“Química excelente” ou estratégia diplomática? O que está por trás do gesto de Trump a Lula

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, surpreendeu, nesta terça-feira (23), ao adotar um tom conciliador em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O norte-americano disse que teve umaquímica excelente com o líder brasileiro após um breve encontro entre seus discursos no plenário da organização, em Nova York.

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Segundo Trump, o encontro durou pouco mais de 20 segundos, mas foi marcado por gestos amistosos:

Eu estava entrando no plenário da ONU e o líder do Brasil estava saindo. Eu o vi, ele me viu, e nos abraçamos. Concordamos que nos encontraríamos na semana que vem, declarou.

Trump afirmou que Lula lhe pareceu um homem muito agradávele fez questão de enfatizar a boa impressão:

Ele gostou de mim, eu gostei dele. Só faço negócios com pessoas de quem gosto. Tivemos uma química excelente por uns 39 segundos, e isso é um bom sinal”.

O governo brasileiro confirmou que os dois presidentes terão uma reunião na próxima semana, mas não detalhou se o encontro será presencial ou virtual. Será a primeira conversa direta entre Trump e Lula desde o início da crise diplomática gerada pelo pacote de tarifas comerciais imposto pelos EUA ao Brasil.

A relação entre Washington e Brasília vive tensões desde julho, quando Trump anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, em retaliação ao julgamento e condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos de prisão pelo crime de golpe de Estado, decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

No discurso que abriu a Assembleia Geral, Lula fez menção direta ao caso:

“Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam. Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”, disse, em recado indireto também ao próprio Trump.

Em contrapartida, o presidente norte-americano manteve críticas:

“O Brasil agora enfrenta tarifas pesadas em resposta aos seus esforços sem precedentes para interferir nos direitos e liberdades dos nossos cidadãos americanos e de outros, com censura, repressão, corrupção judicial e perseguição a críticos políticos nos Estados Unidos”.

Analistas: cautela diante do gesto de Trump

O gesto de Trump, que até então havia rejeitado todas as tentativas de aproximação feitas pelo governo brasileiro, causou surpresa. Nos últimos meses, o presidente americano endureceu a relação com Brasília, impondo tarifas de 50% sobre produtos nacionais e aplicando duras sanções a integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), em retaliação ao processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem é aliado político.

Diante desse histórico, especialistas ponderam que ainda é cedo para cravar uma mudança no tom da relação bilateral.

“É um passo importante, mas nada indica que ele será apaziguador com Lula”, afirmou o professor da UFF e pesquisador de Harvard Vitelio Brustolin.

O comentarista da GloboNews, Marcelo Lins, acrescentou que, tratando-se de Trump, “toda cautela é pouca”, já que o presidente norte-americano costuma adotar a política do “morde e assopra”. Nesse sentido, mesmo os elogios e o aparente gesto conciliador não garantem uma inflexão duradoura.

A própria fala final de Trump na ONU reforçou a ambiguidade:

“Como presidente, sempre defenderei nossa soberania nacional e os direitos dos cidadãos americanos. Então, lamento muito dizer isso, que o Brasil está indo mal e continuará indo mal”, disse, deixando no ar a dúvida sobre suas reais intenções.

No geral, as divergências persistiram. Lula e Trump voltaram a marcar posições opostas em temas como imigração, guerra em Gaza, funcionamento da OMC, regulação de plataformas digitais e mudanças climáticas. Enquanto o brasileiro defendeu a soberania e a cooperação multilateral, o americano comparou imigrantes a criminosos, reforçou o negacionismo climático e chegou a relacionar, em tom apocalíptico, a imigração e a energia renovável como forças que estariam destruindo “grande parte do mundo livre”.

Assim, embora tenha havido um gesto de aproximação inédito, os analistas concordam: o encontro marcado entre os dois líderes será decisivo para medir se há espaço para um novo capítulo nas relações ou apenas mais um episódio de retórica contraditória.

Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump - Foto: Reprodução/Redes Sociais
Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump – Foto: Reprodução/Redes Sociais

Esta é a primeira viagem de Lula aos Estados Unidos desde a volta de Trump à Casa Branca, em janeiro de 2024. A reunião marcada para a próxima semana pode redefinir o tom das negociações em meio às tensões comerciais.

Em julho, ao anunciar o tarifaço, Trump chegou a enviar uma carta a Lula justificando as sanções e comparando o processo contra Bolsonaro a uma “caça às bruxas”. Apesar disso, manteve aberta a possibilidade de diálogo:

“Lula pode falar comigo quando quiser”, afirmou na ocasião.

Discurso inflamado de Trump na ONU

Trump falou por mais de uma hora, muito acima dos 15 minutos recomendados pela ONU, e em vários momentos discursou sem teleprompter. Ele exaltou sua gestão e criticou duramente a própria ONU:

“A ONU não só não resolve os problemas que deveria, como também cria novos problemas. Não está nem perto de seu potencial”, declarou.

Entre os pontos do discurso:

  • Reiterou sua política anti-imigração e disse que os EUA vivem uma era de ouro sob seu governo;
  • Voltou a negar o aquecimento global, chamando as previsões climáticas de piada feita por pessoas estúpidas;
  • Criticou países que reconheceram recentemente o Estado da Palestina, afirmando que seria uma recompensa ao Hamas;
  • Alegou ter encerrado sete guerras sem ajuda da ONU, incluindo conflitos no Oriente Médio e na Ásia;
  • Atacou a China, acusando-a novamente de ser responsável pela criação do coronavírus;
  • Criticou a Rússia e disse que tentará convencer líderes europeus a adotar um boicote energético contra Moscou.

O único momento em que foi aplaudido foi quando pediu um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.

O que esperar da reunião?

Fontes diplomáticas avaliam que o encontro entre Lula e Trump terá peso estratégico. O Brasil busca reduzir os impactos do tarifaço sobre sua economia, enquanto os EUA tentam manter influência na América Latina em meio à crescente aproximação do Brasil com China e União Europeia.

Ainda assim, a postura do Planalto é de cautela, diante da imprevisibilidade de Trump. A reunião pode abrir espaço para diálogo, mas também expõe os dois presidentes a uma relação marcada por interesses divergentes e discursos inflamados.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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