Dia 5 do julgamento: STF condena Bolsonaro a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado

O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou um momento histórico ao condenar, pela primeira vez no Brasil, um ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Jair Bolsonaro foi considerado culpado por cinco crimes — tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado — e cumprirá 27 anos e 3 meses de prisão, inicialmente em regime fechado, conforme decisão da Primeira Turma nesta quinta-feira (11), no quinto e último dia do julgamento.

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Além do ex-presidente, outros seis réus do núcleo central também foram condenados, com penas que variam de 16 anos a 26 anos e seis meses de prisão. O ex-ajudante de ordens Mauro Cid, beneficiado pela delação premiada, recebeu 2 anos em regime aberto. Após o cumprimento da pena, todos os condenados ficarão inelegíveis por 8 anos, em cumprimento à Lei da Ficha Limpa.

O placar final foi de 4 a 1, com votos favoráveis da ministra Cármen Lúcia e dos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Flávio Dino. O presidente do STF, Luiz Fux, divergiu ao absolver Bolsonaro e outros cinco réus de todos os crimes, condenando apenas Mauro Cid e Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, pelo crime de abolição do Estado Democrático de Direito, ponto que teve unanimidade.

Condenações individuais e penas

Jair Messias Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro em interrogatório no STF - Foto: Antonio Augusto/STF
O ex-presidente Jair Bolsonaro em interrogatório no STF – Foto: Antonio Augusto/STF
CrimePena aplicadaObservações
Tentativa de golpe de Estado10 anosConsiderado líder da organização criminosa
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito7 anosUso de influência política e institucional
Organização criminosa5 anosLíder do grupo, planejamento das ações
Dano qualificado3 anos e 6 mesesDanos a patrimônio público e tombado
Deterioração de patrimônio tombado1 ano e 9 mesesCrimes durante manifestações de 8 de janeiro
Pena total27 anos e 3 mesesInicialmente em regime fechado; 124 dias-multa; inelegível por 8 anos; possível indignidade militar

Walter Souza Braga Netto

O general Walter Braga Netto - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O general Walter Braga Netto – Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
CrimePena aplicadaObservações
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito8 anosInfluência hierárquica sobre outros réus
Organização criminosa7 anosCoordenação em ações de ataque às instituições
Dano qualificado6 anosDanos durante atos de 8 de janeiro
Deterioração de patrimônio tombado5 anos e 6 mesesParticipação direta em atos contra patrimônio
Pena total26 anos e 6 mesesInicialmente em regime fechado; 100 dias-multa; inelegível por 8 anos

Anderson Torres de Oliveira

Anderson Torres, ex-ministro da Justiça - Foto: Ton Molina/STF
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça – Foto: Ton Molina/STF
CrimePena aplicadaObservações
Participação em organização criminosa9 anosAções coordenadas para garantir permanência de Bolsonaro
Tentativa de golpe de Estado8 anosParticipação em planejamento e execução
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito7 anosUso do cargo para influenciar órgãos de segurança
Dano qualificadoConectado à participação em crimes anteriores
Deterioração de patrimônio tombadoConectado à participação em crimes anteriores
Pena total24 anosInicialmente em regime fechado; 100 dias-multa; inelegível por 8 anos

Almir Garnier Santos

Ex-comandante da Marinha, almirante da reserva Almir Garnier Santos - Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Ex-comandante da Marinha, almirante da reserva Almir Garnier Santos – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
CrimePena aplicadaObservações
Participação em organização criminosa9 anosCoordenação junto a militares e outros réus
Tentativa de golpe de Estado7 anosInfluência em atos de 8 de janeiro
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito5 anosAtuação com superiores e subordinados
Dano qualificado3 anosDanos indiretos aos órgãos públicos
Deterioração de patrimônio tombadoConectado à participação em crimes anteriores
Pena total24 anosInicialmente em regime fechado; 100 dias-multa; inelegível por 8 anos; possível indignidade militar

