O São Paulo Futebol Clube, um dos clubes mais tradicionais do futebol brasileiro, viveu nas últimas décadas ciclos de conquistas esportivas e turbulências administrativas que moldaram sua trajetória recente. A partir de 2011, com mudanças estatutárias que permitiram a permanência de Juvenal Juvêncio em um terceiro mandato, o clube passou a enfrentar uma combinação complexa de centralização de poder, disputas internas e decisões de curto prazo voltadas à obtenção de resultados imediatos.
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Essa reconfiguração institucional criou um padrão em que políticas de gestão, finanças e contratações frequentemente se chocam com a necessidade de sustentabilidade de longo prazo, influenciando diretamente os sucessivos mandatos que se seguiram.
A chegada de Júlio Casares à presidência, em 2021, trouxe promessas de profissionalização, equilíbrio financeiro e decisões técnicas no futebol, alinhando-se a um desejo antigo de conciliar títulos com responsabilidade administrativa.
No entanto, a prática mostrou-se mais complexa: entre 2021 e 2024, o clube realizou cerca de 45 contratações, muitas delas de alto custo e retorno limitado, enquanto tentava reconectar-se emocionalmente com a torcida e manter competitividade em torneios nacionais e internacionais. O contraste entre discurso e ação evidencia o dilema central da gestão: equilibrar a necessidade de resultados esportivos imediatos com a disciplina financeira e estrutural.
O ano de 2024 representou o ponto crítico dessa equação. Com um déficit recorde de R$ 287 milhões e dívida consolidada próxima de um ano de faturamento, o clube precisou adotar medidas emergenciais, como venda de jovens talentos, cortes na folha e reestruturação de ativos da base de Cotia. O cenário atual combina êxitos esportivos, como a conquista da Copa do Brasil de 2023, com desafios financeiros e políticos que repercutirão nas eleições de 2026.
Os tópicos a seguir detalham esse contexto, analisando contratos, custos, decisões estratégicas e caminhos possíveis para o futuro do São Paulo FC, oferecendo uma visão abrangente da tensão entre glória esportiva e sustentabilidade institucional.
As informações apresentadas neste texto foram compiladas a partir de veículos de imprensa, como UOL Esporte, Globo Esporte, O Globo, Gazeta Esportiva, Bola Vip, ESPN, Arquibancada Tricolor, Blog do São Paulo e demais que cobriram a mudança estatutária de 2011, as eleições e decisões internas do São Paulo FC, além de reportagens sobre as gestões de Juvenal Juvêncio, Carlos Miguel Aidar, Leco e Julio Casares.
Foram consultados documentos jurídicos e decisões do TJ-SP e do STF, referentes às contestações sobre a reeleição de Juvenal e impactos na governança do clube. Também se baseou em trabalhos acadêmicos sobre gestão e governança de clubes de futebol, como pesquisas da FGV EAESP que analisam incentivos institucionais e políticas internas.
Por fim, atas do Conselho Deliberativo do São Paulo FC e registros oficiais do clube forneceram suporte histórico e institucional para entender os ciclos de poder, rachaduras internas e decisões financeiras que moldaram o período analisado.
Tópicos sobre a matéria
1) O ponto de virada: a mudança estatutária de 2011 e o legado de Juvenal Juvêncio
A narrativa institucional do São Paulo no século XXI tem um marco difícil de subestimar: a virada de 2011, quando o Conselho Deliberativo aprovou mudanças estatutárias que viabilizaram a permanência de Juvenal Juvêncio em um terceiro mandato e reconfiguraram as relações de poder internas do clube. A mudança — aprovada em votação no conselho e posteriormente contestada em tribunais — não foi apenas um ajuste de regras; foi o sinal de que estruturas internas privilegiariam a continuidade de comando e davam margem a processos políticos que, nos anos seguintes, se traduziriam em ciclos de crise, racha e busca por “estabilidade a qualquer custo”.

