O Sylvio é um cara muito envolvido no cenário da arte e da música. Não foi difícil encontrá-lo. Na verdade, cerca de oito meses antes da entrevista, enviei um e-mail para ele, pois queria enviar de presente meus livros que já tinha publicado para. Ele me enviou o seu endereço, e juntamente com os livros, enviei um quadrinho artesanal que faço em azulejos, com o símbolo de sua banda “Putos Brothers Band”.
Nesta época ainda nem pensava em fazer o programa Plunct, Plact, Zum. Mas acredito que nada seja ao acaso, e meses depois lá estava eu pedindo seu contato telefônico para fazermos esta entrevista.
LEIA TAMBÉM: Morre Wilson Aragão
Conversamos bastante, e descobri que seu filho estudava engenharia na Universidade de São Carlos, na minha terra natal, e a mesma que produzia o programa de rádio. Mais uma vez, fui muito bem recebido, e não podia ser ao contrário, visto que amigos de Raul tendem a ser deste tipo.

Foto: Acervo Raul Rock Club
Ricardo Lacava – Sylvio, eu queria começar lendo um trecho aqui do livro Coisas do Coração, escrito por Kika Seixas e lançado recentemente em 2020, onde o seu nome aparece aqui em diversos momentos.
Em um deles ela diz assim, abre aspas: “Uma surpresa muito bem-vinda foi quando um rapazola nos telefonou no início de junho de 1981, pedindo autorização para criar um fã-clube para Raul Seixas, que se chamaria Raul Rock Club. A ideia para mim foi completamente estranha, mas o Raul adorou a sugestão, pois ele próprio havia fundado o primeiro fã-clube do Elvis Presley em Salvador no dia treze de julho de 1959. Foi assim que o Sylvio Passos entrou na nossa vida e se tornou um amigo e confidente que o acompanhou desde então até sua morte em vinte e um de agosto de 1989”.
Então eu queria que você contasse um pouco desse primeiro encontro com o Raul em 1981 e a ideia do fã-clube… como surgiu, quantos anos você tinha, qual foi aquela sensação, visto que a partir daquele momento você acompanhou o Raulzito até o final da sua vida.
Sylvio Passos – Salve, salve galera, boa noite, bom dia, boa tarde… porque a gente ouve hoje – nesses tempos modernos -, a gente pode não estar ouvindo em tempo real, e pode estar ouvindo em qualquer outro tempo real, só que não nesse tempo real. Uau, Silvícola, que confusão é essa? Bom, primeiramente um obrigado pelo convite para participar aqui do programa, acho sempre muito necessário estar se falando de Raul, das suas ideias. Raul era um cara completamente fora da caixa, sempre foi, né? E nesses tempos modernos, século XXI, precisamos estar fora da caixa, não dentro de bolhas, né? E às vezes mesmo fora da caixa estamos dentro de alguma bolha, mas isso é assunto para outro programa.
Cara, eu conheci Raul, eu tinha dezessete anos de idade, e um menino de dezessete anos de idade, de uma família nordestina, que veio para São Paulo, morando na periferia… falando negócio de bolha, eu já estava fora da bolha, da caixa, de tudo, né? Eu queria saber… minha mãe, meu pai… minha mãe queria que eu fosse médico, meu pai queria que eu fosse engenheiro, eu não queria ser nada disso, e vivia trancado dentro de casa, só podia sair para ir para o colégio, e eu queria saber o que existia além do portão da minha casa. Até que um dia eu saí… olha que sorte que eu dou, quando eu saio do portão da minha casa aos dezessete anos de idade, encontro ninguém mais, ninguém menos que Raul Seixas, né? Essa história é longa, complexa e que mudou… esse é meio lugar comum, né? Falar de, olha, foi um divisor de águas… eu não posso falar de um divisor de águas com dezessete anos de idade preso em casa, mas de certa forma foi, porque embora papai e mamãe quisessem que eu seguisse alguns cursos, algumas profissões, algumas coisas dentro da caixa, eu queria fazer coisas fora da caixa, queria ser jornalista, queria ser psicólogo, e eu lembro que psicologia naquela época era uma coisa voltada só para mulheres, a maioria das meninas queriam fazer psicologia, e quando eu falava que queria fazer psicologia, o pessoal gozava da minha cara, “você quer fazer psicologia, kkk” (risos). Cara, aí cheguei na casa do Raul com dezessete anos de idade, enfim, eu tinha dezessete anos de idade. “Eu tenho apenas dezessete anos”… (cantando uma melodia).
