Um ano depois: como estão os estádios Beira-Rio e Arena do Grêmio, símbolos do futebol e da luta de Porto Alegre, após enchentes

Em maio de 2024, Porto Alegre e o Rio Grande do Sul enfrentaram um dos maiores desastres naturais de sua história recente. As chuvas torrenciais e as enchentes que tomaram conta da cidade não apenas arrasaram milhares de lares e ruas, mas também abalaram dois dos maiores símbolos da identidade local: os estádios Beira-Rio e Arena do Grêmio. Estes locais, com mais de 50 anos de história e imortalizados nas memórias e corações dos torcedores, viraram epicentros de uma luta de resistência e reconstrução, que reflete não só a força do futebol, mas a fragilidade de uma cidade que, ainda assim, resiste.

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Um ano após a tragédia, os estádios, que simbolizam o coração da cidade, são agora metáforas de uma Porto Alegre dividida entre o orgulho de sua recuperação e a frustração pela lentidão das respostas institucionais. A reconstrução das arenas se tornou uma história de superação, mas também um lembrete das cicatrizes deixadas por uma tragédia que não deveria ter ocorrido – e das falhas sistêmicas que ainda ameaçam a cidade.

Beira-Rio: a reconstrução do orgulho, mas com cicatrizes profundas

O Beira-Rio, que foi completamente submerso por 11 dias, viu suas estruturas básicas serem devastadas pelas águas do Guaíba. O gramado, vestiários, sala de imprensa e sistemas elétricos ficaram irremediavelmente danificados, enquanto o nível térreo, que abriga museu e outras áreas, ficou debaixo d’água, com perdas incalculáveis. Porém, o Internacional, em uma demonstração de resistência, conseguiu reconstruir o estádio em tempo recorde.

Com mais de 600 profissionais envolvidos e um esforço conjunto, o Beira-Rio voltou a ser palco de jogos em 7 de julho de 2024, apenas dois meses após a tragédia. A recuperação foi possível, em grande parte, graças ao investimento de R$ 19 milhões vindos de seguradoras, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e de acordos administrativos com a prefeitura e governo estadual. O resultado foi um estádio pronto para receber 33 mil torcedores, com a grandiosidade que sempre representou para os colorados.

Entretanto, esse retorno ao futebol não se deu sem uma carga política e social significativa. O vice-presidente de Patrimônio do Inter, Gabriel Gonçalves Nunes, revelou que o clube precisou, em alguns momentos, se mobilizar politicamente para agilizar o processo de recuperação.

“As conversas com o poder público foram intensas, mas também difíceis. O Inter se viu na obrigação de não só recuperar o Beira-Rio, mas também se posicionar de maneira firme sobre as falhas estruturais da cidade e da falta de planejamento do Estado”, disse Nunes.

Enquanto o Beira-Rio, hoje, brilha novamente, ele é, também, reflexo da desigualdade estrutural que ainda persiste nas regiões mais periféricas de Porto Alegre, que, em muitos casos, ainda esperam pela ajuda que deveria ter sido disponibilizada mais rapidamente.

“Não foi só o gramado que foi destruído, foi o que estava por trás disso tudo. A cidade, com suas falhas estruturais, não estava preparada para esse tipo de evento, e o futebol, mesmo sendo um alicerce, não pode mascarar a falta de preparo da gestão pública”, afirmou o urbanista e especialista em gestão de desastres naturais, Carlos Gomes.

Arena do Grêmio: os desafios de uma recuperação lenta

Se a recuperação do Beira-Rio foi rápida, o mesmo não se pode dizer da Arena do Grêmio. Submersa por 23 dias, a arena sofreu danos igualmente graves, com o campo, vestiários e várias outras instalações comprometidas. No entanto, a história de recuperação do Grêmio foi mais lenta, com obstáculos impostos pela gestão privada e pela burocracia institucional.

Diferentemente do Inter, o Grêmio não teve o mesmo apoio de verbas públicas e enfrentou dificuldades em obter recursos rápidos para as reparações. Durante os meses de recuperação, a torcida, impaciente, organizou protestos e manifestações em frente ao estádio.

“A Arena é nossa casa. Não podíamos ver aquilo sendo negligenciado enquanto o Inter já estava jogando. Queremos o Grêmio de volta com tudo!”, comentou um dos torcedores durante um ato de cobrança.

A Arena só foi liberada para jogos com capacidade restrita em setembro de 2024, e o retorno à sua capacidade total só ocorreu em outubro. Até hoje, algumas áreas ainda necessitam de reparos, o que não deixa de ser uma frustração para a torcida gremista, que sente que a recuperação de seu templo foi marcada pela falta de agilidade.

“Não foi só o estádio que demorou a se recuperar. A nossa confiança também foi abalada”, afirmou o ex-presidente do Grêmio, Romildo Bolzan, em entrevista à imprensa.

“Tivemos que enfrentar uma série de dificuldades, não apenas pela dimensão dos danos, mas também pela falta de recursos rápidos. Isso nos deixou vulneráveis em muitos aspectos, e foi preciso muito esforço interno para que conseguíssemos dar resposta ao que se esperava.”

A dor coletiva e as lições não aprendidas

Os estádios Beira-Rio e Arena, agora recuperados em parte, simbolizam muito mais do que a capacidade de resiliência dos clubes de futebol. Eles representam, também, o quanto Porto Alegre, enquanto cidade, ainda precisa evoluir. A fragilidade da infraestrutura pública e a falta de um planejamento eficaz para lidar com desastres naturais expuseram não só os erros da gestão pública, mas também as desigualdades sociais da cidade.

Enquanto os estádios foram reconstruídos com grande mobilização, a mesma rapidez não se reflete nas comunidades periféricas, que ainda sofrem com a falta de apoio e infraestrutura básica. O episódio das enchentes escancarou as falhas de um sistema que prioriza grandes projetos e eventos em detrimento da proteção da população mais vulnerável.

Arredores alagados – Reprodução Redes Sociais

“A reconstrução dos estádios foi importante, mas não podemos esquecer dos milhares de lares que ainda precisam de ajuda”, lembrou a ativista social Mariana Costa, que atua em comunidades carentes da cidade.

“O futebol tem um poder simbólico, mas a verdadeira reconstrução da cidade precisa começar por quem mais sofreu.”

Porto Alegre em reconstrução: o que o futuro reserva?

Vista aérea de Porto Alegre afetada pelas chuvas do inicío do ano — Foto: Ricardo Stuckert / PR

A cidade, um ano após a tragédia, segue marcada pelas cicatrizes deixadas pelas águas. Mas também pela determinação em reconstruir o que foi perdido – e aprender com os erros. A luta não termina nos estádios; ela precisa se estender às comunidades, às famílias e às ruas que ainda esperam por respostas.

O futebol, neste contexto, serve como um reflexo da força coletiva e da esperança. Mas é preciso lembrar: enquanto a bola rola, a cidade precisa continuar a trabalhar por um futuro mais justo e preparado. Um futuro onde as águas não tragam apenas destruição, mas também a oportunidade de renascimento.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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