Juvenal, figura polarizadora da política tricolor, consolidou um padrão: quando a centralização se aproximava do fim de um ciclo, surgiam dissensões, acusações de “arquitetura eleitoral” e uma sequência de decisões com impacto de longo prazo sobre finanças e governança. O episódio de 2011 deixou dois efeitos colaterais duradouros. Primeiro, reforçou a cultura de que reformas estatutárias e manobras internas são instrumentos legítimos para preservar grupos no poder — algo que moldou a forma como candidatos e grupos se comportaram nas eleições dos anos seguintes. Segundo, institucionalizou um ritual: perto das eleições, rachaduras internas emergem, alianças se rearranjam e decisões de curto prazo (contratações, alocação de recursos, mudanças na diretoria de futebol) são impulsionadas por cálculo político, nem sempre técnico.
A consequência prática foi a mudança de foco na gestão: desde então, discursos sobre “profissionalização” e “equilíbrio fiscal” convivem com práticas que priorizam resultados imediatos — títulos, reconexão com a torcida, popularidade em conselhos — mesmo que isso peça sacrifícios financeiros. Essa tensão entre horizonte político curto e necessidades financeiras de longo prazo tornou-se uma sombra recorrente que atravessa as gestões subsequentes — Aidar, Leco e, mais recentemente, Julio Casares. Ao analisar qualquer mandato do São Paulo a partir de 2011, é preciso considerar como a política interna e a alteração do estatuto criaram incentivos divergentes: a tentação do triunfo esportivo imediato versus a disciplina financeira sustentável.




No plano jurídico-político, as contestações que se seguiram ao processo de 2011 — incluindo ações no TJ-SP e discussões até o STF — não foram apenas litígios entre personalidades. Foram batalhas sobre modelo de governança e sobre quem controla os mecanismos de decisão do clube. A arena jurídica reforçou a ideia de que poder e governança no São Paulo sempre serão disputados em múltiplos palcos: conselhos, tribunais, eleições e, crucialmente, no campo simbólico do torcedor. Por isso, qualquer análise profunda sobre os problemas financeiros que emergiriam na década seguinte precisa começar por esse nó institucional: a alteração estatutária consolidou um padrão de governança que, nas formas e nas consequências, alimentou decisões de curto prazo.
Por fim, o legado de 2011 também ajudou a explicar por que, nas gestões seguintes, quando crises econômicas aparecem (queda de receita, necessidade de vender ativos, salários elevados), o caminho de resposta frequentemente passa por estratégias políticamente palatáveis: contratações “de impacto” para acalmar a torcida, projetos de imagem e ações de comunicação que priorizam narrativa vencedora. Ou seja: a deriva financeira tem raiz não só em erros técnicos, mas em incentivos institucionais herdados daquele momento de reconfiguração estatutária — um nó que torna reformas profundas mais complexas.
2) As promessas de Júlio Casares e a dissonância entre discurso e prática
Quando Júlio Casares se candidatou e assumiu a presidência (final de 2020), seu discurso foi claro: profissionalizar, equilibrar as contas e priorizar decisões técnicas no futebol:
“não contratar por nome, mas por análise”, repetiu em entrevistas de campanha.
Era uma promessa que casava com um sentimento dominante entre conselheiros e parcela da torcida: era hora de reconciliar o São Paulo com a gestão responsável, frear gastos extraordinários e finalmente traduzir títulos em plataforma de sustentabilidade. O cenário de 2020 ainda trazia as marcas de gestões anteriores: dívidas acumuladas, receitas pressionadas e uma base formativa que, se bem gerida, poderia funcionar como amortecedor econômico e fonte de atletas.
Contudo, a cisão entre palavra e ato foi visível já nos anos seguintes. A gestão Casares, em parceria com a diretoria de futebol, promoveu um intenso fluxo de contratações: entre 2021 e 2024, segundo levantamento de especialistas e bases públicas como Transfermarkt e reportagens detalhadas, o clube contratou cerca de 45 atletas — movimentação muito acima da média e que traz consigo custos diretos (transferências) e indiretos (salários, luvas, direitos de imagem). Essa política de “volume de reforços” colide com a ideia de “contratar só por análise” e, na prática, explica parte do estresse nas finanças do clube.
Outro ponto sensível foi a contratação de nomes de apelo internacional — notória as chegadas de Galoppo, James Rodríguez, Lucas Moura ou Oscar Emboaba — que possuem pesos simbólicos e midiáticos, mas traz um custo operacional que, quando associado a desempenho irregular, vira elefante na sala: alto salário com retorno esportivo limitado. O caso de James (e outros “nomes”) evidencia um conflito de prioridades: reconexão emocional com a torcida e imagem do clube versus disciplina orçamentária. Decisões assim, que agradam a curto prazo, penalizam a sustentabilidade.

