A Corte Inglesa iniciou, nesta quarta-feira (29), as primeiras audiências do processo movido por Felipe Massa contra a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), a Formula One Management (FOM) e o ex-chefão da categoria, Bernie Ecclestone. O caso, conhecido como Singapuragate, diz respeito à manipulação do resultado do GP de Singapura de 2008, episódio que, segundo o brasileiro, o impediu de conquistar o título mundial daquele ano.
LEIA TAMBÉM: São Paulo projeta valor que será arrecadado com shows no Morumbis em novembro
Apesar do simbolismo do processo, Massa não pretende alterar o resultado do campeonato vencido por Lewis Hamilton. O foco, segundo a defesa, é o reconhecimento de que houve violação das regras e uma compensação financeira pelos danos sofridos.
“O Sr. Massa não está buscando nenhuma alteração no resultado do Campeonato de 2008”, afirma um trecho do documento apresentado à Corte. “Nem há qualquer sugestão de que terceiros desejem se dirigir ao Tribunal.”
O caso e os pedidos
Na peça de 41 páginas, os advogados do ex-piloto detalham duas metas principais:
- Indenização de cerca de 64 milhões de libras (equivalente a R$ 455 milhões) por quebras contratuais e perdas financeiras decorrentes da condução do caso Singapuragate.
- Declarações oficiais da FIA reconhecendo falhas na aplicação de seus próprios regulamentos, ainda que sem alterar os resultados esportivos.
Essas declarações seriam:
- “A FIA agiu em violação de seus próprios regulamentos ao não investigar prontamente as circunstâncias do acidente (de Nelsinho Piquet) em 2008.”
- “Se a FIA não tivesse agido em violação de seus próprios regulamentos, ela teria cancelado ou ajustado os resultados do GP de Singapura, com a consequência de que o Sr. Massa teria vencido o Campeonato de Pilotos de 2008.”
Relembre a polêmica do Singapuragate
Em 2008, Felipe Massa liderava o GP de Singapura e também a disputa pelo título mundial de Fórmula 1. A corrida, disputada nas ruas iluminadas de Marina Bay, foi marcada por um episódio que mudaria a história da temporada: a batida proposital de Nelson Piquet Jr., então piloto da Renault, para favorecer seu companheiro de equipe Fernando Alonso, sob ordens dos chefes da escuderia.

Com o acidente, o safety car foi acionado. Sob bandeira amarela, Massa foi chamado aos boxes, mas a Ferrari cometeu um erro grave ao deixar uma mangueira de combustível presa ao carro do brasileiro. Ao sair dos boxes, ele quase colidiu com o alemão Adrian Sutil e acabou punido.
Pouco depois, furou o pneu e precisou retornar aos boxes, caindo para o 13º lugar no circuito. O resultado foi devastador: a vantagem que tinha sobre Hamilton, de um ponto, aumentou para sete a favor do britânico. A prova terminou com Fernando Alonso em primeiro, Nico Rosberg em segundo e Lewis Hamilton completando o pódio.
No ano seguinte, em 2009, Nelsinho Piquet confessou à FIA que bateu de propósito para beneficiar Alonso, revelando a manipulação da corrida.
Se a corrida de Singapura tivesse sido anulada à época, Massa teria vencido o campeonato com 97 pontos contra 92 de Hamilton.
“Quando apareceram as provas me deu ânimo de lutar, porque é o correto a ser feito, é pelo esporte, pela justiça”, afirmou Massa em entrevista ao CNN Esportes S/A. “Mas logicamente, 15 anos depois, nada vai me tirar aquela alegria de estar vencendo em casa na frente dos torcedores brasileiros em 2008, na última corrida do ano em Interlagos.”
Linha Temporal do Singapuragate
30 de setembro de 2008 – Descoberta:
Dois dias após o GP de Singapura, Nelsinho Piquet Jr. contou a um amigo que bateu de propósito em Marina Bay para favorecer Fernando Alonso, a pedido de Flavio Briatore (chefe da Renault) e Pat Symonds (diretor de engenharia).
Novembro de 2008 – Primeira revelação:
O relato chegou a Nelson Piquet, pai do piloto, que revelou a situação a Charlie Whiting, então diretor de provas da FIA, o qual recomendou uma denúncia formal. O procedimento, no entanto, não foi realizado naquele momento.
Julho de 2009 – Denúncia oficial:
Após ser dispensado da Renault, Nelsinho perdeu espaço na equipe por conta da ascensão da Brawn GP. Dois dias depois, seu pai denunciou o caso diretamente a Max Mosley, presidente da FIA.
Agosto de 2009 – Escândalo público:
Durante o GP da Bélgica, o jornalista Reginaldo Leme revelou o escândalo ao vivo. Pouco depois, Mosley confirmou as investigações. A telemetria do carro de Piquet Jr. provou que ele acelerou no momento da colisão, e não reduziu a velocidade como seria esperado.
Setembro de 2009 – Confissão e punições:
Nelsinho afirmou ter aceitado a batida intencional por pressão psicológica e ameaças de Briatore, que condicionava sua renovação de contrato. A Renault demitiu Briatore e Symonds, e a FIA baniu o dirigente da Fórmula 1, enquanto Symonds foi suspenso por cinco anos — hoje, ele ocupa o cargo de diretor-técnico da F1.
Outubro de 2009 – Repercussão entre pilotos:
Felipe Massa comentou o caso, dizendo acreditar que Alonso sabia de todo o esquema, e cobrou ações mais severas da FIA.
Código Esportivo Internacional da FIA (2009):
O Artigo 179b previa que os comissários poderiam reabrir julgamentos com novas evidências, mas a solicitação deveria ocorrer em até 14 dias após o evento ou quatro dias antes da cerimônia de premiação da FIA. Em 2008, a premiação aconteceu em 12 de dezembro, quase três meses após o GP de Singapura.

