A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) conclui, nesta quinta-feira (11), o julgamento da chamada “trama golpista” e decidiu, por maioria, condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e 3 meses de prisão. A decisão representa um dos capítulos mais significativos da história recente do Judiciário brasileiro, ao reconhecer que houve a formação de uma rede de autoridades civis e militares com o objetivo de subverter a ordem democrática e impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, no início de 2023.
LEIA TAMBÉM: Primeira Turma do STF forma maioria para condenar Bolsonaro e outros réus da Trama Golpista
Por 4 votos a 1, os ministros entenderam que Bolsonaro cometeu os cinco crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR): organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A sessão que selou a condenação foi marcada pelo voto do presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, que acompanhou os posicionamentos já apresentados pelos ministros Alexandre de Moraes (relator), Flávio Dino e Cármen Lúcia. O ministro Luiz Fux foi o único a divergir em parte substancial do julgamento, entendendo que as provas não eram suficientes para condenar Bolsonaro em todos os pontos.
Condenações além do ex-presidente
Com a conclusão da análise das condutas, a Primeira Turma também condenou outros integrantes do núcleo político e militar acusado pela PGR de articular os atos golpistas. Foram considerados culpados:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Placar e divergências
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e delator da trama;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022.

O resultado expôs a gravidade do entendimento do Supremo: os atos não foram episódios isolados, mas parte de uma estrutura organizada para tentar desestabilizar a democracia e prolongar um governo já derrotado nas urnas.
O julgamento, no entanto, não foi unânime em todos os aspectos. Como o ministro Luiz Fux divergiu em relação a parte das acusações, diferentes réus tiveram condenações por placares variados.
Para condenar Bolsonaro, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira pelos cinco crimes — organização criminosa, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado —, o placar foi de 4 votos a 1.
Placar e divergências
No caso de Alexandre Ramagem, a maioria também votou pela condenação em três crimes (organização criminosa, golpe de Estado e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito). Porém, o julgamento sobre dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado foi suspenso.
Para Mauro Cid e Braga Netto, a condenação por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito foi unânime (5 a 0). Em relação aos outros crimes, o placar foi de 4 a 1, com Fux votando pela absolvição parcial.
Apesar das divergências, formou-se uma ampla maioria em torno da tese de que houve a construção deliberada de um plano de ruptura democrática, com ações que culminaram nos ataques de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram depredadas em Brasília.
Zanin: organização criminosa armada
No voto que consolidou a condenação, o ministro Cristiano Zanin reforçou a conclusão de que houve a criação de uma organização criminosa armada, formada pelos acusados, com a finalidade de atacar as instituições democráticas.
Segundo ele, os autos do processo mostram que os denunciados atuaram de forma coordenada e utilizaram estruturas oficiais de governo, cargos de confiança e recursos do Estado para dar aparência de legitimidade a um projeto que, em essência, era voltado à ruptura da ordem constitucional.
Zanin também destacou que o uso das Forças Armadas e de organismos de inteligência nesse contexto não foi acidental, mas parte de uma estratégia para intimidar e deslegitimar os resultados eleitorais.

Prisão imediata?
Apesar da condenação, a decisão não implica em prisão imediata dos réus. Ainda será necessário que o STF defina a dosimetria das penas, isto é, a quantidade exata de anos que cada condenado cumprirá, levando em conta agravantes e a participação individual em cada crime.
Após essa etapa, ainda caberão recursos — chamados embargos — que poderão ser analisados pelo próprio STF. Somente depois do trânsito em julgado, quando não houver mais possibilidade de contestação, é que as penas passarão a ser executadas.
Atualmente, porém, Bolsonaro já está preso preventivamente, por desobedecer medidas cautelares impostas por Moraes durante o processo. Já o ex-ministro Braga Netto cumpre prisão preventiva por suspeita de obstrução da Justiça.
Confira “Filhos do Silêncio” de Andrea dos Santos
Possíveis penas
De acordo com a legislação penal, as penas previstas para os crimes são:
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: de 4 a 8 anos;
- Tentativa de golpe de Estado: de 4 a 12 anos;
- Organização criminosa armada: de 3 a 8 anos (podendo chegar a 17 anos com agravantes);
- Dano qualificado: de 6 meses a 3 anos;
- Deterioração de patrimônio tombado: de 1 a 3 anos.
Na prática, se um réu for condenado ao máximo em cada uma das acusações, poderá alcançar 43 anos de prisão. Foi justamente sobre esse cálculo que Moraes e Dino chamaram atenção, lembrando que a tentativa de golpe envolveu múltiplos crimes praticados de forma conjunta, não isolada.
Contexto da denúncia
A PGR sustentou que, entre 2021 e 2023, o núcleo formado por Bolsonaro e seus aliados mais próximos articulou um plano que incluía lives questionando urnas eletrônicas, reuniões com militares, elaboração de minutas de decretos inconstitucionais e incentivo a manifestações violentas.
Essas ações, segundo a acusação, convergiram para os atos de 8 de janeiro, quando manifestantes invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Para os ministros que formaram a maioria, tais provas foram mais do que suficientes para demonstrar a intenção deliberada de romper com a normalidade democrática.
Importância histórica da decisão
A condenação de um ex-presidente da República por crimes contra a democracia é um fato inédito na história brasileira. Até então, embora o país tivesse registrado episódios como a Noite da Agonia, a deposição de Pedro II, o golpe de 1937 de Vargas e o golpe militar de 1964, nunca um chefe de Estado havia sido julgado e condenado pelo Supremo por tentar abolir a ordem constitucional e instaurar um regime de exceção.
Ministros lembraram que o julgamento tem papel pedagógico, pois sinaliza que a tentativa de corroer as instituições democráticas não ficará impune. Para Moraes, a gravidade está no fato de que os ataques não partiram apenas de militantes radicais, mas de autoridades investidas nos mais altos cargos da República.
A decisão representa um marco: pela primeira vez, um ex-presidente foi considerado culpado por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Enquanto isso, a expectativa da comunidade jurídica e política é de que o caso sirva como divisor de águas na relação entre democracia e autoritarismo no Brasil. O Supremo, ao fixar a responsabilidade de Bolsonaro e de seus aliados, reforça a mensagem de que a Constituição de 1988 não é apenas um texto formal, mas um pacto vivo que deve ser protegido contra qualquer tentativa de ruptura.