Casares, por sua vez, em entrevistas públicas mais recentes, assumiu a responsabilidade:
“a reconexão com o torcedor tem um custo”, disse Casares.
Mas, a gestão optou por correr certos riscos para reconquistar a torcida e a competitividade do elenco. Em outras palavras: a promessa de equilíbrio foi sacrificada em nome de objetivos esportivos e eleitorais (a reaproximação com a torcida também pesou politicamente). Essa confissão pública é relevante, porque coloca a decisão no campo da escolha explícita — não mais um erro técnico inadvertido, mas uma decisão política sobre trade-offs entre vitória/presença e saúde financeira.
O resultado dessa dissonância ficou cristalino em 2024: títulos e momentos esportivos coexistiram com um salto do déficit e da dívida, levando a medidas duras em 2025 (venda de jovens talentos, cortes, busca de instrumentos financeiros). Esse choque entre promessa e prática ajuda a explicar por que a narrativa de “profissionalização” do início do mandato não se consolidou: os incentivos internos, a pressão por resultados e a busca por legitimidade social influenciaram decisões que contrariaram o plano original.
3) A explosão da dívida em 2024 — números, causas e implicações
O ano de 2024 foi marcado como o mais arriscado do ponto de vista financeiro na gestão de Julio Casares: o balanço consolidado mostrou um déficit de R$ 287 milhões apenas naquele exercício — o maior desde que Casares assumiu — e uma dívida total que, em algumas apurações públicas, encostou na casa dos R$ 900 milhões (valores próximos a R$ 968 milhões foram mencionados em divulgações e reportagens). Esses números são críticos porque colocam o clube numa condição na qual a dívida se aproxima ou supera o montante de um ano de faturamento — uma relação que reduz margem para manobra e aumenta o custo de captação e reestruturação.
As causas desse salto não são simples nem monocausais. Entre os fatores apontados por análises internas e jornalistas especializados estão:
(i) alto gasto com folha salarial — sobretudo contratos com valores elevados e jogadores veteranos;
(ii) investimentos em contratações de risco que não geraram retorno imediato nem valores de revenda compatíveis;
(iii) investimentos operacionais e direitos de imagem que pesaram no caixa;
(iv) queda ou estagnação de receitas comerciais e de bilheteria em janelas específicas; e
(v) instrumentos financeiros contratados para alongar dívida que geraram efeito acumulado no curto prazo.
Relatórios e notas do clube, bem como cobertura da imprensa, citam que o déficit foi influenciado por “cirurgias” financeiras e perdas no mercado de transferências — jogadores que não valorizaram como esperado e vendas em condições desfavoráveis.

