A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de permitir a punição de empresas que adotem sanções estrangeiras sem respaldo jurídico no Brasil provocou um dilema entre os bancos que atuam no país. A questão é clara: seguir determinações da Justiça brasileira ou acatar regras impostas pelos Estados Unidos, como a Lei Magnitsky.
LEIA TAMBÉM: Plataforma X de Musk denuncia violação de acordo jurídico com os EUA
A dúvida não é apenas teórica. Caso uma instituição ignore sanções definidas pelo governo americano, pode ser punida nos EUA. Por outro lado, se cumprir essas medidas no Brasil, corre o risco de ser responsabilizada pelo STF. Esse tipo de impasse já ocorreu em outros países. Na Bulgária, por exemplo, o Bulgarian National Bank não aplicou sanções Magnitsky contra o político Delyan Peevski, alegando que a legislação local não permite acatar medidas impostas por governos estrangeiros.
O caso mais emblemático, entretanto, ocorreu na Suíça, envolvendo os bancos UBS e Credit Suisse, que também atuam no Brasil. Eles tiveram que lidar com fundos de cidadãos russos enquadrados na Lei Magnitsky nos EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália. A Justiça suíça decidiu devolver parte dos valores bloqueados, contrariando pressões internacionais, e a decisão foi contestada pelo Hermitage Capital, fundo de investimentos fundado pelo brasileiro Edmond Safra e pelo britânico Bill Browder, este último um dos principais articuladores da aprovação da lei nos EUA.

Browder criticou o uso da lei americana contra o ministro Alexandre de Moraes, afirmando que a Magnitsky foi criada para punir graves violações de direitos humanos e corrupção em larga escala, não para disputas políticas. “O uso atual da Lei Magnitsky é puramente político e não aborda as questões de direitos humanos para as quais ela foi originalmente elaborada”, disse à BBC News Brasil.
No Brasil, a decisão de Dino estabelece que sentenças judiciais e leis estrangeiras só têm validade se incorporadas por tratados internacionais ou reconhecidas pela Justiça nacional, impedindo que bancos cumpram automaticamente sanções externas sem se expor a punições.

O governo americano, porém, reafirma seu posicionamento: nenhum tribunal estrangeiro pode anular sanções dos EUA ou proteger alguém das consequências de descumpri-las. Entre as penalidades previstas pela lei estão bloqueio de bens nos EUA, restrição de viagens e proibição de transações financeiras com pessoas ou empresas sancionadas.
A insegurança jurídica refletiu rapidamente no mercado financeiro. A Bolsa brasileira caiu no início da semana, em meio à preocupação de investidores sobre como os bancos e multinacionais vão se posicionar diante do conflito entre normas brasileiras e americanas. Instituições como o UBS evitaram comentar publicamente, limitando-se a dizer que cumpre todas as leis às quais está sujeito, sem detalhar medidas adotadas no caso de conflitos legais.
Especialistas alertam que o impasse cria um choque de soberanias, com potencial para gerar consequências jurídicas e econômicas tanto no Brasil quanto no exterior, tornando a atuação de bancos estrangeiros no país mais complexa do que nunca.