Augusto Heleno Ribeiro Pereira

O ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Augusto Heleno Ribeiro Pereira - Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
O ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Augusto Heleno Ribeiro Pereira – Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
CrimePena aplicadaObservações
Participação em organização criminosa8 anosPapel militar de coordenação e influência
Tentativa de golpe de Estado6 anosPlanejamento junto a outros réus
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito5 anosAtuação em apoio à permanência do poder
Dano qualificado2 anosDanos indiretos aos órgãos públicos
Deterioração de patrimônio tombadoConectado à participação em crimes anteriores
Pena total21 anosInicialmente em regime fechado; 84 dias-multa; atenuante da idade; inelegível por 8 anos; possível indignidade militar

Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira

General do exército, ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira - Foto: TRT/RR/AM
General do exército, ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira – Foto: TRT/RR/AM
CrimePena aplicadaObservações
Participação em organização criminosa7 anosCoordenação militar em apoio ao grupo
Tentativa de golpe de Estado6 anosAtuação junto a outros órgãos e ministros
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito4 anosInfluência sobre subordinados e órgãos de segurança
Dano qualificado2 anosDanos indiretos aos Três Poderes
Deterioração de patrimônio tombadoConectado à participação em crimes anteriores
Pena total19 anosInicialmente em regime fechado; 84 dias-multa; inelegível por 8 anos; possível indignidade militar

Alexandre Ramagem Rodrigues

O deputado federal, e ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem (PL-RJ) - Foto: Marcos Oliveira 26.jun.2019/Agência Senado
O deputado federal, e ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem (PL-RJ) – Foto: Marcos Oliveira 26.jun.2019/Agência Senado
CrimePena aplicadaObservações
Participação em organização criminosa6 anosAções coordenadas em Abin
Tentativa de golpe de Estado5 anosPapel administrativo e planejamento
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito4 anosInfluência como diretor e deputado
Dano qualificado1 ano e 6 mesesConectado às atividades da organização
Deterioração de patrimônio tombadoConectado à participação em crimes anteriores
Pena total16 anos, 1 mês e 15 diasInicialmente em regime fechado; 84 dias-multa; perda de mandato; inelegível por 8 anos

Mauro Cesar Barbosa Cid

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, durante depoimento em CPI do Distrito Federal - Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, durante depoimento em CPI do Distrito Federal – Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
CrimePena aplicadaObservações
Participação em organização criminosa2 anosBeneficiado pela delação premiada; regime aberto
Pena total2 anosRegime aberto; não sofre indignidade militar; pena reduzida devido à colaboração

Dosimetria da pena: como os ministros calcularam as condenações

No julgamento, a dosimetria da pena foi um dos pontos centrais. Os ministros do STF aplicaram os critérios previstos no Código Penal, avaliando individualmente cada réu e cada crime, considerando fatores como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do réu, motivos, circunstâncias, consequências e comportamento durante o processo.

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O relator Alexandre de Moraes explicou que o cálculo da pena seguiu três fases tradicionais:

  1. Fixação da pena-base: os ministros definiram inicialmente uma pena para cada crime de forma isolada, levando em conta a gravidade do ato, o papel do réu e a repercussão dos crimes. No caso de Bolsonaro, a pena-base foi elevada porque ele foi considerado líder da organização criminosa e responsável por coordenar ações contra o Estado Democrático de Direito.
  2. Circunstâncias judiciais: nesta fase, os magistrados aplicaram agravantes e atenuantes. Por exemplo, Bolsonaro e Augusto Heleno tiveram atenuação de pena por idade, enquanto outros réus sofreram agravantes por abuso de poder, posição hierárquica ou influência na articulação dos atos. Moraes ressaltou: “A liderança e o papel de comando na organização exigem maior rigor na fixação da pena. O fato de alguns réus terem posição hierárquica e controle sobre outros participantes é elemento central.”
  3. Cálculo das penas cumulativas e conversão em regime inicial: após definir as penas de cada crime, os ministros somaram os períodos, considerando a conexão entre os delitos e a participação de cada réu. A Primeira Turma decidiu que todas as penas seriam cumpridas inicialmente em regime fechado, exceto a de Mauro Cid, que teve 2 anos em regime aberto pela delação premiada.
Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) durante julgamento da 'Trama Golpista' - Foto: Fellipe Sampaio/STF I Rosinei Coutinho/STF I Gustavo Moreno/STF I Ton Molina/STF I Antoni Augusto/STF
Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) durante julgamento da ‘Trama Golpista’ – Foto: Fellipe Sampaio/STF I Rosinei Coutinho/STF I Gustavo Moreno/STF I Ton Molina/STF I Antoni Augusto/STF