LEIA TAMBÉM: Entrevista: Wanderléa fala sobre Raul Seixas
Ricardo Lacava – Bom, então a gente observa, Sylvio, que você foi um personagem muito importante nessa jornada de Raulzito, tanto quando ele ainda estava em vida, quanto postumamente, né? Separei uma outra parte aqui do livro Coisas do Coração, onde Kika Seixas diz “Sylvio Passos já acompanhava o Raul há três anos, desde junho de 1981. Quero abrir aqui um parêntese para agradecê-lo por esses quarenta anos de dedicação. Eles se tornaram grandes amigos e cada vez mais próximos à medida que a saúde do Raul piorava”. E o próprio Raul costumava dizer, né: “Falem com Sylvio Passos que ele sabe de mim melhor do que eu mesmo”. Inclusive, aquele jeito de Raul sempre apelidar carinhosamente seus grandes amigos costumava te chamar de Silvícola, né? Então a gente observa que essa amizade se concretizou de maneira muito forte. Inclusive, Raul deixou muito material não publicado sob sua guarda, como fitas raras, escritos inéditos, reportagens… Eu queria então que você nos contasse da sua participação nesses lançamentos postumamente de Raul com esses discos raros, materiais inéditos e dizer para a gente se ainda existe algum material que possa vir a ser publicado ainda no futuro.
Sylvio Passos – Ah, o Raul, cara (risos). O Raul fazia isso mesmo. E, na verdade, é que ele não tinha saco para ficar respondendo as mesmas coisas a vida toda. Então ele jogava esse abacaxi no meu colo. “Pergunta para o Sylvio que ele sabe mais de mim do que eu mesmo”. Ele, na verdade, não tinha saco para ficar respondendo. E com relação ao material inédito, tem muito aqui comigo. Tem muita coisa lá com a Kika também. Esse material vai ser lançado de maneira mais honesta, pagando direitos autorais. Eu sempre fiz um trabalho nesse sentido. Porque o pessoal cobra muito de mim. Ah, você devia postar tudo lá no YouTube, não sei onde… Cara, eu não vou postar esse material sem um tratamento, sabe? Eu não altero a gravação. Eu dou uma melhorada nos graves, médios e agudos ali. A gente tira uma poeirinha, dá um brilho na gravação, mas não mexo na gravação da forma que ela foi gravada originalmente. Então meus trabalhos, inclusive, você pode ver os discos todos que eu lancei, sempre trabalharam em cima disso, sempre foi pautado em cima disso. Então, sim, existem muitas coisas inéditas do Raul a serem lançadas, mas vamos lançá-las de forma honesta, que as herdeiras recebam as suas partes, que os parceiros recebam, que os músicos ou não músicos recebam também. Tudo de uma maneira muito honesta, muito clara, muito transparente. É aguardar o tempo, o Brasil é complexo para se lançar coisas, enfim. Mas a gente vai lançando dentro da medida do possylvio. É isso.
LEIA TAMBÉM: A música está no sangue! Entrevista com a DJ Vivian Seixas – A filha caçula de Raulzito
Ricardo Lacava – Dando sequência à nossa entrevista com Sylvio Passos. Sylvio, outro fato é que você chegou a publicar alguns livros sobre a vida e a obra de Raul, como Raul Seixas por ele mesmo. Outro livro também, em parceria com Toninho Buda, intitulado Raul Seixas, uma antologia. Além desses dois livros, também existem muitas outras obras de outros autores no site oficial do Raul Rock Club, onde você oferece alguns links para encontrar estes livros. Queria que você falasse um pouco sobre eles.
