Dia 1 do julgamento de Bolsonaro: firmeza, provas e início da contestação da defesa

O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu, nesta terça-feira (2), o julgamento do núcleo central da trama golpista que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus. Eles respondem a acusações de tentativa de golpe de Estado, formação de organização criminosa armada, terrorismo e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

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O primeiro dia foi marcado por discursos duros do relator Alexandre de Moraes, pela exposição das provas da acusação feita pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, e pelas primeiras manifestações das defesas, que buscaram afastar a responsabilidade de seus clientes.

Moraes: STF não cederá a pressões externas ou internas

Alexandre Moraes inicia julgamento de 'trama golpista' e afirma: 'impunidade não é opção' - Foto: Antonio Augusto/STF
Alexandre Moraes inicia julgamento de ‘trama golpista’ e afirma: ‘impunidade não é opção’ – Foto: Antonio Augusto/STF

O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, abriu a sessão afirmando que a Corte não se curvará diante de ataques organizados. Sem citar nomes, descreveu uma “organização criminosa covarde e traiçoeira” que atua a partir do exterior contra a Justiça brasileira:

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“Uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais vista em nosso país, passou a agir com a finalidade de submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro.”

O ministro fez referência às sanções impostas contra ele pelo governo Donald Trump, em julho, por meio da Lei Magnitsky, que prevê bloqueio de contas e restrições econômicas. Também mencionou o caso que envolve o deputado Eduardo Bolsonaro, acusado pela PGR de articular retaliações contra o Brasil e ministros do Supremo nos Estados Unidos.

“A soberania nacional jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida.”

Moraes lembrou que a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 pretendia instaurar “uma verdadeira ditadura no país”. Para ele, a Justiça não pode confundir pacificação com impunidade:

“A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções. A pacificação do país depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições. Não há pacificação com covardia do apaziguamento, que nada mais é do que impunidade.”

O ministro frisou que o julgamento seguirá os mesmos critérios das mais de 1.630 ações penais abertas após os atos de 8 de janeiro:

“Existindo provas acima de qualquer dúvida razoável, haverá condenação. Havendo prova de inocência ou mesmo dúvida razoável, os réus serão absolvidos. Assim se faz Justiça.”

Gonet: Bolsonaro era líder e principal beneficiado do golpe

Paulo Gonet em julgamento da trama golpista - Foto: Antonio Augusto/STF
Paulo Gonet em julgamento da trama golpista – Foto: Antonio Augusto/STF

Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou as provas da acusação. Ele destacou que não é necessária ordem assinada para configurar crime de golpe de Estado, bastando a articulação e os atos preparatórios.

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“A tentativa se revela na prática de ações voltadas à ruptura das regras constitucionais, em apelo à força bruta, real ou ameaçada. Não é preciso que exista ordem escrita pelo presidente da República. O crime já se consuma nos atos que buscam implodir o processo democrático.”

O PGR citou elementos que embasam os cinco crimes atribuídos aos réus:

  • ataques sistemáticos às urnas eletrônicas;
  • ameaças ao Judiciário e ministros;
  • planos para matar Alexandre de Moraes, Lula e Alckmin;
  • uso da PRF para reprimir eleitores no Nordeste;
  • instrumentalização da Abin para espionagem;
  • acampamentos em frente a quartéis;
  • atos de terrorismo, como a tentativa de explosão em Brasília;
  • e o ataque aos Três Poderes em 8 de janeiro, classificado como atos espantosos e tenebrosos.

Para Gonet, Bolsonaro não só seria o maior beneficiado, mas também chefiava a organização criminosa:

“Não é preciso esforço extraordinário para concluir que, quando o presidente e o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em andamento.”

E completou:

“Não há como negar fatos praticados publicamente, planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos destruídos. O material coletado comprova a sequência de atos que buscavam romper a normalidade democrática.”

Ele concluiu pedindo a condenação integral do núcleo central da trama golpista:

“Não punir a tentativa de golpe de Estado recrudesce ímpetos de autoritarismo na sociedade e fragiliza a vida civilizada.”

As falas das defesas

Mauro Cid

Primeiro a ter a defesa ouvida, o tenente-coronel Mauro Cid buscou reforçar a validade de sua delação premiada firmada em 2023 com a Polícia Federal. O advogado Jair Ferreira afirmou:

“Cid não foi coagido e não tinha conhecimento de qualquer plano de assassinato. Ele pediu sua baixa do Exército porque não tinha mais condições psicológicas de continuar servindo.”

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Outro defensor, Cezar Bittencourt, acrescentou:

“Não há um só fato concreto que ligue Mauro Cid a atos contra a democracia. O que existe são mensagens recebidas em seu celular, jamais propostas por ele. Trata-se de um mero receptor de mensagens.”

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Alexandre Ramagem

Na sequência, o advogado Paulo Cintra, que representa o deputado e ex-chefe da Abin Alexandre Ramagem, sustentou que ele não integrava o governo quando ocorreram os principais fatos narrados pela acusação:

“Ramagem não era ensaísta de Jair Bolsonaro, apenas compilava pensamentos do então presidente. Ele não elaborou mensagens contra as urnas, apenas reuniu documentos intitulados presidente.docx e presidenteinformatse.docx.”

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Sobre a acusação de criar uma Abin paralela para espionar autoridades, a defesa negou:

“Não houve uso da Abin para monitorar ministros do Supremo. Isso é fantasia acusatória.”

Durante essa defesa, a ministra Cármen Lúcia interveio, corrigindo o advogado quando ele tratou “voto impresso” e “processo eleitoral auditável” como sinônimos:

“O processo eleitoral brasileiro é amplamente auditável. Uma coisa é auditoria do sistema, outra é voto impresso. Essa confusão não pode induzir os cidadãos ao erro.”

Almir Garnier

A defesa do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, foi conduzida pelo advogado Demóstenes Torres, que apontou falta de individualização das condutas:

“O que há é uma narrativa globalizante. É preciso deixar claro qual ato específico Garnier teria praticado. Não basta inseri-lo em um bloco difuso de acusações.”

Torres ainda pediu a anulação da delação de Mauro Cid, por considerá-la irregular.

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Anderson Torres

Por fim, falou o advogado Eumar Novacki, que defende o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres. Ele rejeitou a tese de que Torres se ausentou do Brasil de forma proposital antes dos ataques de 8 de janeiro:

“A viagem para os Estados Unidos era de férias em família, planejada com antecedência. As passagens foram compradas em novembro de 2022.”

Apresentando documentos no telão, Novacki buscou afastar suspeitas. Sobre a minuta do golpe encontrada em sua casa, o advogado afirmou:

“Era uma minuta apócrifa, que já circulava pela internet antes de ser apreendida. Não há qualquer indício de que tenha sido elaborada por Anderson Torres.”

Advogados dos réus na trama golpista - Foto: STF; Estadão Conteúdo; Instagram
Advogados dos réus na trama golpista – Foto: STF; Estadão Conteúdo; Instagram

Próximos capítulos

Após a defesa de Torres, o ministro Cristiano Zanin suspendeu a sessão. O julgamento está sendo retomado nesta quarta-feira (3), e falam os advogados de Jair Bolsonaro e de três generais acusados de integrar a conspiração golpista.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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