Em uma era em que vivemos à mercê do marketing digital, a exposição de produtos e serviços por influenciadores nas redes sociais levantou questionamentos sobre os limites entre a publicidade legítima e a propaganda enganosa. A ausência de regulamentações específicas para práticas publicitárias no ambiente online desafia o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e exige uma análise mais profunda sobre responsabilidade e ética.
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Partindo desse cenário, o CEO da Exato Digital e especialista em segurança digital, Leandro Casella, explicou como funciona o segmento de apostas online. Segundo ele, a publicidade legítima começa pela obrigatoriedade de que a empresa seja sediada no Brasil, esteja autorizada pelo governo e siga as regulamentações em vigor desde 2025.

Além disso, a comunicação deve deixar claro que apostas não são investimentos, apresentar as probabilidades dos jogos e esclarecer que há risco real de perda de dinheiro, especialmente em cassinos. O apostador deve ser orientado a tratar as apostas como entretenimento e apostar apenas o que estiver disposto a perder.
O CDC classifica como propaganda enganosa toda publicidade que possa induzir o consumidor ao erro, inclusive por omissão de informações relevantes. Casella exemplifica:
“Propaganda que promete ‘lucro garantido’ ou omite que ‘a casa sempre ganha’ já ultrapassa os limites do permitido”.
No que diz respeito aos limites éticos nas redes sociais, Casella defende que as apostas sejam promovidas apenas como entretenimento:
“De forma alguma as apostas devem ser promovidas como investimento ou como potencial de enriquecimento. Anúncios não devem ser direcionados a menores de 18 anos”.
Ele também aponta que a remuneração com base nas perdas dos apostadores deveria ser proibida, pois isso pode configurar “venda casada” ou incentivo ao vício, o que é vedado pelo artigo 39, inciso I, do CDC. Segundo ele, esse tipo de prática ainda não é fiscalizada, mas “a CPI é um começo”.
Sobre a possibilidade de responsabilização jurídica por anúncios com exageros ou omissões, Casella explicou que, embora ainda não haja jurisprudência específica sobre apostas, é possível traçar paralelos com outros setores:
“Exageros poderiam sim ser enquadrados pelo menos como propaganda enganosa”.
O CDC prevê punições como multas, apreensão de material publicitário e exigência de esclarecimentos. PROCON e Ministério Público também podem instaurar processos por infrações.
Quando se trata da responsabilidade dos influenciadores, Casella afirma:
“Assim como em outros mercados, os influenciadores deveriam sim ser responsáveis pelo que vendem ou recomendam se o fizerem incorretamente, assim como qualquer empresa séria. Até porque sempre existe uma empresa por trás do influenciador”.
Fernanda Despirto Bordignon, coordenadora do escritório Lopes Domingues Advogados, reforça que:
“A linha que separa a publicidade legítima da propaganda enganosa está na clareza e veracidade das informações”.
Ela destaca que, segundo o artigo 37 do CDC,
“toda comunicação que induz o consumidor ao erro — seja por exagero, omissão ou informação falsa — é considerada enganosa”, e alerta para o risco da publicidade disfarçada:
“No ambiente digital, onde publicações muitas vezes disfarçam conteúdos comerciais, essa distinção exige atenção”.
Segundo Bordignon, “influenciadores e marcas têm o dever de agir com ética e responsabilidade, deixando claro quando há intenção publicitária“. Ela acrescenta que, embora o CDC ofereça uma base importante “ele ainda não dá conta de toda a complexidade do marketing de influência”, e que outras normas, como a LGPD, o Marco Civil da Internet e as diretrizes do CONAR, são essenciais para complementar essa proteção.

A advogada destacou ainda que “a responsabilidade pode recair sobre ambos: influenciador e marca”, e que o influenciador “atua como se fosse o próprio fornecedor aos olhos do consumidor”, sendo responsabilizado solidariamente por danos. Além disso, ela ressalta:
“A responsabilidade pode ir além do campo civil, alcançando também a esfera criminal e ética“.
Bordignon apontou que os tribunais têm evoluído nesse tema:
“A Justiça brasileira tem avançado no reconhecimento da responsabilidade dos influenciadores digitais por danos causados aos consumidores“.
Ela cita decisões que condenaram influenciadores por divulgarem cursos fraudulentos ou produtos com efeitos adversos.
“Esses precedentes mostram que, mesmo com lacunas legais, a jurisprudência e os órgãos de autorregulação estão atentos ao impacto da influência digital no consumo”.
Quanto à regulamentação, ela observa:
“Embora ainda não exista uma lei específica para influenciadores digitais, o CONAR publicou um guia exclusivo sobre o tema”, que orienta quanto à clareza na identificação de conteúdo patrocinado. Setores regulados, como o financeiro, também têm exigências próprias, como as da CVM.
Na avaliação de Bordignon, o que caracteriza uma relação comercial é “a existência de uma compensação financeira ou outro tipo de benefício em troca da promoção de produtos ou serviços”, mesmo que informal.
“Ao apresentar um produto de forma persuasiva e comercial, o influenciador passa a ser visto como parte da cadeia de fornecimento”.
Sobre o aspecto ético, Bordignon alertou:
“Promover produtos que não foram testados ou sequer conhecidos pelo influenciador compromete a credibilidade da informação e rompe a confiança com o público”.
Ela afirma ainda que, nesse contexto, “o discurso publicitário se afasta da autenticidade e se aproxima da manipulação.”
Ela reforçou que, para não infringir o CDC, “influenciadores digitais devem adotar uma postura transparente e responsável em suas publicações”. Isso inclui: “Identificar claramente conteúdos patrocinados, evitar omissões, exageros e promessas infundadas”, especialmente em setores sensíveis como saúde e finanças.
Quanto à legislação, Bordignon é enfática: “A legislação brasileira ainda caminha atrás das transformações rápidas do marketing digital”. Entre os principais pontos cegos, ela cita:
“A ausência de regulamentação específica para influenciadores digitais e a indefinição da responsabilidade das plataformas digitais em casos de conteúdos lesivos”.
Ela ressaltou ainda que “outros países têm avançado na regulação do marketing de influência”, como França, EUA e Reino Unido, e que o Brasil deve seguir esse caminho. Segundo Bordignon, o direito pode evoluir com atualizações no CDC e novas normas complementares:
“A autorregulamentação, por meio de entidades como o CONAR, também é uma ferramenta valiosa”.
Ela conclui que “a sociedade tem papel fundamental nesse processo”, cobrando responsabilidade e ética dos influenciadores, e que a atuação do Judiciário continuará sendo essencial:
“A tendência é que o Judiciário continue tendo papel ativo nesse ajuste entre proteção e liberdade”.