ECA Digital significa avanço histórico na defesa contra a adultização de crianças e adolescentes na internet

A lei chega após grande movimento social motivado pelo influenciador Felca, que denunciou casos de exploração e abuso de crianças e adolescentes em plataformas digitais. O vídeo publicado em seu canal no YouTube viralizou no início de agosto e levantou uma discussão sensível e urgente, a vulnerabilidade de jovens num ambiente virtual que é palco para abusos, assédios e fator crucial para a chamada “adultização” antecipada.

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A repercussão do vídeo gerou mobilização entre sociedade civil, especialistas e autoridades, acelerando a tramitação do Projeto de Lei (PL) 2.628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) e relatado pelo senador Flávio Arns (PSB-PR). Esse processo resultou na sanção da Lei nº 15.211/2025, conhecida como Lei Felca, em referência ao episódio que desencadeou o debate.

O que é adultização virtual e por que preocupa

O termo “adultização” descreve a exposição precoce de crianças e adolescentes a conteúdos, comportamentos e responsabilidades típicos da vida adulta como sexualização, consumo excessivo, violência ou pressão por desempenho antes do tempo adequado para seu desenvolvimento. Esse fenômeno compromete o crescimento saudável e pode gerar consequências como baixa autoestima, ansiedade, depressão e dificuldades de socialização.

O vídeo do youtuber Felipe Bressanim Pereira, o Felca, trouxe à tona casos concretos dessa realidade, como o de Hytalo Santos, influenciador que promovia rotinas de jovens em formato de reality show, incentivando comportamentos e discursos próprios da vida adulta. Em apenas dois dias, o vídeo alcançou quase 20 milhões de visualizações e provocou ações concretas, como a desativação de perfis associados aos casos denunciados.

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Ilustração: Vinicius Amorim | Portal Ponto360
Ilustração: Vinicius Amorim | Portal Ponto360

Marco social histórico

O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente é considerado um marco histórico por especialistas em direito digital, pois estabelece obrigações firmes e inéditas para as plataformas que lidam com crianças e adolescentes. Segundo Julia, advogada do Instituto Alana, a lei representa uma mudança cultural e social significativa, ao colocar a proteção do público infantojuvenil no centro do debate digital. Ela aponta que o Estatuto não se limita a normas técnicas, mas cria um novo horizonte de responsabilidade compartilhada, envolvendo famílias, Estado e empresas, garantindo que o ambiente online respeite direitos fundamentais e acompanhe de forma adequada as fases de desenvolvimento de crianças e adolescentes.

“temos uma lei extremamente sofisticada, muito forte em termos de determinar mecanismos de aferição de idade, para garantir que nenhuma pessoa em desenvolvimento acesse conteúdos inadequados para sua faixa etária”

Como garantir que as regras sejam cumpridas

Um dos principais desafios será transformar a lei em prática efetiva. A Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que ganhou status de agência reguladora no mesmo dia da aprovação do Estatuto, passa a ter também a missão de garantir a proteção digital de crianças e adolescentes.

Para Julia, essa mudança é estratégica:

“A ANPD já vinha olhando para a infância em seus processos de fiscalização. Agora, com autonomia e mais estrutura, poderá não só fiscalizar, mas também regulamentar as obrigações previstas no ECA Digital”.

Ela ressalta que o caminho exigirá investimentos em pessoal, tecnologia e cooperação internacional para enfrentar plataformas globais.

“A lei é robusta, mas a efetividade depende da capacidade do Estado em acompanhar de perto as práticas dessas empresas”, completa.

A nova legislação rompe com a lógica reativa das plataformas, que antes só agiam diante de denúncias. Agora impõe um dever proativo de cuidado, segurança e proteção, de modo a impedir que conteúdos violentos, de exploração sexual ou comercial cheguem até crianças e adolescentes.

De acordo com a especialista, a lei estabelece a necessidade de relatórios semestrais das plataformas, detalhando as ações de proteção ao público infantojuvenil. Esse mecanismo deve fortalecer a produção de estudos sobre os impactos digitais e impulsionar políticas de educação e letramento digital.

O presidente Lula anunciou medidas para proteger crianças na internet, fortalecer a ANPD e incentivar a inovação digital. Foto: Ricardo Stuckert / PR
O presidente Lula anunciou medidas para proteger crianças na internet, fortalecer a ANPD e incentivar a inovação digital. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Educação digital e responsabilidade compartilhada

O Estatuto também reforça a importância da educação digital e da participação de responsáveis. “A proteção não é papel só dos pais ou das famílias, mas do Estado e de toda a sociedade, inclusive empresas”, explica a advogada. A lei combina a supervisão dos pais com a responsabilidade do Estado e define claramente quais plataformas precisam seguir as regras. Isso vale não só para sites e apps voltados para crianças e adolescentes, mas para qualquer serviço que eles possam usar.

Segundo Julia, a união dessas medidas cria um novo horizonte digital para pessoas em desenvolvimento, garantindo que o ambiente online respeite direitos fundamentais e acompanhe as particularidades da fase de formação de crianças e adolescentes.

Autor

  • Vinicius Amorim

    Vinicius Amorim é jornalista em formação e atualmente atua na área de comunicação institucional da Assembleia Legislativa de São Paulo, onde desenvolve estratégias de branding político, assessoria de imprensa e posicionamento público. Com passagem por projetos de comunicação interna, employer branding e campanhas digitais, traz um olhar apurado para os movimentos da política e da geopolítica, interesse que surgiu a partir da vivência e atuação no ambiente político da Alesp.

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