PF revela planos de Bolsonaro, Eduardo e Malafaia para pressionar STF e buscar fuga política

A Polícia Federal indiciou nesta quarta-feira (20) o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por coação de autoridades e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.

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A investigação, conduzida com autorização do ministro Alexandre de Moraes, encontrou mensagens apagadas e recuperadas dos celulares de Bolsonaro que revelam um plano multifacetado: coagir ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), buscar apoio internacional, desobedecer medidas judiciais e até articular um pedido de asilo político na Argentina.

Outro alvo foi o pastor Silas Malafaia, que não foi indiciado, mas teve celular e passaporte apreendidos. A PF o acusa de desempenhar um papel central na mobilização digital pró-Bolsonaro.

Asilo na Argentina

Entre os achados, peritos localizaram o rascunho de uma carta dirigida ao presidente argentino, Javier Milei, em que Bolsonaro pedia asilo político.

Sou, em meu país de origem, perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos. No âmbito de tal perseguição, recentemente, fui alvo de diversas medidas cautelares”, escreveu o ex-presidente.

O documento foi interpretado pela PF como tentativa de fuga antecipada caso o STF avançasse contra ele.

Página de documento em que Bolsonaro pede asilo na Argentina achado no telefone do ex-presidente – Foto: Reprodução

“Anistia light” e a estratégia de Eduardo

As mensagens também revelam que Eduardo Bolsonaro articulava uma anistia exclusiva para o pai, deixando de fora os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023.

Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos Estados Unidos terá sido o post do Trump. (…) Temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia ou enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto.

Para a PF, os trechos evidenciam que a prioridade de Eduardo era blindar Bolsonaro, e não os militantes condenados.

Articulações nos Estados Unidos

Em 10 de julho, Eduardo aconselhou o pai a publicar agradecimento a Donald Trump pelas tarifas impostas contra produtos brasileiros, interpretadas como apoio político.

Opinião pública vai entender e você tem tempo para reverter se for o caso. (…) Na situação de hoje, você nem precisa se preocupar com cadeia, você não será preso. Mas tenho receio que por aqui as coisas mudem.

Eduardo Bolsonaro, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente americano, Donald Trump - Foto: Reprodução/Instagram
Eduardo Bolsonaro, o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente americano, Donald Trump – Foto: Reprodução/Instagram

Cinco dias depois, Eduardo escreveu que a “Magnitsky no Moraes estava muito próxima”. De fato, no fim do mês, os EUA aplicaram sanções contra o ministro.

Descumprimento de medidas cautelares

Após ter o celular apreendido em 18 de julho, Bolsonaro ativou outro aparelho em 25 de julho. Os dados revelaram uso intenso de redes sociais e listas de transmissão no WhatsApp, o que violava decisão do STF.

Havia quatro listas: “Deputados”, “Senadores”, “Outros” e “Outros 2”, usadas para enviar conteúdos simultaneamente a aliados.

Em 3 de agosto, dia de manifestações, Bolsonaro pediu a um deputado da Bahia para fazer uma chamada de vídeo com ele durante o ato, prática vista pela PF como “burlar as medidas cautelares por intermédio de terceiros”.

O papel de Malafaia

Segundo a PF, Malafaia incentivava Bolsonaro a gravar e disparar vídeos, além de mobilizar deputados para apoiar atos pró-anistia.

Mensagem entre pastor Silas Malafaia e Jair Bolsonaro, segundo relatório da PF – Foto: Reprodução/STF

Moraes afirmou que havia fortes indícios de participação dolosa de Silas Malafaia, que teria atuado de forma organizada para atacar ministros do Supremo em linha com o ex-presidente.

Em uma das mensagens, Malafaia chamou Eduardo de “babaca, inexperiente e idiota”, acusando-o de dar discurso nacionalista à esquerda.

O Pastor Silas Malafaia é interrogado pela Polícia Federal após descer de um voo no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) no Rio de Janeiro - Foto: Reprodução/Alexandre Cassiano
O Pastor Silas Malafaia é interrogado pela Polícia Federal após descer de um voo no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão) no Rio de Janeiro – Foto: Reprodução/Alexandre Cassiano

Troca de xingamentos entre pai e filho

Mensagens analisadas pela Polícia Federal (PF) e incluídas no relatório divulgado nesta quarta-feira (20) revelam que Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chegou a xingar o próprio pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, após uma entrevista em que o ex-mandatário comentou sobre o conflito entre o filho e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Segundo a PF, Eduardo demonstrou forte irritação com as declarações de Jair Bolsonaro. Em um dos diálogos, no dia 15 de julho, o deputado escreveu:

“Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, para ver se você aprende.”

Na sequência, partiu para os insultos:

“VTNC, seu ingrato do caralho!”

Ainda de acordo com o relatório, a conversa seguiu em tom cada vez mais agressivo. Eduardo criticou Jair por ter usado, em entrevistas, termos que o desabonavam:

“Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se f** é você, e vai decretar o resto da minha vida nesta p*** aqui!”*

O documento aponta que Eduardo se referia, de forma pejorativa, aos Estados Unidos, país em que vive. Para os investigadores, o parlamentar temia que as falas do pai prejudicassem sua influência política no exterior e sua permanência por lá.

Mensagem entre Eduardo e Jair Bolsonaro, segundo relatório da PF - Foto: Reprodução/STF
Mensagem entre Eduardo e Jair Bolsonaro, segundo relatório da PF – Foto: Reprodução/STF

O deputado encerrou o desabafo cobrando Jair Bolsonaro:

“Tenha responsabilidade!”