Durante a apresentação das decisões, a ministra Cármen Lúcia detalhou que a dosimetria também levou em conta:

  • Provas documentais e vídeos mostrando a atuação de Bolsonaro como líder;
  • Danos causados aos Três Poderes e à democracia;
  • Planejamento e execução coordenada das ações, inclusive usando órgãos do governo, como GSI, Abin e Polícia Federal.

Cristiano Zanin reforçou que os cálculos não foram arbitrários, mas baseados em evidências de planejamento e execução dos crimes, mostrando que a organização tinha estrutura estável, duração superior a um ano e objetivos claros de manutenção de poder.

“Não se trata de estimativa genérica. Cada elemento do cálculo foi fundamentado em provas e na posição de cada réu. A pena reflete a gravidade e a liderança de Bolsonaro no conjunto de crimes.”

Além disso, os ministros explicaram que a dosimetria resultou na aplicação de multas, em dias-multa equivalentes a salários mínimos, variando conforme o crime e a capacidade econômica de cada réu. Bolsonaro, por exemplo, teve 124 dias-multa, enquanto outros réus receberam entre 84 e 100 dias-multa.

Por fim, a dosimetria também definiu sanções complementares: perda de mandatos e cargos, inelegibilidade de 8 anos e possível declaração de indignidade militar para oficiais, garantindo que as consequências fossem abrangentes e proporcionais aos crimes cometidos.

Reús acusados de serem núcleo crucial da trama golpista - Foto: Fellipe Sampaio/STF | Câmara dos Deputados | Valter Campanato/Agência Brasil | Marcelo Camargo/Agência Brasil | Ton Molina/STF | Agência Brasil | Bruno Spada/Câmara dos Deputados | Marcelo Camargo/Agência Brasil
Reús acusados de serem núcleo crucial da trama golpista – Foto: Fellipe Sampaio/STF | Câmara dos Deputados | Valter Campanato/Agência Brasil | Marcelo Camargo/Agência Brasil | Ton Molina/STF | Agência Brasil | Bruno Spada/Câmara dos Deputados | Marcelo Camargo/Agência Brasil

Condenação histórica e liderança na organização criminosa

O julgamento representou um marco sem precedentes na história do Brasil, pois pela primeira vez um ex-presidente foi condenado por tentativa de golpe de Estado. A Primeira Turma do STF reconheceu que Jair Bolsonaro liderou uma organização criminosa estruturada e planejada para atacar a democracia, utilizando sua posição e influência política para coordenar atos que buscavam manter-se no poder à revelia do resultado eleitoral.

A ministra Cármen Lúcia, ao proferir seu voto, afirmou de forma categórica que Bolsonaro “praticou os crimes imputados a ele na condição de líder da organização criminosa” e reforçou que há “prova cabal” da existência de uma estrutura organizada, com planejamento e execução coordenados. Ela destacou:

“Ele é o causador, ele é o líder de uma organização que promovia todas as formas de articulação alinhada para que se chegasse ao objetivo da manutenção ou tomada do poder. Então, eu tenho para mim que há um acervo enorme de provas a indicar os planos de tomada do poder pela ruptura institucional ou pela permanência forçada, o que não ficou no mundo das ideias, nem de registros particulares.”

Para Cármen Lúcia, a importância da condenação transcende o caso individual, pois trata-se de proteção das instituições e da democracia brasileira. Ela sublinhou que o ataque às instituições não foi espontâneo ou isolado, mas um conjunto de ações planejadas envolvendo órgãos de Estado, militares e ex-auxiliares, com uso de poder público e recursos estatais:

“Não houve um pensamento isolado. Houve um propósito deliberado e sistemático de instrumentalização de instituições de Estado para fins de erosão democrática.”

