A decisão do Congresso Nacional de não votar a Medida Provisória (MP) do governo que aumentava impostos, na noite da última quarta-feira (7), resultou na caducidade da proposta e traz consequências significativas para as contas públicas e para o planejamento fiscal do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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A MP previa alterações em uma ampla gama de tributos e regras fiscais, incluindo bets, fintechs, LCI e LCA, juros sobre capital próprio (JCP), Imposto de Renda de investimentos, compensações tributárias e o pé-de-meia dentro do piso de educação. Com a caducidade, todas as regras vigentes permanecem inalteradas, e o governo terá de buscar alternativas para equilibrar receitas e despesas nos próximos anos.
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Principais mudanças previstas na MP e efeitos da derrubada
1. Alíquota sobre bets e taxação sobre receita líquida (GGR)
Como fica: a alíquota de 12% sobre a receita líquida (GGR) segue em vigor.
Como era na MP: o governo propunha elevar a tributação para 18%, visando aumentar a arrecadação sobre um setor que, segundo Haddad, gera R$ 40 bilhões de lucro bruto ao ano. A cobrança adicional só entraria em vigor em novembro, 90 dias após a publicação da MP em junho.
O setor de apostas, que inclui casinos online e plataformas de apostas esportivas, tem crescido de forma acelerada nos últimos anos, sendo um dos poucos segmentos que resistiu à desaceleração econômica. A medida do governo visava capturar parte desse crescimento, mas encontrou resistência de parlamentares e entidades do setor produtivo.
2. Juros sobre capital próprio (JCP)
Como fica: a tributação permanece em 15%, deduzida na fonte.
Como era na MP: a proposta previa elevar a alíquota para 20%, incidindo sobre uma forma de distribuição de lucros alternativa aos dividendos, que são isentos de imposto. Essa medida só teria efeito em 2026, o que significa que o impacto imediato sobre investidores é nulo.
Especialistas lembram que os JCP são utilizados por empresas para reduzir a carga tributária global, e qualquer aumento poderia desincentivar a adoção desse mecanismo, impactando a estrutura de capital de grandes companhias.
3. Títulos incentivados (LCI e LCA)
Como fica: permanecem isentos de tributação.
Como era na MP: a proposta estabelecia taxação de 5% sobre esses investimentos, utilizados para financiar o agronegócio e o setor imobiliário. O governo justificava a mudança como forma de aumentar a arrecadação, estimando um custo anual da isenção em R$ 41 bilhões.
Segundo economistas, tributar LCI e LCA poderia ter efeitos indiretos na economia, já que o aumento de custos poderia ser repassado a preços de imóveis e produtos agrícolas. Com a MP derrubada, o incentivo a esses investimentos permanece, mantendo o fluxo de crédito para setores estratégicos.
4. Imposto de Renda sobre aplicações financeiras
Como fica: alíquotas atuais de 15% a 22,5% continuam válidas.
Como era na MP: a proposta unificava a tributação em 17,5%, beneficiando aplicações de curto prazo e aumentando a tributação de investimentos de longo prazo, cuja alíquota atual é de 15%. Essa mudança teria efeito somente a partir de 2026.
Analistas afirmam que a uniformização da alíquota poderia desestimular investimentos de longo prazo, impactando especialmente fundos de previdência e aplicações voltadas para infraestrutura.
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5. Tributação de criptoativos
Como fica: os criptoativos continuam não tributados.
Como era na MP: previa-se alíquota de 17,5% sobre rendimentos e ganhos líquidos, incluindo arranjos financeiros digitais. A mudança só entraria em vigor em 2026.
O setor de criptoeconomia, em expansão no país, destacou que a derrubada da MP representa uma vitória do diálogo e da racionalidade regulatória, permitindo que empresas e investidores continuem operando com regras claras e estáveis.
6. Taxação de fintechs
Como fica: fintechs continuam pagando 9% de CSLL, enquanto bancos e instituições financeiras tradicionais têm alíquotas maiores.
Como era na MP: a medida buscava equiparar fintechs aos bancos, com alíquotas de 15% a 20%. A proposta chegou a afetar cooperativas de crédito, elevando sua tributação de 9% para 15% em setembro.
Fernando Haddad afirmou que a medida buscava corrigir distorções no sistema financeiro, já que empresas de grande porte do setor tecnológico pagam menos tributos que bancos. Economistas, porém, apontam que mudanças abruptas poderiam impactar inovação e competitividade no setor.
7. Limitação de compensações tributárias
Como fica: não há restrição sobre compensações atualmente.
Como era na MP: a intenção era coibir compensações abusivas de crédito tributário, usadas por empresas para postergar o pagamento de impostos. A medida teria arrecadado R$ 10 bilhões em 2025, caso tivesse sido aprovada.
Segundo o Ministério da Fazenda, a medida visava garantir que créditos fiscais fossem utilizados em operações legítimas, evitando prejuízos à arrecadação.
8. Pé-de-meia dentro do piso de educação
Como fica: o pé-de-meia será excluído do cálculo do piso de educação, liberando recursos para outras áreas.
Como era na MP: a medida buscava incluir o pé-de-meia, que visa manter alunos do ensino médio na escola pública, no cálculo do piso constitucional. A mudança vigorou apenas enquanto a MP teve validade.
Impacto nas contas públicas
A derrubada da MP representa uma perda significativa de arrecadação, estimada em mais de R$ 50 bilhões até o fim do governo Lula — cerca de R$ 20 bilhões em 2025 e até R$ 40 bilhões em 2026.
Segundo o Ministério da Fazenda, alternativas para compensar o impacto incluem:
- Novos aumentos de tributos;
- Redução de benefícios fiscais, como isenções ou reduções de impostos;
- Cortes de gastos.
Haddad afirmou que apresentará ao presidente Lula vários cenários e alternativas, permitindo avaliação cuidadosa das medidas.
“Geralmente, apresentamos ao presidente várias alternativas e cenários, para que ele possa avaliar a conveniência e oportunidade de cada medida. Usaremos o tempo disponível para analisar tudo com cuidado”, disse o ministro.
O impacto da derrubada da MP mostra a dificuldade do governo em equilibrar contas públicas em meio à resistência política e setorial, especialmente em um contexto de pressão por investimentos em áreas prioritárias, como educação e saúde.
Repercussão setorial e política
A decisão do Congresso teve ampla repercussão entre entidades e setores produtivos:
- Confederação Nacional da Indústria (CNI): elogiou a decisão, afirmando que a MP elevaria preços de produtos e serviços, sobrecarregando o setor produtivo.
- Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABcripto): celebrou a caducidade da MP como vitória do bom senso e do diálogo regulatório.
- Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA): destacou que não havia justificativa para aumento de impostos, ressaltando a força do setor na rejeição à proposta.
“A MP já devia ter sido recolhida há muito tempo. Sempre fomos contrários a qualquer aumento de impostos para o cidadão. O agro e o Brasil mostraram sua força mais uma vez”, afirmou deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA.
Analistas observam que, embora a derrubada da MP seja vista como vitória para setores produtivos e investidores, ela obriga o governo a buscar soluções mais complexas para fechar as contas públicas, o que pode gerar pressão política e necessidade de negociações com o Congresso.