Sylvio Passos – Os livros do Raul, né… livros que abordam a vida e a obra do Raul, quer dizer, eu fui o primeiro a publicar, fui o primeiro autor a publicar uma obra sobre Raulzito. Em 1990, nenhuma editora acreditava que algum livro sobre Raul Seixas pudesse ter algum resultado para elas, para as editoras.
E aí, a Martin Claret Editores também não acreditava. Eu lembro que eu cheguei no Martin Claret com o Raul Seixas Antologia embaixo do braço, que eu já vinha escrevendo esse livro até com o próprio Raul ainda vivo. Eu falei, “Raul, quero fazer um livro sobre você, vou escrever”. E aí ele traduziu algumas… eu achava fundamental botar as letras das músicas nesse livro, né? E o próprio Raul traduziu as músicas em inglês, que por mais que eu pudesse traduzir, eu jamais faria uma tradução dessas canções em inglês como o próprio autor. E Raul traduziu, e essas traduções estão em uma antologia feitas pelo próprio Raul. E eu cheguei lá no Martin Claret… quero lançar um livro sobre Raul e tal, tô com ele pronto aqui. Aí o seu Claret, o editor, ele coçou o nariz assim, sabe, aquela coisa de coçar o nariz, coçar a barba… Seu Claret, barbudinho também… Falou, “ô professor Sylvio”, é assim que ele falava, “Olha, eu não sei se esse Raul Seixas vai vender”. Isso era em 1990, não tinha nem um ano ainda que Raulzito tinha falecido. E eu acreditando no livro, né, pô, esse livro vai bombar, mas eu não estava acreditando em bombar, em questão econômica, eu estava acreditando que ele ia bombar, que ia chegar em pessoas que queriam saber do Raul e não tinham muitas informações. O seu Claret falou, “Olha”, eu queria lançar uma antologia, uma antologia… era Sylvio Passos apenas. Ele falou “ô, bom livro, gostei, mas eu não sei se isso vai vender, nananã, nananã… Nós temos uma coleção aqui na editora chamada O Autor por Ele Mesmo. Você faz um livro para essa coleção chamado Raul Seixas por Ele Mesmo, e você, de acordo com a vendagem desse livro, aí a gente vai ver se lança ou não esse teu Raul Seixas, uma antologia”. Isso era em 1990. Muito bem, lá fui eu… como que é o esquema dessa coleção? Ele me deu a coleção completa de todos os livros que já haviam lançado antes, eu li todos eles, entendi como era a mecânica da coleção, então montei o Raul por Ele Mesmo. Levei lá pro seu Claret uma mala cheia de reportagens e fotos e o cacete todo. Seu Claret falou, “tá ok”, condensou aquilo, filtrou, porque ele era o editor… o dono da editora filtrou… o que eu levei dava para fazer dez livros. “Não, meu filho… professor Sylvio, é muita coisa, não precisa de tudo isso”. Aí ele deu uma filtrada e lançou o livro Raul Seixas por Ele Mesmo.
Em uma semana, o livro bateu recorde de vendagens. Ele falou, “nunca vendemos tanto livro na história da editora”… em uma semana esgotou a primeira edição. A edição tem cinco mil exemplares, e teve que lançar a segunda ou a terceira, e foi lançando esses livros a vida toda. E a partir daí, ele falou, agora vamos lançar o Raul Seixas, uma antologia. Isso era 91 já, de 90 para 91. Aí ele falou, “pô, tá muito bom, mas tá faltando…” O editor é ótimo, porque ele tem essa ótica. Ele falou, “tá faltando algo, mas você tem alguém que possa escrever um perfil ideológico?”. Porque eu fiz o perfil biográfico, o perfil mais analítico do Raul. Falei, “pô, tem o Toninho Buda, que escreve bem pra caramba, um cara inteligente e tal”. Claret falou, “Será que ele escreve? Mas a gente tem só duas semanas, velho”. Liguei pro Toninho, falei,” Toninho, eu preciso de um texto, tô lançando um livro pela editora e tal, a Martim Claret. Seu Claret quer que tenha um texto analítico sobre a obra do Raul. Você consegue produzir esse texto em menos de uma semana?”. Cara, em dois dias o texto estava pronto. Toninho virou noite escrevendo e mandou um calhamaço, e o seu Claret filtrou de novo, e virou o Raul Seixas, uma antologia. Um livro que ficou doze anos no mercado, teve vinte e duas edições… hoje só se encontra em Sebos. Esses livros já não existem mais no mercado convencional.