O ex-presidente respondeu com dois áudios, cujo conteúdo não foi recuperado pela PF.

Além das ofensas, a investigação destaca que Eduardo ainda escreveu ao pai sobre uma possível anistia light, reforçando sua preocupação em proteger Jair Bolsonaro de condenações futuras.

Mensagem entre Eduardo e Jair Bolsonaro, segundo relatório da PF - Foto: Reprodução/STF
Mensagem entre Eduardo e Jair Bolsonaro, segundo relatório da PF – Foto: Reprodução/STF

Em outra troca de mensagens, o deputado voltou a atacar, dessa vez ligando o governador de São Paulo às elites financeiras:

“Agora ele quer posar de salvador da pátria. Se o sistema enxergar no Tarcísio uma possibilidade de solução, eles não vão fazer o que estão pressionados a fazer. E pode ter certeza: uma ‘solução Tarcísio’ passa longe de resolver o problema, vai apenas resolver a vida do pessoal da Faria Lima.”

Contato proibido com Braga Netto

A PF também identificou que o ex-presidente manteve contato proibido com o ex-ministro Braga Netto. Em fevereiro de 2024, Bolsonaro recebeu SMS de um número com DDD de Brasília:

Estou com este número pré-pago para qualquer emergência. Não tem zap. Somente face time. Abs Braga Netto.

Ocultação de recursos em contas de esposas

O relatório da Polícia Federal aponta indícios de que Eduardo Bolsonaro usou a conta bancária de sua esposa, Heloísa, para receber valores do pai e, assim, evitar bloqueios judiciais em sua própria conta. Segundo os investigadores, essa prática fazia parte de um esquema de “artifícios para dissimular a origem e o destino do dinheiro”, voltado a garantir suporte às atividades políticas do deputado no exterior.

A análise da movimentação financeira mostrou que Jair Bolsonaro realizou, ao longo de 2025, sete transferências para contas do filho, que somaram mais de R$ 2,1 milhões. Entre elas, um repasse de R$ 2 milhões no dia 13 de maio, seguido de outros seis depósitos menores, que totalizaram R$ 111 mil.

Em depoimento à PF, Jair Bolsonaro confirmou apenas a transferência de R$ 2 milhões, alegando que o objetivo era evitar que o filho “passasse necessidade” nos Estados Unidos. O relatório, no entanto, destaca que o ex-presidente omitiu outros valores enviados.

Após receber o montante milionário, Eduardo fez duas transferências diretas para a esposa: uma de R$ 50 mil, em 19 de maio, e outra de R$ 150 mil, em 5 de junho. Para os investigadores, a movimentação mostra que Heloísa teria sido usada como “conta de passagem”, numa tentativa deliberada de esconder a origem dos recursos.

O esquema não se restringiu ao filho. A PF também identificou que Jair Bolsonaro transferiu R$ 2 milhões para a conta de Michelle Bolsonaro, em junho, na véspera de seu depoimento à própria corporação. O dinheiro foi enviado sem qualquer justificativa plausível.

Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro - Foto: Reprodução/Isac Nóbrega/PR
Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro – Foto: Reprodução/Isac Nóbrega/PR

Para a Polícia Federal, as operações indicam que Jair Bolsonaro atuou de forma consciente para se desfazer de valores que poderiam ser bloqueados pela Justiça e, ao mesmo tempo, garantir o financiamento das atividades de Eduardo nos Estados Unidos.

Contato com a plataforma Rumble

A investigação também aponta que Bolsonaro manteve contato com o advogado norte-americano Martin de Luca, representante da plataforma Rumble e da Trump Media & Technology Group (TMTG).

No celular, havia registros de documentos enviados por De Luca a Bolsonaro, incluindo orientações para notas públicas contra Moraes e estratégias para associar sua situação a uma “perseguição política”.

O que mostram as mensagens

Segundo a PF, as mensagens revelam:

  • Tentativa de asilo político na Argentina;
  • Anistia restrita ao ex-presidente;
  • Pressões sobre autoridades dos EUA;
  • Descumprimento de medidas judiciais;
  • Atuação de Malafaia como mobilizador digital;
  • Conflitos e xingamentos entre aliados;
  • Contatos clandestinos com Braga Netto;
  • Uso de contas de esposas para movimentar recursos;
  • Coordenação com representante da Rumble ligada a Trump.

Impacto político

A defesa de Bolsonaro não respondeu aos questionamentos feitos por veículos de comunicação. Eduardo minimizou, dizendo que se tratam de “conversas normais entre pai, filho e aliados”.

Juristas avaliam que o caso expõe um projeto estruturado de subversão institucional, que vai além de declarações políticas e envolve alianças internacionais, redes digitais e articulações financeiras.

O STF deve agora decidir os próximos passos do inquérito. Caso a Procuradoria-Geral da República apresente denúncia, o processo pode colocar Bolsonaro e seu círculo mais próximo no centro da mais grave acusação contra um ex-presidente desde a redemocratização.

Em resumo: As mensagens mostram um plano articulado em várias frentes — do asilo na Argentina às sanções internacionais, passando pela mobilização digital e ocultação de recursos. O núcleo político-religioso de Bolsonaro aparece dividido, mas unido no objetivo de salvar o ex-presidente das consequências jurídicas.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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