Mais de um mês após o anúncio do tarifaço de Donald Trump, que impôs uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros nos Estados Unidos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mobiliza para apresentar um pacote bilionário de medidas emergenciais. A ação, considerada tardia por especialistas e setores da indústria, ocorre em meio a demissões, suspensão de exportações e transferência de linhas de produção para o exterior, o que já provoca impactos diretos em economias locais.
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O plano será divulgado até quarta-feira e deverá incluir concessão de crédito especial para empresas mais afetadas, aumento das compras governamentais e outras ações para evitar o fechamento de fábricas. A prioridade será atender pequenos e médios produtores que dependem exclusivamente do mercado americano e que, sem alternativas viáveis de exportação, correm risco de encerrar as atividades.
Além disso, será criado um parâmetro de avaliação setorial para medir os efeitos das tarifas, considerando o grau de exposição de cada segmento da economia às exportações para os EUA.
Reintegra volta ao debate
Entre as medidas em análise está o aumento da alíquota do Reintegra — mecanismo criado em 2014 para ressarcir empresas exportadoras por tributos residuais ao longo de suas cadeias produtivas. Hoje, a alíquota está em apenas 0,1%, mas já chegou ao teto de 3% durante o governo Dilma Rousseff. A ideia é retomar patamares mais altos como forma de reduzir o prejuízo imediato causado pela sobretaxa.
O Reintegra já foi um instrumento importante para sustentar a competitividade de exportadores brasileiros, mas sofreu cortes ao longo dos anos, especialmente na gestão de Michel Temer, quando a alíquota foi drasticamente reduzida. A medida, se confirmada, será parte central do plano de contingência em elaboração.
Produtos fora do tarifaço
Paralelamente, o governo tenta negociar com os Estados Unidos a ampliação da lista de produtos brasileiros isentos do tarifaço. Atualmente, cerca de 700 itens seguem pagando apenas 10% de tarifa, entre eles suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis, incluindo motores e componentes.
A estratégia é aumentar esse número para reduzir a pressão sobre cadeias produtivas sensíveis, como a do agronegócio e a da indústria de transformação.
Impactos no Paraná
No Paraná, os efeitos já são sentidos. A fabricante Randa, com sede em Bituruna, especializada em portas e compensados e com 20 anos de exportações para os EUA, anunciou férias coletivas para 800 funcionários. Metade da produção foi suspensa, comprometendo 80% da economia local. Com apenas 15 mil habitantes, Bituruna depende fortemente da empresa para manter empregos diretos e indiretos, além do comércio local.
Ceará entre os mais prejudicados
No Ceará, o tarifaço atinge diretamente o agronegócio de 16 municípios, que exportaram mais de R$ 350 milhões para os EUA no último ano, segundo o Observatório da Indústria da FIEC. Os principais produtos impactados são pescados, cera de carnaúba, água de coco, castanha de caju, mel e melão.
Fortaleza é o município mais afetado em valores, com US$17 milhões exportados no primeiro semestre de 2024. No setor de pescados, lidera com quase US$ 9 milhões enviados aos Estados Unidos.
No primeiro dia de vigência do tarifaço, em 6 de agosto, ao menos 27 contêineres com produtos cearenses tiveram seus embarques cancelados — 20 deles contendo castanha de caju e sete com pescado. Para mitigar as perdas, o Governo do Ceará estuda comprar parte dessas mercadorias e distribuí-las na merenda escolar da rede pública.
O estado é líder nacional na exportação de camarão, lagosta e peixes, com receita superior a US$ 94 milhões em 2022, superando Pará, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
Preocupação com impactos sociais
Governos estaduais e entidades empresariais alertam que, sem um acordo rápido com os EUA, os impactos sociais podem ser severos. A combinação de queda nas exportações, corte de empregos e redução na arrecadação ameaça a estabilidade de cidades dependentes do comércio exterior.
O pacote do governo federal busca não apenas compensar perdas, mas também preservar empregos e evitar o fechamento de empresas estratégicas para a economia nacional.