E eu participei de todas as outras publicações, né? Tudo que foi publicado do Raul depois, trabalhos acadêmicos ou não, sempre chamam o Silvícola pra dar um depoimento, escrever alguma coisa, enfim. Eu tô carregando isso numa boa.

Foto: Acervo Raul Rock Club
Ricardo Lacava – Dentre estes praticamente dez anos que você viveu em contato direto com o Raul, dentro de sua casa, com diversos diálogos, queria que você deixasse aqui para a gente uma história especial, uma que te tocou a alma, que ficou enraizada na sua cabeça. Tem alguma delas em especial para a gente?
Sylvio Passos – Cara, quase uma década junto com o Raul. Eu tenho uma década de histórias. Isso viraria uma enciclopédia, talvez só de histórias, sem verbetes. Enciclopédia sem verbetes (risos)… já está totalmente fora do que normalmente é uma enciclopédia. Mas a história, assim, são várias. Eu lembro lá do problema com dentes, problemas com mulheres, com fãs…
Mas tem uma que eu acho muito emblemática, que foi o último encontro, a última vez que eu e o Raul olhamos um nos olhos do outro. Eu estava, nessa época, no meu primeiro casamento. Eu era supervisor de vendas do Círculo do Livro, que infelizmente não existe mais. Eu tinha um grupo de vendedores de livros. Vender livro é uma coisa difícil, bater de porta em porta. Não é testemunha de Jeová, não! A gente está trazendo aqui um Kafka, um Dostoievsky ou um Platão, um Sartre, um Jung, um Freud… Era bater de porta diferente. Não era dogmático. Esse último encontro foi foda porque o Raul morava ali na Frei Caneca, e eu estava com esse circuito de vendedores ali pela região e falei, “porra, vou lá fazer uma visita pro Raul”. Cheguei lá no prédio, ali na Frei Caneca, subi e o Raul estava introspectivo, como já estava no final da vida, assistindo uma fita em preto e branco do Elvis, quando o Elvis ainda era puramente rock and roll, rockabilly. E aí eu sentei do lado dele, ele abriu a porta, tal, tal, entrei ali no apartamento, e ficamos assistindo aquela fita, num silêncio que era só o Elvis que falava, que cantava e que requebrava na televisão naquela imagem em preto e branco. (Silêncio). O tempo passou. Nós absolutamente em silêncio, sem trocar… a gente só trocava a respiração, nada além disso, e a admiração pelo Elvis ali em preto e branco requebrando na tela da TV. Aí, cara, eu tinha que ir embora. Falei, “Raul, tenho que ir embora”. Raul não falou nada, levantou, foi até a porta do apartamento, e eu tô saindo, apertando o botão do elevador, e aí Raul abre a porta, assim, pela fresta, ele diz “Silvícola, essa foi a melhor conversa que nós tivemos em toda nossa vida”. Nós não trocamos nenhuma palavra além de respiração.
“Solidão e solitude. Coisas que, paradoxalmente, amo.
Me movimentam. Sabe?
