Desde o início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, o Brasil dobrou suas importações da Rússia, contrariando a postura de países do Ocidente, que impuseram sanções econômicas ao governo de Vladimir Putin. De acordo com dados oficiais, as compras brasileiras de produtos russos saltaram de US$ 6,2 bilhões em 2021 para US$ 12,2 bilhões em 2024.
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O crescimento exponencial das importações coloca o Brasil como um dos principais parceiros comerciais da Rússia no hemisfério sul e reforça o papel estratégico do país dentro do BRICS, grupo que inclui também China, Índia, África do Sul e, mais recentemente, países como Irã e Egito.
Do total importado em 2024, US$ 7,18 bilhões correspondem a combustíveis, como óleo diesel, enquanto US$ 4,17 bilhões são de fertilizantes, essenciais para a produção agrícola nacional. Atualmente, a Rússia é o maior fornecedor de diesel ao Brasil, superando inclusive países da América Latina e do Oriente Médio.
A forte dependência brasileira de insumos russos, sobretudo no setor agropecuário, explica parte da resistência do governo federal em aderir às sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. O Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes que utiliza e, desde o início do conflito, o fornecimento internacional tem sido afetado.
Enquanto os países do G7 (grupo que reúne EUA, Canadá, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Japão) reduziram drasticamente suas compras da Rússia, o Brasil e outras nações do BRICS intensificaram o comércio. Segundo levantamento do Centro de Estudos de Comércio Global da Universidade de Genebra, a Rússia exportou 20 vezes mais para os países do BRICS do que para o G7 em 2024.

A disparidade reflete não apenas uma diferença econômica, mas também uma mudança no equilíbrio geopolítico global. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem buscado reforçar os laços com a Rússia, mantendo um discurso diplomático que evita condenações diretas ao Kremlin e que defende a criação de um grupo de países neutros para intermediar a paz.
A postura brasileira, no entanto, tem gerado reações no Ocidente. Em visita recente a Washington, o novo secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, fez um alerta direto ao Brasil, Índia e China: caso não pressionem a Rússia por um cessar-fogo, poderão ser alvo de sanções secundárias. Parlamentares norte-americanos já propuseram tarifas de até 500% sobre produtos de países considerados “coniventes” com Moscou.
Além disso, o Departamento de Estado dos EUA deu prazo até setembro para que os países que mantêm relações comerciais com a Rússia apresentem avanços diplomáticos concretos em direção à resolução do conflito.
A estratégia brasileira tem dividido opiniões entre analistas de comércio exterior. Para alguns, o Brasil está adotando uma postura pragmática, priorizando seu abastecimento interno e sua soberania diplomática. Para outros, o país corre o risco de isolamento em suas relações com grandes potências ocidentais, o que pode afetar acordos comerciais e investimentos futuros.
“É uma faca de dois gumes. O Brasil preserva seus interesses imediatos, mas pode comprometer o acesso a mercados estratégicos no longo prazo”, avalia a professora Ana Júlia Pereira, da FGV.
Mesmo sob pressão internacional, o governo Lula não sinaliza mudança de rumo. A agenda oficial prevê, ainda neste ano, um encontro bilateral entre Lula e Putin, durante a cúpula do BRICS em Moscou.