Uma leitura técnica aponta que ter um ano de faturamento equivalente à dívida é um sinal de alerta, não necessariamente de falência, mas de risco elevado. É um estado em que o clube passa a depender fortemente de medidas de liquidez (vendas de ativos, renegociação de dívidas, linhas de crédito) e menos de geração orgânica de caixa. O efeito colateral é claro: limitações para contratar em mercado aberto, perda de poder de barganha com agentes e jogadores, e pressão para transformar ativos (como jogadores da base) em receita imediata. É nesse contexto que surgem propostas como fundos de investidores para a base de Cotia, FIDC e outras medidas de securitização de recebíveis.
Politicamente, o choque do déficit de 2024 mudou o horizonte do mandato: medidas duras em 2025 (venda de jovens, contenção salarial, reestruturação) foram justificadas pela presidência como medidas necessárias para “recuperar o clube” e preparar um plano de longo prazo até o centenário de 2030. Mas a dinâmica é tensa: medidas de austeridade corroem capital político e podem gerar oposição no Conselho e entre torcida caso não sejam comunicadas ou não tragam resultados rápidos. Esse dilema — entre reequilíbrio contábil e manutenção da competitividade esportiva — será o nó de escolha do próximo período eleitoral.
4) Contratações 2021–2024: análise quantitativa e impactos econômicos
Entre 2021 e 2024 o São Paulo realizou um ciclo intenso de movimentações no mercado. Levantamentos independentes (cruzando Transfermarkt, reportagens e análises) apontam cerca de 45 contratações no período — número que, em termos práticos, significa um reforço médio superior a uma contratação por mês ao longo dos quatro anos. Esse dinamismo trouxe efeitos diretos na estrutura de custos do clube: além do desembolso por aquisição, há luvas, comissões a agentes, direitos de imagem e a obrigação contínua da folha salarial.
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Uma forma de mensurar o impacto é dividir as contratações por categorias de resultado: “sucesso”, “neutro”, “decepcionando” e “fracasso”. Levantamentos feitos por analistas do clube e por jornalistas mostraram que aproximadamente 20 contratações foram tratadas como fracassos — jogadores que não se firmaram, foram emprestados ou rescindiram contratos sem retorno financeiro — e que a soma dos investimentos diretos declarados (Transfermarkt) e custos estimados de manutenção apontavam para um prejuízo conservador na casa das centenas de milhões de reais (um estudo citado estimou R$ 156 milhões apenas para o grupo de 20 “fracassos”, contabilizando direitos + salários).
Casos emblemáticos ajudam a entender por que a estratégia de volume é arriscada: Orejuela (R$ 13,4 milhões por 50% dos direitos em 2021) nunca se firmou e rodou por empréstimos; James Rodríguez, contratação de apelo, teve desempenho aquém do custo; Galoppo, apontado como compra “premium”, sofreu lesões e saiu em empréstimo. Ao mesmo tempo, nomes como Calleri, Lucas Moura, Alan Franco e Wellington Rato garantiram retorno esportivo e identificação com a torcida — o que explica parte da resistência política a um movimento de austeridade radical.


Do ponto de vista financeiro, contratar em volume é uma estratégia que só compensa se houver disciplina na avaliação de risco/retorno: reduz-se a variância quando se aposta em ativos (jogadores) com probabilidade de valorização e/ou quando há capacidade de girar ativos via revendas. No caso do São Paulo, as evidências apontam que a governança das contratações, decisões sobre quem contratar, como mensurar risco, papel do departamento de análise, não conseguiu filtrar apostas ruim o suficiente. Resultado: altos custos de manutenção, ativos que não valorizaram e, em muitos casos, desgaste da margem de manobra financeira.

Politicamente, a diretoria enfrentou a difícil equação de justificar contratações para a torcida (reconexão e prestígio) enquanto equilibrava a conta. A lição que emerge é técnica e institucional: para um clube que busca sustentabilidade, não basta ter discurso de profissionalização, é preciso implementar processos de avaliação de risco, governança transparente em contratações, pacto entre diretoria e Conselho sobre limites orçamentários e métricas claras de sucesso. Sem isso, a história de “gastar para aparecer” tende a se repetir, como mostram os ciclos pós-2011.

5) O custo da “reconexão com o torcedor” e o dilema títulos x finanças
O discurso de Júlio Casares e sua diretoria, repetido em entrevistas e eventos oficiais, tem um eixo central: a reconexão com o torcedor. Depois de mais de uma década de frustrações, com eliminações precoces e temporadas sem títulos relevantes, havia um consenso interno de que o São Paulo precisava se reaproximar da massa tricolor. Isso significava não apenas ganhar, mas mostrar ambição no mercado, resgatar ídolos, investir em nomes de peso e criar a sensação de que o clube voltava a “brigar como grande”.
Essa estratégia deu frutos esportivos. Sob Casares, o clube conquistou a Copa do Brasil de 2023, um título inédito e aguardado por décadas, além de ter voltado a disputar finais continentais e nacionais. Esses momentos trouxeram ao Morumbi picos de público (mais de 50 mil torcedores em jogos decisivos), aumento de adesões no programa de sócio-torcedor e um crescimento momentâneo na receita de bilheteria e matchday. Houve, de fato, reconexão emocional com a torcida.

