Faltando seis dias para que entrem em vigor as tarifas de 50% anunciadas pelo governo dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em entrevista ao jornal The New York Times, que o Brasil não aceitará ser tratado com subserviência e se recusará a tomar parte em qualquer nova Guerra Fria entre potências globais.
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A declaração vem num momento em que as relações diplomáticas entre Brasil e EUA passam por uma de suas fases mais tensas desde o retorno de Donald Trump à presidência norte-americana.
“O Brasil negociará como um país soberano”, disse Lula ao repórter Jack Nicas. “Na política entre dois Estados, a vontade de nenhum deve prevalecer. Precisamos sempre encontrar um meio-termo. Isso não se consegue estufando o peito e gritando sobre coisas que não se pode realizar, nem abaixando a cabeça e simplesmente dizendo ‘amém’ a tudo o que os EUA desejam.”
Ao longo da entrevista, o presidente brasileiro reafirmou o compromisso com a dignidade nacional, com a autonomia da política externa e com a legalidade democrática.
As tarifas impostas pelo governo norte-americano são vistas em Brasília como uma retaliação política disfarçada de proteção econômica, especialmente diante do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que responde por tentativa de golpe de Estado.
“Acho que a causa não merece isso”, afirmou Lula. “O ex-presidente está sendo julgado com pleno direito de defesa, conforme prevê nossa Constituição.”
Para ele, a vinculação de um processo judicial brasileiro a medidas comerciais dos EUA compromete não apenas as relações bilaterais, mas atenta diretamente contra a soberania nacional.
O governo brasileiro foi além da crítica econômica e denunciou a tentativa de interferência externa no Poder Judiciário. Em nota oficial, o Palácio do Planalto afirmou:
“O Brasil é um país soberano e democrático, que respeita os direitos humanos e a independência entre os Poderes. Um país que defende o multilateralismo e a convivência harmoniosa entre as nações, o que tem garantido a força da nossa economia e a autonomia da nossa política externa.”

A nota classificou como “inaceitável” a interferência do governo norte-americano na Justiça brasileira, referindo-se às sanções aplicadas contra o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. O magistrado se tornou alvo de ataques promovidos por políticos brasileiros alinhados a Trump.
“O governo brasileiro se solidariza com o ministro Alexandre de Moraes, alvo de sanções motivadas pela ação de políticos brasileiros que traem nossa pátria e nosso povo em defesa dos próprios interesses.”
“Justiça não se negocia”, reforçou o comunicado. “Um dos fundamentos da democracia e do respeito aos direitos humanos no Brasil é a independência do Poder Judiciário, e qualquer tentativa de enfraquecê-lo constitui ameaça ao próprio regime democrático.” Segundo o governo, a legislação brasileira vale para todos os cidadãos e empresas, incluindo plataformas digitais.
“A sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a democracia”, afirma o texto.
Durante a entrevista ao New York Times, Lula criticou o que chamou de mistura perigosa entre política e comércio.
“Se ele [Trump] quer ter uma briga política, então vamos tratá-la como política. Se ele quer falar de comércio, vamos sentar e discutir comércio. Mas não se pode misturar tudo.”
O presidente brasileiro citou como exemplo sua postura em relação ao embargo norte-americano a Cuba. “Não posso exigir que os Estados Unidos suspendam o bloqueio econômico à Cuba para negociar alguma outra exigência comercial. Não posso fazer isso, por respeito aos Estados Unidos, à diplomacia e à soberania de cada nação.”
Lula também revelou que tentou abrir canais formais de diálogo com Washington, mas sem sucesso. “Designei meu vice-presidente, meu ministro da Agricultura, meu ministro da Economia, para que cada um possa conversar com seu homólogo e entender qual seria a possibilidade de diálogo. Até agora, não foi possível.” Segundo ele, o governo brasileiro realizou dez reuniões com o Departamento de Comércio norte-americano e, em maio, chegou a enviar uma carta oficial solicitando uma resposta direta.
“A resposta que recebemos foi por meio do site do presidente Trump, anunciando as tarifas sobre o Brasil. O tom da carta dele é definitivamente o de alguém que não quer conversar.”
Diante da escalada da tensão, Lula afirmou que o Brasil não ficará de braços cruzados. “Não vamos chorar o leite derramado. Vamos procurar quem queira comprar os produtos brasileiros.” Em um recado direto à Casa Branca, o presidente deixou claro que não aceitará fazer parte de disputas geopolíticas entre potências.
“Temos uma relação comercial extraordinária com a China. Se os Estados Unidos e a China quiserem uma Guerra Fria, não aceitaremos. Não tenho preferência. Tenho interesse em vender para quem quiser comprar de mim, para quem pagar mais.”
A posição brasileira tem recebido apoio internacional. No início da semana, a China anunciou que está pronta para cooperar com o Brasil em defesa de um sistema multilateral de comércio baseado na equidade, nas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) e no respeito mútuo. O governo chinês também criticou abertamente a decisão de Trump de impor tarifas ao Brasil, apontando que tais medidas fragilizam o comércio global e desequilibram as relações comerciais internacionais.

O governo brasileiro considera injustificável o uso de argumentos políticos para validar medidas comerciais e lembra que, nas últimas décadas, o país tem acumulado um déficit comercial significativo em bens e serviços com os Estados Unidos.
“A motivação política das medidas contra o Brasil atenta contra a soberania nacional e a própria relação histórica entre os dois países”, diz a nota divulgada pelo Planalto.
O Brasil continua disposto a negociar os aspectos comerciais da relação com os EUA, mas não abrirá mão dos instrumentos de defesa previstos em sua legislação nacional. “Nossa economia está cada vez mais integrada aos principais mercados e parceiros internacionais”, declarou Lula, ressaltando que a prioridade é proteger os trabalhadores, as empresas e as famílias brasileiras dos impactos das sanções.
Segundo o governo, já está em andamento uma avaliação técnica dos efeitos das medidas impostas pelos EUA e a formulação de ações estratégicas para mitigar os danos e preservar o crescimento econômico. O tom, agora, é de firmeza diplomática e pragmatismo: manter o Brasil livre de interferências externas, comprometido com a democracia e aberto ao mundo — desde que com respeito mútuo e igualdade de condições.