Ministra Cármen Lúcia - Foto: Rosinei Coutinho/STF
Ministra Cármen Lúcia – Foto: Rosinei Coutinho/STF

O ministro Cristiano Zanin, responsável por parte da acusação e análise do caso, reforçou a liderança de Bolsonaro na organização:

“O objetivo central tinha o objetivo de assegurar a permanência no poder de Jair Messias Bolsonaro. Organização estável foi constituída com duração superior a um ano, cujo planejamento descrito em inúmeros documentos apreendidos previa ações coordenadas voltadas para a permanência — à revelia do processo eleitoral, pois, da vontade popular — no poder de Jair Messias Bolsonaro.”

Zanin destacou que a organização criminosa tinha estrutura hierárquica clara, com divisão de funções entre militares, ex-ministros e aliados políticos, todos atuando em sinergia para alcançar o objetivo de subverter o resultado das eleições de 2022. Segundo ele, a liderança de Bolsonaro foi determinante, pois ele coordenou ações, delegou tarefas e deu ordens diretas a manifestantes e agentes públicos:

“A prova demonstra que Bolsonaro não era um mero participante, mas sim líder, articulador, responsável pela coesão e execução do grupo.”

O relator, Alexandre de Moraes, reforçou que os fatos de 8 de janeiro de 2023 não se tratavam de simples protestos ou atos isolados:

“Não foram baderneiros descoordenados. Não se pode confundir ataques às instituições com liberdade de expressão. O que se viu foi um esforço articulado e persistente para interferir na ordem democrática, utilizando órgãos estatais e instituições como instrumentos para a ruptura institucional.”

Moraes destacou ainda que a estrutura da organização criminosa se valeu da milícia digital, propagando informações falsas, ameaças e ataques às instituições e ao sistema eleitoral, reforçando a intenção de desestabilizar o Estado Democrático de Direito:

“Houve instrumentalização de pessoas, órgãos e estruturas estatais para alcançar fins antidemocráticos, planejados e executados com frieza.”

Para Cármen Lúcia e Moraes, a condenação de Bolsonaro também estabelece precedente jurídico sobre a responsabilização de autoridades máximas por crimes contra a democracia, deixando claro que nenhum cargo público ou posição política confere imunidade diante de crimes dessa natureza.

O julgamento evidenciou que a liderança de Bolsonaro na organização criminosa foi ativa, contínua e decisiva, e que o grupo buscava sequestrar o funcionamento das instituições, utilizando mecanismos legais, propaganda digital, mobilização de manifestantes e influência política para coagir órgãos de Estado e interferir na eleição presidencial.

“O que se decidiu aqui não é apenas sobre os fatos de janeiro de 2023, mas sobre o futuro da democracia brasileira. Não se pode admitir que ataques sistemáticos às instituições sejam tratados como liberdade de expressão”, concluiu Cármen Lúcia.

Não foi ‘domingo no parque’ nem ‘passeio na Disney’

O relator Alexandre de Moraes enfatizou durante seu voto que os ataques de 8 de janeiro de 2023 não foram atos isolados, descoordenados ou espontâneos. Segundo ele, se tratou de uma ação planejada, organizada e com clara intenção de violar o Estado Democrático de Direito.

“Não foram baderneiros descoordenados. Não se pode confundir ataques às instituições com liberdade de expressão”, afirmou Moraes, lembrando que os atos envolveram uma estrutura organizada com participação de órgãos do governo e militares.

O relator destacou que órgãos como o GSI, Abin, Ministério da Justiça, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal foram instrumentalizados para promover os ataques, e que as ações não se limitaram a manifestações espontâneas ou atos de vandalismo:

“Não se tratou de domingo no parque, nem de um passeio na Disney. Aqui houve ações coordenadas, com planejamento estratégico, visando coagir ministros, interferir em investigações e pressionar instituições do Estado.”

O ministro Alexandre de Moraes durante o julgamento de Bolsonaro por golpe de Estado - Foto: Adriano Machado/STF
O ministro Alexandre de Moraes durante o julgamento de Bolsonaro por golpe de Estado – Foto: Adriano Machado/STF

Para Moraes, o episódio do 8 de janeiro não pode ser entendido como uma simples mobilização popular ou protesto legítimo. Ele citou vídeos e documentos obtidos durante as investigações, que mostram Bolsonaro dando ordens diretas a manifestantes, incentivando a invasão de prédios públicos e proferindo ataques contra ministros do STF:

“Os vídeos exibidos nos autos demonstram que houve incitação explícita contra o Poder Judiciário, com orientações detalhadas para impedir a normalidade das instituições democráticas.”