O problema é que o preço financeiro dessa política foi altíssimo. Para bancar a volta de atletas como Lucas Moura (formado em Cotia e de grande apelo popular), investir em reforços internacionais como James Rodríguez, e segurar salários elevados de veteranos, o São Paulo inflou sua folha. Em 2024, reportagens apontaram que a folha salarial bruta do elenco ultrapassava a marca de R$ 15 milhões/mês, valor incompatível com a realidade de arrecadação líquida do clube. Isso, somado ao custo de direitos de imagem atrasados e rescisões, formou um passivo que estourou no balanço anual.
Ao mesmo tempo, os títulos conquistados e o aumento de público não foram suficientes para neutralizar o rombo estrutural. Especialistas apontam que, enquanto rivais como Palmeiras e Flamengo usavam títulos como trampolim para contratos milionários de patrocínio e receitas televisivas sustentáveis, o São Paulo transformava títulos em fôlego passageiro, sem alavancar grandes contratos de longo prazo. Em outras palavras: a reconexão trouxe alegria esportiva, mas não se converteu em transformação estrutural de receitas.

Essa lógica gerou um dilema clássico: o que vale mais: títulos imediatos ou equilíbrio financeiro? Casares escolheu o primeiro, defendendo que títulos geram capital político, reconectam torcedores e criam ambiente positivo para depois implantar reformas mais profundas. Críticos internos, porém, alertam que é um raciocínio de alto risco: e se os títulos não vierem? E se os investimentos não se pagarem? O salto do déficit em 2024 mostrou que, mesmo com conquistas, o risco financeiro se concretizou.
O dilema agora é se a torcida, acostumada a títulos recentes, aceitará um ciclo de austeridade em 2025–2026. O discurso de “pagar a conta da reconexão” começa a ser trabalhado pela comunicação oficial. Mas há incerteza se o torcedor comum, que vibrou com Lucas Moura e James, aceitará uma temporada com menos estrelas e mais apostas da base.
6) Cotia como ativo e a ideia de fundo de investidores
A base de Cotia é, sem dúvida, o maior trunfo estrutural do São Paulo. O centro de formação é referência na América do Sul, revelou atletas como Lucas Moura, Antony, Militão, Casemiro e tantos outros que renderam ao clube centenas de milhões em transferências ao longo dos últimos 15 anos.
Na crise de 2024–2025, a joia do clube voltou ao centro do debate, mas agora em um patamar diferente. A diretoria passou a considerar a criação de um fundo de investidores que teria participação em direitos econômicos de atletas formados em Cotia. A ideia, segundo reportagens, seria securitizar parte das futuras receitas com vendas de atletas para gerar caixa imediato. Em termos financeiros, trata-se de uma espécie de antecipação de receitas: o clube recebe dinheiro agora em troca de abrir mão de parte do valor de futuras transferências.

Esse modelo já foi usado em diferentes contextos — no Brasil e na Europa — com resultados controversos. A vantagem é clara: liquidez imediata, fundamental para quem está sufocado por dívidas de curto prazo. Mas os riscos são altos:
(i) abrir mão de ativos valiosos que podem render mais no futuro;
(ii) ficar refém de investidores externos na hora de decidir o destino de atletas; e
(iii) comprometer a autonomia esportiva da base.
No caso do São Paulo, há quem veja a proposta como “vender a galinha dos ovos de ouro para pagar contas correntes”. A base sempre funcionou como a válvula de escape financeira — vender jovens como Antony, Militão ou Brenner rendeu milhões que cobriram déficits. Transformar isso em ativo de terceiros pode significar perder justamente a ferramenta que permitia a sobrevivência em crises.

A torcida também se divide. Parte teme que Cotia vire um “ativo privatizado”, tirando do clube a possibilidade de extrair o máximo de seus talentos. Outra parte reconhece que, sem medidas urgentes, o São Paulo corre risco de paralisar. O debate sobre Cotia é, na prática, um debate sobre o modelo de futuro: usar a base como amortecedor ou transformá-la em ativo negociável.
7) Paralelismo histórico: quando gastos políticos viraram armadilhas
A atual crise não é inédita no futebol brasileiro — nem no próprio São Paulo. O clube já viveu momentos em que contratações de apelo político se transformaram em armadilhas financeiras.
Nos anos 2000, contratações como Ricardinho, Fabão e outros nomes custosos tinham o objetivo de garantir resultados esportivos imediatos e consolidar gestões. Em alguns casos funcionou — o título mundial de 2005 é lembrado como ápice —, mas também deixou passivos que se arrastaram por anos.
Mais recentemente, casos de clubes como Cruzeiro e Vasco são exemplos de como ciclos de contratações eleitorais e gastos inflados, sem receitas compatíveis, levaram a crises profundas e até rebaixamentos. O Cruzeiro, em especial, mergulhou em dívidas superiores a R$ 1 bilhão e precisou se transformar em SAF para sobreviver. O paralelo serve como alerta: o São Paulo não está imune ao caminho da insolvência, caso não adote disciplina financeira e governança sólida.


