Bolsonaro depõe ao STF e nega golpe: “Jamais cogitei ruptura fora da Constituição”

O ex-presidente Jair Bolsonaro prestou, nesta terça-feira (10), um aguardado depoimento ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no inquérito que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado após o resultado das eleições de 2022.

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Em sua fala, que durou cerca de duas horas, Bolsonaro negou ter articulado qualquer tipo de ruptura institucional, rejeitou a acusação de ordenar a prisão de autoridades, criticou aliados que defenderam medidas autoritárias e, em um momento descontraído, chegou a convidar Moraes para ser seu vice em 2026 — um convite recusado com um sorriso protocolar.

O depoimento ocorre em meio ao avanço das investigações que apuram a existência de uma organização criminosa com o objetivo de subverter o resultado das eleições presidenciais e impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Bolsonaro figura como um dos principais réus do chamado “núcleo político” dessa estrutura, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República.

É a primeira vez que Bolsonaro e Moraes ficam frente a frente e diante das câmeras - Foto: André Borges/EPA
É a primeira vez que Bolsonaro e Moraes ficam frente a frente e diante das câmeras – Foto: André Borges/EPA

Negativas firmes e estratégia calculada

Durante o interrogatório, Bolsonaro negou categoricamente a existência de um plano para derrubar o governo democraticamente eleito, apesar de afirmar que o “golpe seria fácil de começar, mas o ‘afterday’ que é simplesmente imprevisível e danoso para todo mundo”. Ele afirmou:

“Nunca houve hipótese de golpe. Discutimos, sim, alternativas constitucionais, como o estado de sítio. Mas jamais cogitei ruptura fora da Constituição.”

Bolsonaro reconheceu que houve reuniões com membros das Forças Armadas, mas sustentou que esses encontros faziam parte de análises sobre o cenário político e jurídico, e não para arquitetar um levante institucional:

“Tínhamos uma base militar preocupada com os rumos do país, e era legítimo discutir dentro da legalidade.”

Essa fala contradiz, em parte, as delações premiadas de antigos auxiliares do ex-presidente, como Mauro Cid, que apontou a existência de uma minuta de decreto prevendo a prisão de ministros do Supremo e a anulação das eleições.

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A minuta do golpe e o papel de Mauro Cid

Questionado sobre a chamada “minuta do golpe”, Bolsonaro admitiu ter lido o documento, mas negou qualquer participação ativa na sua elaboração:

“Eu vi o texto. Era uma das muitas ideias que circulavam. Mas não foi levada a sério. Era juridicamente inviável.”

Sobre as delações, ele relativizou a fala de Mauro Cid:

“As pressões sobre delatores levam a distorções. O Cid tem uma história comigo, mas hoje ele tem seus próprios interesses jurídicos. Não o condeno, mas não posso ser responsabilizado por tudo que ele disse.”

Desculpas públicas e aceno ao STF

Num movimento que surpreendeu até mesmo aliados, Bolsonaro pediu desculpas a Alexandre de Moraes e aos demais ministros da Corte pelas declarações feitas durante seu governo:

“Se em algum momento fui injusto com Vossa Excelência ou com este tribunal, peço desculpas. Minhas palavras foram retóricas, fruto da pressão, e não refletem uma acusação formal. Não tenho provas contra ministros.”

Esse gesto foi interpretado por juristas como uma tentativa de suavizar sua imagem perante o Judiciário, reforçando uma postura mais moderada na defesa.

Brincadeira com Moraes: “Seja meu vice em 2026”

A audiência também teve momentos de descontração. Em meio à discussão sobre eleições futuras, Bolsonaro ironizou:

“Quem sabe, ministro, o senhor aceita ser meu vice em 2026?”

Moraes, visivelmente surpreso, respondeu com um sorriso contido:

“Não, obrigado.”

Distanciamento de radicais e do AI-5

Ao ser questionado sobre as manifestações antidemocráticas e a defesa do Ato Institucional nº 5 (AI-5), Bolsonaro adotou tom crítico:

“Sempre tive ao meu lado pessoas que eu mesmo chamei de malucos. Gente que falava em AI-5, em fechar Congresso. Eu nunca endossei isso. Me mantive no campo da legalidade.”

