Ninho do Urubu: Justiça do Rio decide absolver sete réus após seis anos de investigação

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro absolveu, nesta terça-feira (21), sete réus envolvidos no incêndio do Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, ocorrido em 8 de fevereiro de 2019, que resultou na morte de 10 jovens atletas das categorias de base e deixou três feridos. A decisão foi assinada pelo juiz Tiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital, e ainda permite recurso.

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Quem são os réus absolvidos

Os sete réus absolvidos foram:

  • Márcio Garotti, ex-diretor financeiro do Flamengo;
  • Marcelo Maia de Sá, ex-diretor adjunto de patrimônio;
  • Danilo Duarte, engenheiro de produção responsável por aspectos administrativos dos contêineres;
  • Fabio Hilário da Silva, engenheiro eletricista da NHJ;
  • Weslley Gimenes, engenheiro civil da NHJ;
  • Claudia Pereira Rodrigues, responsável por contratos da NHJ;
  • Edson Colman, sócio da empresa Colman Refrigeração, responsável pela manutenção dos aparelhos de ar-condicionado.

Além desses, outros quatro réus já haviam sido absolvidos ou tiveram suas denúncias rejeitadas anteriormente:

  • Marcus Vinicius, monitor noturno do alojamento;
  • Luiz Felipe Almeida Pondé, engenheiro contratado para concluir obras do CT1;
  • Carlos Noval, ex-diretor da base do Flamengo;
  • Eduardo Bandeira de Mello, ex-presidente do Flamengo, cujo caso prescreveu devido à idade (71 anos).

Todos os réus respondiam inicialmente por incêndio culposo qualificado e lesão corporal grave.

Contexto da tragédia

O incêndio ocorreu no alojamento provisório das categorias de base, instalado dentro de contêineres no CT George Helal, em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio. O fogo teria sido causado por um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado que funcionava 24 horas por dia. O material dos contêineres favoreceu a rápida propagação das chamas. Na época, o Ninho do Urubu não possuía alvará de funcionamento, segundo a Prefeitura do Rio.

Tragédia vista do alto: o incêndio no Ninho do Urubu - Foto: Agência Estado
Tragédia vista do alto: o incêndio no Ninho do Urubu – Foto: Agência Estado

As vítimas fatais foram:

  • Athila Paixão, 14 anos
  • Arthur Vinícius, 14 anos
  • Bernardo Pisetta, 14 anos
  • Christian Esmério, 15 anos
  • Gedson Santos, 14 anos
  • Jorge Eduardo Santos, 15 anos
  • Pablo Henrique, 14 anos
  • Rykelmo de Souza, 16 anos
  • Samuel Thomas Rosa, 15 anos
  • Vitor Isaías, 15 anos
Os 10 atletas mortos Flamengo incêndio Ninho do Urubu - Foto: Infoesporte
Os 10 atletas mortos Flamengo incêndio Ninho do Urubu – Foto: Infoesporte

Outros 16 jovens estavam no local e sobreviveram; três deles sofreram lesões: Jhonata Ventura, Dyogo Alves e Cauan Emanuel. Jhonata se aposentou em 2023 devido às sequelas e trabalha no departamento de scout do clube; Dyogo integra o elenco profissional, e Cauan defende o Maranguape, da Segunda Divisão do Campeonato Cearense.

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Argumentos da absolvição

O juiz Tiago Fernandes de Barros baseou a decisão em três pontos principais:

  1. Ausência de conduta culposa:
    O magistrado concluiu que os réus atuaram dentro de suas funções e não violaram deveres objetivos de cuidado. No caso de Márcio Garotti, por exemplo, ele não tinha expertise técnica em engenharia elétrica ou manutenção de aparelhos e, portanto, não podia ser responsabilizado criminalmente pelo incêndio. Sobre os profissionais da NHJ, o juiz destacou que eles atuaram conforme suas atribuições e confiaram na atuação regular dos demais.
  2. Impossibilidade de ligação direta entre conduta e início do incêndio:
    Alterações posteriores nos projetos elétricos do CT dificultaram estabelecer um nexo causal entre a ação dos réus e a ignição. A perícia técnica não conseguiu comprovar que as condutas individuais levaram ao incêndio, incluindo Edson Colman, responsável pela manutenção dos aparelhos de ar-condicionado.
  3. Dúvidas sobre a origem do incêndio:
    O relatório do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) apresentou apenas uma hipótese técnica, sem testes laboratoriais que confirmassem a causa do incêndio. Outras possibilidades, como falha interna do motor, sobrecorrente ou defeito de fabricação, não foram descartadas. Para o juiz, a dúvida técnica justificava a absolvição:

“Quando a dúvida nasce do próprio saber especializado, a absolvição é não apenas justa, mas juridicamente necessária.”

O advogado Yuri Sahione, defensor da NHJ, afirmou que a decisão corrigiu erros na investigação inicial da Polícia Civil e do Ministério Público, que não conseguiram comprovar a causa do incêndio.

Justificativas individuais dos réus

  • Marcelo Maia de Sá: não tinha conhecimento do vencimento do alvará do CT desde 2012; ausência de documentação não aumenta risco de ignição de aparelhos.
  • Márcio Garotti: responsabilidades técnicas e manutenção não faziam parte de sua função financeira.
  • Danilo Duarte: atuava apenas no suporte administrativo-operacional dos contêineres, sem ingerência técnica.
  • Fabio Hilário da Silva: limitado ao cálculo e desenho do sistema elétrico inicial, sem responsabilidade sobre manutenção.
  • Weslley Gimenes: função restrita à engenharia civil, sem decisão sobre equipamentos ou manutenção.
  • Claudia Pereira Rodrigues: atuação limitada à negociação e assinatura de contratos, sem competência técnica.
  • Edson Colman: não há prova de relação direta com o início do incêndio; responsável apenas pela manutenção dos aparelhos.

Processo judicial e audiências

O processo, em trâmite desde janeiro de 2021 na 36ª Vara Criminal, contou com mais de 40 testemunhas ouvidas entre 2023 e 2024, incluindo ex-dirigentes e sobreviventes do incêndio. A primeira audiência ocorreu em agosto de 2023, e a última, com interrogatórios dos réus, em outubro do mesmo ano.

O Ministério Público do Rio de Janeiro chegou a pedir a condenação de todos os acusados, mas a Justiça considerou que não havia provas suficientes que fundamentassem a responsabilização penal.

Indenizações e acordos

Em fevereiro de 2025, o Flamengo firmou acordo com a família de Christian Esmério, último familiar das vítimas que ainda não havia sido indenizado. Outros 10 acordos haviam sido celebrados anteriormente, entre 2019 e 2021, contemplando familiares das demais vítimas fatais.

Seis anos após a tragédia no Ninho do Urubu, a Justiça do Rio absolveu os sete réus ainda em processo, citando falta de provas, ausência de conduta culposa e dúvidas técnicas sobre a causa do incêndio. O caso permanece como um marco na história do Flamengo e na memória do futebol brasileiro, lembrando a necessidade de maior atenção à segurança nas categorias de base.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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