Em 2023, Bernie Ecclestone revelou que já sabia da intencionalidade da batida de Piquet ainda em 2008, mas optou por não agir para “preservar a imagem do esporte”. Essa fala é a base central da ação movida pelo brasileiro, que alega que, caso a FIA e a FOM tivessem seguido seus próprios regulamentos, o resultado final do campeonato poderia ter sido diferente.
Posteriormente, Ecclestone disse “não se lembrar” da declaração, mas o dano já estava feito: segundo os advogados de Massa, a confissão pública expôs que houve omissão deliberada por parte das autoridades da Fórmula 1.
Julgamento em Londres
O caso está sob responsabilidade do juiz Sir Robert Jay e as audiências seguem até sexta-feira (31). Ainda nesta semana, pode haver uma decisão sobre a continuidade ou extinção do processo.
Os réus, FIA, FOM e Ecclestone, pedem que a ação seja encerrada ou julgada sumariamente, alegando que Massa ingressou na Justiça fora do prazo previsto pelas legislações inglesa e francesa, e que ele poderia ter acionado o Tribunal Internacional de Apelação da FIA em 2009, logo após o escândalo ser revelado.

A defesa de Massa rebate, afirmando que somente em 2023 houve evidências concretas de que os dirigentes sabiam da fraude desde 2008, o que justificaria a ação tardia.
“O Sr. Massa busca indenização para compensá-lo por sua perda financeira consequente e declarações que confirmem o fato e a consequência da conduta ilícita dos réus”, sustenta outro trecho da defesa.
Posições das partes
A FOM classificou o processo e as declarações solicitadas como “fúteis”, afirmando que Massa sugere, indiretamente, a retirada de pontos de Hamilton e outros pilotos inocentes. Já os representantes do brasileiro insistem que a intenção é reconhecer a injustiça sem alterar resultados, uma forma simbólica de corrigir o que chamam de “um erro histórico”.
Os advogados da FIA e de Ecclestone afirmam que não houve quebra contratual, enquanto a equipe de Massa alega que a entidade descumpriu obrigações previstas na superlicença do piloto, o que configuraria violação direta de contrato e de regulamento.
“Não se trata de reescrever a história, mas de reconhecer o que foi feito de errado”, declarou uma fonte próxima à equipe jurídica de Massa.
Próximos passos
Após a audiência final desta sexta, o juiz poderá:
- Encerrar o caso, aceitando os argumentos das defesas; ou
- Autorizar o prosseguimento, permitindo à equipe de Massa aprofundar as investigações e reunir novas provas.
Enquanto o veredito não vem, o ex-piloto mantém sua postura serena, acompanhado pelo irmão Dudu Massa e um time de sete advogados, entre eles Bernardo Viana, Nick de Marco, Kendrah Potts e Rowan Senett.
“Não quero o troféu, nem mudar a história”, reiterou Massa antes de entrar na Corte. “Quero apenas que reconheçam o que foi feito comigo e com o esporte.”
Mais de quinze anos após a bandeirada final de 2008, o Singapuragate ainda lança sombras sobre uma das temporadas mais disputadas da Fórmula 1. E, para Felipe Massa, a busca não é mais por um título — é por justiça.