Especialistas em finanças esportivas lembram que o modelo brasileiro tem um vício: dirigentes não são responsabilizados pessoalmente por rombos financeiros. Assim, há incentivo para arriscar em busca de títulos, já que o custo futuro não recai sobre a gestão atual. Essa lógica, repetida desde a era Juvenal, alimenta ciclos de endividamento.
O São Paulo de hoje vive um momento decisivo: ou aprende com o histórico e ajusta o rumo, ou corre o risco de entrar na mesma espiral de Cruzeiro e Vasco.
8) As eleições de 2026 e o risco de novas rachaduras
Todo esse cenário desemboca em um ponto inevitável: as eleições presidenciais de 2026. O pleito já é tratado nos bastidores como uma batalha entre grupos com leituras opostas sobre o futuro do clube. Mesmo com o mandato de Júlio Casares válido até o final de 2026, as movimentações internas começaram cedo. Em setembro de 2025, o São Paulo formalizou uma estratégia para discutir a sucessão apenas a partir de março de 2026, com o anúncio oficial do candidato de situação previsto para junho. O plano busca conter o clima eleitoral precoce e preservar a governabilidade da diretoria.
De um lado, aliados de Casares defendem a continuidade do projeto e pregam que o “remédio amargo de 2025”, cortes, vendas de atletas e ajustes, é necessário para estabilizar as contas. Argumentam que o ciclo recente de títulos, como a Copa do Brasil de 2023 e a manutenção de competitividade nas principais competições, comprova a força do grupo político que hoje comanda o clube.
“A sucessão deve contemplar a continuidade do projeto de recuperação financeira e organizacional. Esse é o nosso legado, e quem o abraçar terá vantagem competitiva a longo prazo”,
declarou Júlio Casares em entrevista à ESPN, em setembro de 2024.
Do outro lado, opositores e críticos internos alegam que a gestão de Casares repetiu erros históricos: inflou contratações, elevou a dívida e deixou uma herança financeira pesada para o sucessor. Eles acusam o presidente de utilizar promessas de reestruturação sem resultados concretos e de centralizar decisões políticas e financeiras.
O ambiente interno tornou-se ainda mais conturbado com o racha entre Casares e o diretor de futebol, Carlos Belmonte. O dirigente, que foi peça-chave na montagem do elenco e no projeto de comunicação, passou a divergir da presidência em decisões estratégicas e na condução da sucessão. Há relatos de que mensagens depreciativas sobre Belmonte circularam em grupos de aliados de Casares, sendo interpretadas como tentativas de isolamento político.