O relator ainda explicou que os crimes cometidos não foram isolados e que cada ato fazia parte de um plano maior de ruptura institucional. Ele lembrou que o grupo tinha conhecimento das consequências de suas ações e que a intenção era clara: assegurar a permanência de Bolsonaro no poder à revelia do resultado eleitoral.

Durante o voto, Moraes também abordou o impacto dos atos de 8 de janeiro sobre os Três Poderes:

“Os danos não foram apenas materiais ou simbólicos. O que se pretendeu foi minar a confiança da população nas instituições, interferir em processos eleitorais e inviabilizar a posse legítima do presidente eleito.”

Em um aparte, Moraes rebateu diretamente argumentos do ministro Fux, que divergiu sobre a existência de organização criminosa, reforçando que os atos não eram espontâneos:

Moraes e Cármen Lúcia fizeram dobradinha durante voto da ministra - Foto: Gustavo Moreno/STF
Moraes e Cármen Lúcia fizeram dobradinha durante voto da ministra – Foto: Gustavo Moreno/STF

“Não se pode reduzir esse episódio a manifestações isoladas. É evidente que houve planejamento, articulação e direção central. A organização criminosa é prova incontestável de que não se tratou de um ato casual.”

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O ministro também destacou a gravidade da incitação política:

“Não se trata de liberdade de expressão. Se um prefeito de cidade do interior insuflar o povo contra um juiz, dizendo que não cumprirá suas decisões, qual mensagem isso deixaria para o Poder Judiciário? A impunidade não pode ser um instrumento de ameaça às instituições.”

Por fim, Moraes lembrou que o conjunto de ações combinadas — envolvendo instituições, servidores e agentes públicos — mostra a existência de um plano deliberado e que Bolsonaro, como líder do grupo, era diretamente responsável pelo comando e organização das ações:

“Cada ato, cada ordem, cada orientação verbal ou escrita faz parte de um processo coordenado para subverter a ordem constitucional. Não há como separar os fatos, nem confundir liberdade de expressão com tentativa de golpe.”

Apartes e intervenções de Flávio Dino

O ministro Flávio Dino teve participação destacada ao longo do 5º dia do julgamento, com apartes frequentes que alternaram entre observações jurídicas, críticas políticas e momentos de leveza. Dino interveio especialmente durante os votos da ministra Cármen Lúcia e do relator Alexandre de Moraes, contribuindo para reforçar a compreensão sobre a gravidade dos fatos e a necessidade de responsabilização.

Em um dos momentos iniciais, ao comentar uma citação do escritor francês Victor Hugo feita por Cármen Lúcia — sobre o golpe de Napoleão III —, Dino solicitou licença para se manifestar. A ministra, de forma bem-humorada, respondeu:

“Desde que rápido. Nós mulheres ficamos dois mil anos caladas, queremos ter o direito de falar. Mas eu o concedo.”

Dino então fez uma reflexão sobre a importância da literatura e da história como alerta contra o autoritarismo, elogiando a ministra pelo uso de referências culturais para contextualizar o julgamento. O momento arrancou risos e aplausos discretos no plenário.

O ministro Flávio Dino durante sessão no plenário do STF - Foto: Rosinei Coutinho/STF
O ministro Flávio Dino durante sessão no plenário do STF – Foto: Rosinei Coutinho/STF

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Mais tarde, Dino trouxe à tona comparações entre voto impresso e eletrônico, aproveitando para fazer apartes sobre a confiabilidade do sistema eleitoral, de forma descontraída:

“Se existe voto eletrônico, não há necessidade de voto em papel.”

A ministra respondeu:

“Eu gosto de papel, gosto muito de escrever, gosto de caneta.”

Dino, em tom brincalhão, completou:

“Nós dois somos analógicos, embora a senhora seja mais jovem.”