Sabe porra nenhuma”

Foto: Acervo Raul Rock Club
Ricardo Lacava – Bom, Sylvio, eu queria que você falasse um pouco desse envolvimento do Raul Rock Club, que além de um fã-clube, ele era muito envolvido com as atividades que o Raul realizava ali na sua produção artística, né? Inclusive você participou da produção de diversos discos, Metrô Linha 743 em 84, Raul Rock Seixas em 86. Kika Seixas costuma chamá-lo de Enciclopédia Raulseixista, tamanha a quantidade de informações que você tem sobre Raulzito. Então você se tornou uma referência para fãs, estudantes, roteiristas, cineastas e qualquer pessoa que queria saber um pouco mais sobre a vida e a obra de Raul, né? A mãe de Raul, Dona Maria Eugênia, deixou sob a sua guarda parte do acervo do baú do Raul. Então eu queria que você contasse um pouco desse envolvimento, de suas viagens junto com o Raul, os shows, participação nas gravações, enfim, fale um pouco aí sobre essa parte que você participou tão ativamente na vida de Raul.
Sylvio Passos – Olha, cara, é assim, eu tenho uma máxima minha que eu digo o seguinte, não importa o que esteja acontecendo ou o que você esteja fazendo, quer dizer, não julgue o que você está fazendo, simplesmente faça, porque a gente fica, mas será que o que eu estou fazendo é bom, será que o que eu estou fazendo é ruim, será que eu estou fazendo papel de palhaço, será que eu estou pagando o mico, né? Enfim, não se preocupe, eu estava nessa condição de não me preocupar com isso, eu vou fazer, cara, o que eu tenho que fazer, eu sempre fui muito cara de pau, quando garoto, hoje não, hoje eu sou mais contido… Olha que louco, naquela época eu falava muito pouco e fazia muito mais, hoje eu estou falando muito mais e não sei se eu estou fazendo muito pouco, mas eu estou fazendo, né? Então, cara, Raul me levava para todos os lugares, eu não tinha noção da dimensão do que era aquilo, eu simplesmente estava vivendo aquele momento sem questionar nada, sabe? Você está vivendo um momento assim, um momento da sua vida e eu era simplesmente um garotinho de vinte anos de idade, hoje eu tenho sessenta, então, cara, a partir do momento que eu entrei na vida do Raul, não foi só como um fã, né? Essa coisa de fã se diluiu muito rápido, já não havia mais aquela coisa de fã-ídolo, nos tornamos amigos, eu fazia parte do cotidiano, eu estava praticamente todos os dias na casa do Raul. Ele me chamava quando eu não podia ir, ele mandava um táxi me buscar, estou mandando um táxi te buscar e vem para cá, e aí a gente ia para estúdios, para estúdios de gravação ou para estúdios de televisão, de rádio, de jornais, de revistas, enfim, eu era ali uma figura presente o tempo todo, por mais que eu ficasse quietinho, caladinho, só observando e aprendendo, né? Então, hoje eu olhando para esse momento, porra, como isso me é muito gratificante, o Raul ter me permitido isso, porque tudo isso era a vida dele e quem poderia estar de alguma forma participando ali, se não com a permissão dele, né? Então, Raulzito me permitiu isso, eu digo até que Raul foi o meu professor, e talvez eu tenha sido o único aluno presencial, ele estava me ensinando ali coisas, eu acredito que muito conscientemente, eu que não tinha a consciência que estava ali como aluno, como aprendiz, né? E hoje, o que eu faço da minha vida, com a minha banda, com o teatro, com tudo que eu faço, eu devo muito a essas coisas que o meu professor Raulzito me passou nessa época. É isso.

Banda Putos Brothers Band Foto: Redes Sociais.
Ricardo Lacava – É isso aí, Raulzito, o nosso grande professor. Sempre enfatizo que muitos de nós fomos doutrinados pela discografia de Raul Seixas, é isso aí. Sylvio, eu participo de um grupo no WhatsApp, só sobre o Raul Seixas, que tem diversos fãs do Brasil inteiro, e quando eu falei que ia estar rolando essa entrevista, sugeri para eles se tinham alguma pergunta em especial para estar fazendo, e aí eu selecionei três delas. A primeira é, qual o prato entupido de comida que o Raul mais gostava? A segunda delas, houve um show aqui em São Carlos, em 1983, que foi um show memorável, e eu acho que você estava presente. Eu queria que você comentasse um pouco sobre ele. E a nossa terceira pergunta é uma pergunta um pouco difícil, né? Visto a tamanha quantidade de música boa que o Raul compôs e gravou, eu queria saber qual a sua música preferida do Raul Seixas.