A disputa de bastidores se intensifica com a aproximação de grupos históricos do Conselho Deliberativo, que enxergam em 2026 a chance de retomada de poder. Ao mesmo tempo, novas alas formadas por jovens conselheiros e empresários surgem com discurso de renovação e profissionalização da gestão, defendendo ruptura com a política tradicional do clube.
“A política do São Paulo já está em 2026. Enquanto isso, o time vive má fase e as finanças apertam”,
destacou reportagem do UOL Esporte (outubro de 2025), evidenciando que o debate eleitoral já contamina o ambiente administrativo e esportivo.
Nas arquibancadas, a pressão da torcida organizada amplia a crise institucional. Em protesto recente, a Torcida Independente levou caixões simbólicos ao MorumBIS, exigindo o fim dos cargos políticos e maior transparência financeira. O movimento reforçou a percepção de desgaste público da diretoria e de um clima político dividido.
Além das tensões internas, a discussão sobre reformas estatutárias e novos modelos de governança volta à pauta. Especialistas e parte do Conselho defendem limitar mandatos presidenciais, instituir responsabilidade financeira pessoal a dirigentes e profissionalizar áreas-chave como marketing, finanças e futebol. Outros setores discutem a possibilidade de transformação em SAF (Sociedade Anônima do Futebol) ou de abrir o clube a investidores, como forma de enfrentar a concorrência de modelos empresariais já adotados por outros grandes clubes.
O risco de um novo ciclo de racha político é, portanto, real. A fragmentação entre Casares e Belmonte pode resultar em duas candidaturas oriundas do mesmo grupo, enquanto a oposição tenta capitalizar o desgaste financeiro e o descontentamento da torcida. Esse cenário pode transformar o pleito em mais uma eleição marcada por promessas de ruptura, alianças efêmeras e ausência de um projeto sustentável de longo prazo.
Se, contudo, o São Paulo aproveitar a eleição de 2026 para debater modelos de governança, transparência e responsabilidade financeira, o clube poderá romper com o padrão herdado desde 2011 — aquele em que disputas internas minam a estabilidade e as decisões são tomadas sob pressão eleitoral.
O futuro do São Paulo FC passa, inevitavelmente, por esse pleito. Se a eleição se tornar um palco de revanche política, o clube corre o risco de repetir o passado. Mas, se surgir uma agenda de reforma e profissionalização, pode finalmente consolidar o projeto de modernização institucional e financeira que há anos o Tricolor promete, mas ainda não realizou.
9) Diagnóstico final e caminhos possíveis para o futuro do São Paulo FC
Ao olhar para a gestão de Júlio Casares à frente do São Paulo FC, é impossível ignorar a complexidade do cenário. Por um lado, o dirigente conquistou títulos importantes, reconectou o clube com sua torcida e manteve a competitividade esportiva em um período em que muitos clubes brasileiros enfrentaram crises semelhantes ou piores. Por outro lado, o preço financeiro dessas conquistas foi alto, refletido em um déficit recorde de R$ 287 milhões em 2024 e uma dívida consolidada próxima de um ano de faturamento anual — um patamar considerado administrável, mas que impõe limitações severas na tomada de decisões.

O diagnóstico financeiro mostra que o São Paulo está em uma encruzilhada. A gestão Casares priorizou a competitividade imediata e a visibilidade junto à torcida, mesmo que isso implicasse em riscos estruturais. Contratações de “grife”, como James Rodríguez, e ajustes na folha salarial foram feitos com o objetivo de manter o clube competitivo em todas as frentes. Contudo, o resultado esportivo não compensou o rombo financeiro: James, Galoppo, Jamal Lewis e outros nomes se enquadram na categoria de fracassos ou decepcionaram, consumindo recursos consideráveis sem retorno esportivo ou financeiro. A análise das 45 contratações realizadas entre 2021 e 2024 revela que quase metade não gerou resultados condizentes com o investimento, culminando em um prejuízo estimado de R$ 156 milhões, considerando direitos federativos, salários e encargos.
Do ponto de vista esportivo, entretanto, Casares conseguiu êxitos notáveis. Títulos como a Copa do Brasil de 2023, a permanência competitiva no Brasileirão e a presença em fases decisivas de torneios continentais, como a Libertadores de 2025, demonstram que a aposta em reforços de peso trouxe resultados pontuais. A liderança de atletas veteranos, a manutenção de jogadores formados em Cotia em posições estratégicas e a criação de um ambiente de maior identificação com a torcida também foram pontos positivos, refletindo uma gestão que compreende o valor simbólico da vitória e da imagem do clube.

