial para a memória e um dos alvos da doença de Alzheimer.
Novos passos no tratamento
Depois da experiência, Laure Verret e sua equipe tentaram responder à uma questão: o que aconteceu no cérebro dos animais?
A análise dos cientistas se concentrou nos chamados neurônios parvalbumina, ou PV, do hipocampo. Esses neurônios, explica Laure, são inibidores – ou seja, controlam a atividade dos outros.
“Eles são extremamente importantes, a tal ponto que são chamados de ‘maestros’ do cérebro. São eles que decidem quando os outros neurônios devem ser ativados ou não.Se falham, como é o caso na doença de Alzheimer, vão desequilibrar toda a atividade cerebral”, diz a neurocientista.
A hipótese dos cientistas franceses era de que, tratar esses neurônios, restabelecendo sua função normal, melhoraria a memória. A boa saúde dos neurônios PV, lembra Laure Verret, também depende das redes perineuronais, moléculas que funcionam como uma rede de proteção das conexões neuronais.
Nesse contexto, para confirmar a relação de causa e efeito entre a ativação dos neurônios e a normalização do comportamento dos animais, cientistas injetaram uma molécula em uma pequena área do hipocampo. Ela impedia a formação das redes perineuronais nos camundongos, durante o período em que foram submetidos ao estímulo ambiental.
Os pesquisadores então perceberam que a memória dos camundongos melhorava nas áreas cerebrais que não estavam sob o efeito da molécula.
Laure e sua equipe também aplicaram uma proteína chamada neuregulina, presente naturalmente no cérebro, no hipocampo dos camundongos com Alzheimer, o que restaurou a atividade neuronal na região e a memória dessa área no cérebro.
“A grande novidade é que esse neurônio pode ser um alvo terapêutico, mesmo sem medicamentos, apenas com estímulos ambientais, sensoriais e sociais”, conclui a neurocientista.
O estudo ainda lança a ideia de novas abordagens terapêuticas em pessoas idosas, com ou sem a doença, que promovem a socialização.