Sylvio Passos – Opa, opa, pois é, o prato de comida, o Raul gostava muito… Cara, o Raul curtia muito filé mignon, malpassado. Ele falava assim, o bom do filé é que ele é a carne molinha e tem que só dar uma douradinha, tem que estar pingando sangue, e realmente aprendi com o Raul comer um filé malpassado, por conta de a gente estar sempre comendo um filezinho malpassado e tal, assim, quase sangrando, quando você corta ele tem que estar meio vermelho, ainda é muito saboroso. E massas, o Raul gostava muito de massa também, lembro que ele gostava de língua de boi, enfim, era um cardápio bem variado, depende da situação.
Com relação 83, quem estava vendendo os shows do Raul era o Casagrande, jogador de futebol, e esse show de São Carlos tinha a ver com o Casagrande. Nós fizemos três cidades, acompanhei todos eles. Eu tenho algumas fotos que eu fiz de São Carlos, eu me lembro disso, eu só não sei onde elas estão, que era aquela época ainda de filme, de câmera, acho que é 36mm, 35mm, nem lembro mais. Eu lembro que acho que eu gastei um rolo todo, doze, você podia fazer doze fotos, ou vinte e quatro ou trinta e seis, eu não lembro que rolo, acho que era um rolo de doze, eu devo ter feito aí, e você batia doze fotos, queimava treze, e as outras ainda saíam mais ou menos, ia mandar revelar, enfim.
E para mim não é difícil responder sobre a música, não, é muito fácil. Eu gosto de absolutamente todas as músicas, todos os álbuns, não tem nenhum assim que eu falo, não, cada um tem um conceito, tem uma forma de ouvir, de entender a situação ali da gravação, das músicas, mas a música que eu sempre falo é Metamorfose Ambulante, porque foi através dessa música que eu quis saber quem era Raul Seixas, então essa para mim é a música mais importante. Se eu não tivesse ouvido Metamorfose Ambulante e questionado, talvez, não, acho pouco provável, minha história na música é ampla, mas é Metamorfose, a minha música favorita é Metamorfose Ambulante, a que foi por conta dessa música que eu procurei saber, quero saber quem é esse cara, vou conhecê-lo, e aí a história daí pra frente você já conhece, né, acabamos nos tornando amigos, fundei fã clube, nãnãnã… É isso.
LEIA TAMBÉM: Entrevista Inédita: Wilson Aragão, o compositor de Capim Guiné
Ricardo Lacava – É, realmente, Metamorfose Ambulante é uma música que faz a gente refletir. Eu queria que você contasse, nesses dez anos de convivência com Raul Seixas, diga pra gente mais uma daquelas histórias memoráveis, aquelas inesquecíveis que ficaram na memória, pra que todos os fãs possam saber um pouco mais do nosso grande ídolo, Raulzito.
Sylvio Passos – Uau, (risos) contar uma história com o Raul, cara, foram dez anos praticamente de histórias, e eu não sei realmente, eu contei no meu último encontro com ele, né, então vou fechar aqui falando sobre o primeiro encontro, que acho que eu não falei, nem na primeira parte, nem agora na segunda.