No entanto, o desafio estrutural permanece. O endividamento do clube limita a capacidade de investimento futuro, enquanto a dependência de receitas de curto prazo — venda de atletas, bilheteria e patrocínios pontuais — não garante estabilidade. A tentativa de transformar a base de Cotia em um fundo de investidores é um reflexo da necessidade de liquidez, mas envolve riscos estratégicos e políticos. A securitização da base pode gerar receita imediata, mas compromete parte da autonomia do clube e a possibilidade de maximizar retornos em futuras vendas. A tensão entre saúde financeira e competitividade esportiva é o núcleo do dilema tricolor, um desafio que se repete em clubes brasileiros desde a era Juvenal Juvêncio e se intensifica a cada novo ciclo eleitoral.
O paralelismo histórico é evidente. Desde 2011, com a mudança do estatuto e o terceiro mandato de Juvenal Juvêncio, o São Paulo enfrenta ciclos de racha e instabilidade próximos ao fim de cada gestão. Conflitos internos, disputas por sucessão e a política de contratações de impacto imediato se repetem como padrão. A gestão Casares, ainda que moderna em comunicação e estratégia esportiva, não rompeu com essa lógica completamente. O déficit estrutural, a concentração de decisões na presidência e a dificuldade de planejamento de médio e longo prazo refletem problemas antigos, que exigem mudanças institucionais mais profundas.
A perspectiva para 2026 é de cautela. As eleições presidenciais se aproximam e já geram movimentações internas, com grupos críticos à gestão Casares articulando alternativas e propondo agendas de ruptura ou ajustes significativos. A continuidade do atual projeto depende da capacidade da diretoria de demonstrar sinais claros de recuperação financeira, enquanto a oposição aposta no desgaste do déficit e em episódios recentes de contratações fracassadas como argumento de mudança. A história mostra que a instabilidade política no clube tende a se agravar próximo aos pleitos, e que as eleições podem definir não apenas o comando do São Paulo, mas também seu modelo de governança pelos próximos anos.
Nesse contexto, especialistas em gestão esportiva apontam três caminhos possíveis para o futuro do São Paulo:
1. Consolidação do modelo atual com ajustes financeiros:
Manter Casares ou um sucessor alinhado à sua filosofia, mas com foco absoluto em controle de gastos e redução gradual da dívida. Isso envolve limitar contratações externas, priorizar atletas formados em Cotia, renegociar salários e direitos de imagem e buscar parcerias estratégicas para gerar receita sem comprometer o clube. A vantagem é preservar a competitividade esportiva de curto prazo; o risco é que a dívida atual ainda pese sobre decisões futuras, limitando flexibilidade.
2. Reforma estrutural e mudança de governança:
A segunda via exige reformas estatutárias profundas: limitar mandatos presidenciais, criar mecanismos de responsabilidade financeira pessoal para dirigentes, profissionalizar áreas de marketing, finanças e futebol, e reduzir a dependência de receitas de curto prazo. Esse modelo busca romper ciclos históricos de racha e gasto irresponsável. O custo é político e financeiro no curto prazo, pois pode gerar resistência interna e exigir tempo para maturação de políticas e resultados concretos.
3. Venda estratégica de ativos e foco em sustentabilidade:
O terceiro caminho é mais radical, envolvendo a securitização de Cotia, venda de direitos econômicos de atletas e eventual entrada de investidores externos para capitalizar o clube. A vantagem é a liquidez imediata e a possibilidade de reduzir a dívida rapidamente; o risco é comprometer o patrimônio esportivo, gerar descontentamento da torcida e limitar autonomia futura. É uma estratégia de “cura drástica” que precisa ser bem comunicada para não gerar efeito político adverso.
O cenário ideal combina elementos dos três caminhos: disciplina financeira rigorosa, continuidade de projeto esportivo inteligente, aproveitamento estratégico da base, e reformas institucionais que limitem riscos eleitorais e políticos. Esse equilíbrio permitirá que o São Paulo mantenha competitividade, reduza dívida e prepare o terreno para o centenário em 2030 — marco citado pelo próprio Casares como horizonte de transformação sustentável.
Em síntese, a gestão de Júlio Casares reflete tanto avanços quanto limitações estruturais históricas do São Paulo. Os títulos conquistados e a reconexão com o torcedor são méritos claros, mas vêm acompanhados de um legado financeiro que exigirá atenção rigorosa. O futuro dependerá da capacidade do clube de aprender com o passado, implementar disciplina e profissionalismo, e equilibrar expectativas esportivas com sustentabilidade financeira.

A lição final é clara: o São Paulo não pode mais repetir ciclos de “títulos a qualquer custo”. A história recente do clube mostra que essa prática leva inevitavelmente a déficits estruturais e disputas políticas internas. A saída exige planejamento, gestão profissional e visão estratégica de longo prazo, princípios que determinarão se o Tricolor seguirá como gigante competitivo ou se repetirá padrões históricos de instabilidade.