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Ele tentou se dissociar das alas mais extremistas do bolsonarismo, embora gravações e falas públicas anteriores apontem para o contrário.

“Punhal Verde Amarelo” explicado por Bolsonaro

Durante o depoimento, Bolsonaro também foi questionado sobre o episódio do chamado “Punhal Verde e Amarelo”, símbolo que gerou grande repercussão e foi interpretado por muitos como um sinal de incitação à violência.

Ao comentar o episódio, o ex-presidente afirmou:

“O punhal verde e amarelo foi uma simbologia minha para mostrar que eu estava armado, que estava disposto a enfrentar as situações, mas sempre dentro da legalidade. Nunca foi uma ameaça concreta, nem incentivo à violência.”

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Bolsonaro ressaltou que o gesto foi uma forma de manifestar força para seus apoiadores, mas descartou qualquer intenção de incitar conflitos ou atos ilegais:

“Isso foi interpretado de forma errada por muitos. Minha intenção sempre foi mostrar firmeza, resistência pacífica, não violência.”

O ex-presidente também fez questão de destacar que, apesar da polarização política e da tensão no país, ele jamais recomendou ou participou de atos violentos.

Discurso após efetivação do Golpe de Estado

Um dos pontos centrais do inquérito é a investigação sobre um suposto discurso de efetivação do golpe de Estado, no qual haveria um plano para decretar medidas autoritárias e desconstituir o resultado das eleições de 2022. Bolsonaro foi diretamente questionado sobre sua responsabilidade em discursos e documentos que indicavam a intenção de ruptura institucional.

Em seu depoimento, o ex-presidente negou veementemente que tenha feito qualquer pronunciamento ou emitido ordens para a concretização de um golpe:

“Realmente, esse papel foi apreendido na minha mesa, e quem mandou para mim foi o doutor Paulo (Cunha Bueno), meu advogado, que extraiu do inquérito. (…) Eu pedi uma cópia, como pedi de outros partes do processo. (…) Esse discurso não é meu, não. Alguém pegou em algum lugar esse discurso aí.”

Bolsonaro ainda criticou as acusações que o vinculam diretamente à organização de uma trama golpista:

“Nunca houve hipótese de golpe. Discutimos, sim, alternativas constitucionais, como o estado de sítio. Mas jamais cogitei ruptura fora da Constituição.”

“Eu tenho plena convicção de que sempre atuei dentro da legalidade, dentro do que a Constituição permite.”

Essas foram os principais temas abordados durante o depoimento do ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro.

Reta final do processo

A fase atual do processo é a de instrução, destinada à coleta de provas. Durante o mês de maio, o STF ouviu testemunhas de defesa e acusação. Agora, os réus têm a palavra. Ainda não houve condenações nem absolvições — isso ocorrerá somente após o julgamento.

A defesa pode permanecer em silêncio, direito garantido por lei, sem prejuízo ao processo.

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Participantes da audiência

As sessões são conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Ele faz as primeiras perguntas aos réus, seguido pelo procurador-geral da República, Paulo Goinet, e pelos advogados de todos os acusados. As perguntas da acusação e da defesa são intermediadas por Moraes, conforme prevê o Código de Processo Penal.

Ordem dos depoimentos

Mauro Cid abriu a rodada de interrogatórios por ser delator. Os demais réus são ouvidos em ordem alfabética. Já prestaram depoimento:

  • Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
  • Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin
  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
  • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI
  • Jair Bolsonaro, ex-presidente

Ainda devem ser ouvidos:

  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
  • Walter Braga Netto, ex-ministro e ex-candidato a vice

Próximos passos

Após os depoimentos, defesa e acusação poderão solicitar diligências complementares. Depois, será aberto o prazo de 15 dias para as alegações finais — documento em que as partes resumem suas teses e apresentam argumentos pela condenação ou absolvição.

Em seguida, o caso poderá ser pautado para julgamento na Primeira Turma do STF, que decidirá se os réus serão condenados ou absolvidos. Ambas as decisões são passíveis de recurso dentro do próprio Supremo.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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