Cármen Lúcia encerrou a troca com humor:

“Claro, se fosse o contrário”, provocando mais risadas no plenário.

Durante a análise dos vídeos e documentos que mostravam Bolsonaro incitando manifestantes, Dino também fez apartes mais incisivos, ressaltando a necessidade de responsabilização:

“Não podemos tratar o que ocorreu como simples protesto. Estamos diante de uma tentativa coordenada de atacar instituições, e os atos de hoje definem um precedente para toda a democracia brasileira.”

Em outro momento, ao ser chamado pelo relator Alexandre de Moraes para comentar aspectos do modus operandi da organização criminosa, Dino reforçou que os ataques de 8 de janeiro não foram isolados, destacando o uso de órgãos públicos e militares para promover a ruptura institucional:

“Não se trata apenas de atos de vandalismo ou manifestações descoordenadas. Estamos falando de planejamento, hierarquia e comando — um esforço organizado para manter no poder quem não foi legitimamente eleito.”

Dino também interveio de forma didática, explicando à plateia e aos colegas ministros sobre o efeito das ações criminosas nos Três Poderes:

“O dano causado não é apenas físico, mas simbólico e institucional. Cada ataque às sedes, cada incitação a descumprir ordens judiciais, cada pressão sobre órgãos independentes enfraquece a democracia como um todo.”

Mesmo em meio a análises jurídicas e críticas severas, o ministro manteve momento de leveza com Cármen Lúcia, questionando de maneira humorada a preferência por votos impressos versus eletrônicos, e destacou a importância do diálogo respeitoso entre ministros para a legitimidade do julgamento.

Dessa forma, as intervenções de Dino foram marcantes, equilibrando rigor jurídico, clareza na exposição da gravidade dos crimes e momentos de descontração, que ajudaram a tornar o debate acessível e humano para o público presente e para observadores externos.

Cármen Lúcia defende urnas e afirma que STF não julga instituições

A ministra Cármen Lúcia dedicou uma parte significativa de seu voto a esclarecer o papel do Supremo e a importância do sistema eleitoral brasileiro, especialmente das urnas eletrônicas. Segundo ela, os ataques promovidos em 8 de janeiro de 2023 não foram espontâneos ou isolados, mas parte de uma empreitada criminosa cuidadosamente planejada:

“A prova nos autos demonstra que os réus organizaram uma estrutura complexa, utilizando o modus operandi da chamada milícia digital, para propagar ataques ao Judiciário, ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas.”

Cármen enfatizou que as urnas eletrônicas representam um patrimônio público essencial, protegido por lei e pelo princípio democrático, e que os atos dos réus tentaram deslegitimar e enfraquecer essas instituições:

“A urna eletrônica tem um peso enorme, é um bem do povo brasileiro. Atacar esse patrimônio é atacar a própria democracia.”

A ministra também criticou a narrativa de que o STF estaria “julgando instituições”, esclarecendo que o tribunal não julga órgãos, mas atos de pessoas que tentam subverter o funcionamento legítimo dessas instituições:

“Não se trata de julgar instituições, mas sim de julgar os atos de indivíduos que se valeram da instrumentalização de órgãos do Estado para atingir finalidades ilegítimas e erosivas da democracia.”

Ela ainda reforçou que os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado são distintos, e que a confusão entre eles — levantada por Fux em seu voto — não procede:

“São tipos penais distintos e foram cometidos de maneira articulada, planejada e com objetivo claro de desestabilizar o Estado Democrático de Direito.”

Ministra Cármen Lúcia do STF - Foto: Antonio Augusto/STF
Ministra Cármen Lúcia do STF – Foto: Antonio Augusto/STF

Cármen Lúcia também contextualizou historicamente a importância da defesa das urnas e do processo eleitoral, lembrando que o ataque às instituições brasileiras não ocorreu em um vácuo:

“A história demonstra que toda vez que se tenta corroer o sistema eleitoral, a própria sociedade e o Estado de Direito são colocados em risco. O que vemos aqui é a tentativa de um grupo de se apropriar de um processo legítimo para fins pessoais.”

