Em decisão unânime nesta quarta-feira (24), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou a chamada ‘PEC da Blindagem‘, ou PEC 3/2021, proposta que ampliava a proteção de parlamentares perante a Justiça. A votação encerra, de forma regimental, a tramitação do texto no Congresso, já que, pelas regras internas, apenas uma decisão não unânime abriria espaço para recurso e análise em plenário.
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O presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD-BA), confirmou que houve acordo com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para que o texto não seja levado ao plenário. Apesar disso, interlocutores próximos de Alcolumbre afirmam que ele deve seguir com o arquivamento da proposta, limitando-se a formalizar a decisão.
A PEC havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados na semana passada, mas encontrou forte resistência no Senado. Em meio a protestos populares em todas as capitais e pressão de diversas bancadas, a tramitação foi acelerada: em apenas uma semana após o recebimento do texto, Alencar decidiu colocá-lo em votação.
O relator da matéria, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), votou contra e classificou a proposta como um “golpe fatal na legitimidade do Congresso”, sustentando que o texto abriria caminho para transformar o Legislativo em “abrigo seguro para criminosos de todos os tipos”.

O texto aprovado na Câmara estabelecia que a abertura de qualquer processo criminal contra parlamentares dependeria de aval do Congresso, em votação secreta. Além disso, ampliava o foro privilegiado para presidentes nacionais de partidos, que passariam a ser julgados diretamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Também previa votação secreta para autorizar prisões em flagrante de deputados e senadores.
A proposta foi patrocinada pelo Centrão e buscava resgatar dispositivo que vigorou na Constituição entre 1988 e 2001. Nesse período, segundo levantamento, o Congresso autorizou apenas uma ação penal contra parlamentares, barrando mais de 250 pedidos.
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Para o relator Alessandro Vieira, essa experiência histórica demonstra o “ardil para perpetuar a impunidade de parlamentares”, disfarçado de proteção institucional.
Partidos se manifestaram de forma contundente contra a proposta. O PT aprovou resolução nacional determinando voto contrário, enquanto MDB e PDT no Senado também fecharam posição contra o texto.
Ainda assim, alguns parlamentares saíram em defesa da PEC. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) argumentou que a blindagem era necessária para proteger congressistas de uma “categoria acima da lei”, em referência aos ministros do STF. Já Magno Malta (PL-ES) defendeu o retorno às regras da Constituição de 1988, alegando que o Supremo exerce pressões indevidas sobre o Legislativo.
No último domingo (21), manifestações contra a PEC da Blindagem foram em todas as 27 capitais brasileiras. Em São Paulo, estimativas do Monitor do Debate Político do Cebrap apontaram participação de 42,4 mil pessoas na Avenida Paulista. No Rio de Janeiro, mais de 41 mil manifestantes se reuniram na Praia de Copacabana no auge do protesto.

Organizações da sociedade civil também se posicionaram contra a proposta. O Pacto pela Democracia, que reúne mais de 200 entidades, afirmou que a PEC “enfraquece os mecanismos de responsabilização de autoridades”.
O Centro de Liderança Pública, a Transparência Brasil, a Transparência Eleitoral Brasil e a ONG Fiquem Sabendo, entre outras, assinaram nota conjunta classificando a PEC como “um grave retrocesso para a democracia”.
Segundo o texto, a proposta teria potencial de “enterrar investigações sobre o Orçamento Secreto e os ataques de 8 de janeiro”, aumentando a impunidade e fragilizando o sistema de freios e contrapesos no país.
A Ordem dos Advogados do Paraná também enviou parecer ao Senado, alegando que a PEC é inconstitucional por vícios formais e por afrontar a separação entre os Poderes.
Com a rejeição unânime da CCJ, a PEC da Blindagem foi enterrada regimentalmente, simbolizando não apenas a derrota de um projeto apoiado pelo Centrão, mas também a vitória das pressões populares e institucionais que se mobilizaram contra o texto.