O primeiro encontro se deu quando eu tinha dezessete anos de idade, eu liguei pra ele, consegui o telefone através do Luiz Antônio do fã clube dos Beatles, do Cavern Club… e eu tava tremendo ligando pro Raul… imagina eu, menininho, né, eu vou ligar pro Raul Seixas, eu vou falar o que pra ele? Pô, o que eu tenho pra falar pro Raul? Aí ensaiei, ensaiei, pra não falar nada… simplesmente liguei, tremendo, o coração saltitando, achando que um garçom… um garçom não, um mordomo ia atender o telefone… porque eu achava que o Raul morava numa mansão, feita o Graceland… era meio Elvis Presley, assim e tal… Nada disso, quando o telefone… eu liguei, 5, 4, 9, 18, 44… sei lá o número, mas era um número pequeno assim… naquela época os números eram pequenos, e achando que iria atender o mordomo lá, aí atendeu: “alô”, aí falou: “alô, quem é?”, “É o Sylvio, eu queria falar com o Raul”, “Ô, Sylvio Santos, eu faço o seu programa”, e eu falei, “aqui não é o Sylvio Santos, meu nome é Sylvio Passos, eu tô fundando um fã clube do Raul Seixas, queria pedir autorização”.
Era o próprio Raul que atendeu, completamente bêbado. E aí, “ô, um fã clube pra mim, nunca ninguém fez um fã clube pra mim, você pode vir almoçar aqui comigo pra me contar isso?”. Cara, eu desacreditei naquela época, não, isso não é real, eu tô sonhando, mas era um sonho real mesmo. Dois, três dias depois, lá tá o Silvícola, menino, cabeludinho, magrelinho, metido a rockstar, roqueirinho da década de oitenta, na casa do Raul Seixas… Cara, eu achando que ia chegar numa mansão, né, uma coisa, ó, o cara mora no Brooklyn, é um bairro nobre aqui de São Paulo, e eu morando na periferia… Aí eu cheguei lá, porra, Rua Prata, Rua Ouro, Rua Diamante, sei lá, o Raul morava na Rua Rubi, era a única rua que não tinha asfalto, não tinha pavimentação, a rua de barro, de terra, quando chovia ali era um lamaçal desgraçado. E morava num sobradinho modesto, bacana… um sobrado bacana, mas, enfim, tinha um Galaxy Landau que mal cabia na garagem, e entrei pra conhecê-lo… e me recebeu super bem, já me botou o apelido de Silvícola. Enfim, esse primeiro encontro virou um segundo encontro, virou uma vida inteira de encontros e alguns desencontros.
Ricardo Lacava – Sylvio Passos, queria agradecer novamente pela presença, pela disponibilidade de estar rolando aqui esse papo, essa entrevista, durante nossos dois programas, o último programa e esse daqui, dizer que é um prazer imenso recebê-lo aqui, e queria que você deixasse as considerações finais aí pra galera, fãs do Raul Seixas, com a palavra, diga lá, Sylvio, é com você.
Sylvio Passos – (Espirra!) Um espirro, e um espirro quer dizer que você ainda respira, né? Eu sofro de rinite, e bem, acabei de dar um espirro aqui, provavelmente eu vou dar outro (Espirra novamente). Que é mais humano que isso? Humano, demasiadamente humano. Valeu galera, muito obrigado. Quero deixar pra vocês o meu espirro de agradecimento. (Espirra). Mais um espirro de agradecimento. Long live rock and roll, long live Raul. Espero estar logo, logo aí com vocês em São Carlos. Bye bye, beijos e abraços a todos. Fui, com o meu espirro, o do rock and roll. Ó, ó, ó… (quase espirra). Não veio, mas tudo bem.
Eu acho que eu fecho aqui o programa. E tudo acaba onde começou. Toca Raul, gente, obrigado. Vocês me acham também, Sylvio Passos, escreve lá, o meu primeiro “i” é um “y”, que é uma macumba lá da década de setenta. Meu nome é com “i”, mas uma menina resolveu que eu tinha que botar um “y”. Eu acreditei nela. Então vocês me acham fácil aí nas redes sociais, todas, todas as redes. Twitter, Instagram, LinkedIn, Facebook, sei lá, o que tiver aí, eu tô lá. YouTube também, né? É isso. Muito obrigado e volto aqui sempre que me pedirem. Espero estar presencialmente, fisicamente em São Carlos daqui a pouco. É isso, beijos e abraços a todos e Toca Raul. Fui, bye bye, tchau!
Entrevista realizada 08 de julho de 2023