Ela destacou a instrumentalização das instituições de Estado, citando órgãos como GSI, Abin e Polícia Federal, que, segundo ela, foram utilizados indevidamente pelos réus:

“Os réus se valeram de instituições legítimas para promover, provocar e pressionar, buscando desviar a finalidade de órgãos públicos para um propósito de erosão democrática.”

Ao longo de seu voto, Cármen reforçou que a decisão do STF não é uma avaliação política, mas jurídica, baseada em provas e no cumprimento das leis que garantem o Estado Democrático de Direito. Para ela, o julgamento protege a democracia, e não julga a democracia em si:

“O que estamos julgando são pessoas e atos, não instituições. Defender o sistema eleitoral é defender a Constituição e os direitos de cada cidadão brasileiro.”

Além disso, a ministra rejeitou qualquer alegação de cerceamento de defesa, afirmando que a tramitação processual foi ampla e transparente:

“Os réus tiveram ampla oportunidade de defesa, acesso a documentos e participação de advogados. Não houve cerceamento, e todas as decisões foram fundamentadas nos autos.”

Rejeição de preliminares e transparência do julgamento

Durante o quinto dia de julgamento, a ministra Cármen Lúcia e o ministro Cristiano Zanin foram enfáticos ao rejeitar todas as preliminares apresentadas pelas defesas, reafirmando a competência do STF e da Primeira Turma para julgar Bolsonaro e os demais réus. Entre as alegações das defesas estavam suspeição, parcialidade, cerceamento de defesa, nulidade de provas e questionamentos sobre a delação premiada de Mauro Cid.

Cármen Lúcia destacou que sua trajetória no tribunal sempre foi coerente e firme, e que não havia novidade nos argumentos:

“Sempre votei do mesmo jeito. Sempre entendi que a competência é do Supremo Tribunal Federal. Não há nada de novo para mim.”

Sobre o cerceamento de defesa, que envolvia o acesso a documentos massivos e complexos anexados ao processo, a ministra afirmou:

“Não houve comprovação de prejuízo por parte dos advogados. A defesa teve tempo suficiente para analisar os documentos e apresentar suas alegações.”

Ela também rejeitou a nulidade da colaboração de Mauro Cid, considerando-a válida e legalmente aceita no processo.

Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF - Foto: Antonio Augusto/STF
Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do STF – Foto: Antonio Augusto/STF

O ministro Cristiano Zanin reforçou que as preliminares da defesa não tinham fundamento jurídico sólido, especialmente a alegação de parcialidade ou suspeição contra Moraes, e lembrou que a competência da Primeira Turma para julgar o caso está claramente definida pelo regimento e pela Constituição:

“Não há vício na condução do processo. O STF é plenamente competente para julgar o ex-presidente e seus aliados, e a Primeira Turma atua dentro de suas atribuições legais.”

Zanin também destacou que as alegações de cerceamento de defesa não se sustentam, uma vez que 59 advogados estavam habilitados nos autos, e todos tiveram acesso aos documentos relevantes. Ele frisou:

“Sabe quantos documentos pertinentes foram juntados pelos advogados? Nenhum. Não houve nenhum cerceamento de defesa.”

O relator, Alexandre de Moraes, fez vários apartes durante essa discussão, ressaltando que os advogados tiveram amplo acesso a todas as provas e que não havia nenhum impedimento que pudesse comprometer a lisura do julgamento. Ele reforçou a importância de distinção entre volume de documentos e cerceamento real de defesa, destacando que as defesas poderiam apresentar todos os argumentos pertinentes dentro do prazo legal:

“O excesso de documentação não significa cerceamento. Todos os advogados tiveram tempo hábil para analisar o material e se manifestar.”

Ministros Alexandre de Moraes e Carmen Lucia - Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
Ministros Alexandre de Moraes e Carmen Lucia – Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

Além disso, Moraes comentou a questão da suspeição, lembrando que os atos do relator e da Primeira Turma foram públicos, documentados e fundamentados, sem qualquer indício de parcialidade:

“Não há elementos para justificar suspeição ou afastamento da Primeira Turma. Cada decisão foi fundamentada, transparente e acessível a todas as partes.”

A rejeição das preliminares também se estendeu a questões formais, como o tempo de acesso aos autos e a alegação de nulidade de provas digitais, incluindo os documentos e vídeos relacionados aos atos de 8 de janeiro. Tanto Cármen Lúcia quanto Zanin concordaram que os advogados tiveram tempo suficiente e meios adequados para exercer plenamente a defesa.

No final, a postura dos ministros evidenciou a transparência e rigor técnico do julgamento, deixando claro que nenhuma alegação de parcialidade, cerceamento ou irregularidade processual poderia interferir na decisão final, reforçando a confiança no processo judicial e na atuação do STF:

“A defesa teve acesso amplo, todos os atos foram públicos, e cada decisão foi devidamente fundamentada. A transparência do julgamento é inquestionável”, afirmou Cármen Lúcia.

Votos de cada ministro e placar por réu

RéuVoto de MoraesVoto de DinoVoto de Cármen LúciaVoto de Cristiano ZaninVoto de FuxPlacar Final
Jair BolsonaroCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoAbsolvição4×1 pela condenação
Mauro CidCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenação5×0 pela condenação
Walter Braga NettoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenação5×0 pela condenação
Anderson TorresCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoAbsolvição4×1 pela condenação
Almir GarnierCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoAbsolvição4×1 pela condenação
Paulo Sérgio NogueiraCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoAbsolvição4×1 pela condenação
Augusto HelenoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoAbsolvição4×1 pela condenação
Alexandre RamagemCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoCondenaçãoAbsolvição4×1 pela condenação

Inelegibilidade e consequências políticas para Bolsonaro

Bolsonaro durante manifestação na Av. Paulista - Foto: Reprodução/Redes Sociais
Bolsonaro durante manifestação na Av. Paulista – Foto: Reprodução/Redes Sociais

Após a condenação no STF, Jair Bolsonaro ficará inelegível por 8 anos, conforme prevê a Lei da Ficha Limpa. A medida impede que o ex-presidente concorra a cargos públicos durante esse período, mesmo após cumprir a pena de prisão.

Além da inelegibilidade, o STF determinou que outros réus também perderão direitos políticos e que alguns, como Bolsonaro, Heleno, Paulo Sérgio e Garnier, poderão ter a declaração de indignidade militar, a ser analisada pelo Superior Tribunal Militar após o trânsito em julgado.

Especialistas apontam que a inelegibilidade representa um impacto significativo no cenário político brasileiro, limitando a atuação do ex-presidente e de aliados próximos no período eleitoral, e reforçando a necessidade de cumprimento das sanções legais e da manutenção do Estado Democrático de Direito.

Barroso destaca julgamento como marco histórico e reforço à democracia

Ao final do julgamento da Ação Penal (AP) 2668, que condenou Jair Bolsonaro e sete ex-integrantes de seu governo por tentativa de golpe de Estado, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o Tribunal cumpriu uma missão importante e histórica, julgando autoridades civis e militares com base em evidências.

“Ninguém sai hoje daqui feliz, mas devemos cumprir com coragem e serenidade as missões que a vida nos dá. Acredito que estejamos encerrando os ciclos do atraso na história brasileira, marcados pelo golpismo e pela quebra da legalidade constitucional”, disse Barroso.

Ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso, presidente do STF, durante julgamento da Ação Penal 2.668 - Foto: Antonio Augusto/STF/Flickr
Ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso, presidente do STF, durante julgamento da Ação Penal 2.668 – Foto: Antonio Augusto/STF/Flickr

O ministro destacou que o julgamento foi público, transparente e baseado em provas diversas, incluindo vídeos, mensagens e confissões. Barroso ressaltou que a principal mensagem do julgamento é que, na vida democrática, antes da ideologia ou das escolhas legítimas, deve haver compromisso com as regras do jogo, com as instituições e com os resultados eleitorais.

Ele também afirmou esperar que o julgamento represente uma virada de página na história brasileira, possibilitando reconstruir relações, pacificar o país e trabalhar por uma agenda comum, com justiça e prosperidade para todos. Barroso ainda cumprimentou os envolvidos na condução do processo, incluindo o procurador-geral da República Paulo Gonet, o ministro Cristiano Zanin e o relator Alexandre de Moraes, classificando o julgamento como um divisor de águas na história do Brasil.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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