Nos últimos três anos, deputados e senadores brasileiros destinaram pelo menos R$ 13,5 milhões a 31 clubes de futebol em todo o país. O levantamento do GLOBO revela que essas emendas parlamentares têm sido usadas não apenas para apoiar categorias de base e projetos sociais ligados ao esporte, mas também para custear salários de técnicos, fisioterapeutas, roupeiros e jogadores, gerando debates sobre prioridades orçamentárias e transparência na aplicação de recursos públicos.
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As emendas parlamentares são instrumentos legais que permitem a deputados e senadores indicar como parte do orçamento federal deve ser utilizada em suas bases eleitorais. Desde 2015, com a Emenda Constitucional nº 86, essas emendas tornaram-se impositivas, obrigando o Executivo a executar os valores indicados. Entre as áreas beneficiadas estão saúde, educação, infraestrutura e, ocasionalmente, esportes.
No Brasil, os clubes de futebol muitas vezes se tornam veículos de aproximação política, em especial em cidades onde o time exerce forte influência cultural e social. Esses repasses surgem mesmo em contextos de carência de investimentos em setores essenciais, como saneamento e habitação.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), torcedor do CSA de Maceió, enviou R$ 1 milhão ao clube em 2024, sete anos após a primeira conquista nacional do Azulão na Série C. Do montante, R$ 652 mil foram destinados à folha de pagamento do clube, incluindo técnicos, preparadores físicos e fisioterapeutas da base, enquanto R$ 224,5 mil foram pagos ao chefe do departamento médico do time profissional. A presidente do CSA, Mirian Monte, afirmou:
“Essa emenda salvou um ano muito complicado do CSA, na manutenção da base. Com esse recurso, a gente conseguiu fazer a base funcionar”. Renan defende investigação em caso de uso indevido do recurso: “A emenda foi apresentada para a formação de jogadores. Se o clube usou de forma diferente, sou totalmente favorável ao esclarecimento.”
A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) destinou R$ 1,5 milhão ao Operário de Campo Grande, sendo R$ 1 milhão para o time feminino e R$ 500 mil para o masculino.
Soraya destacou a importância da valorização do futebol feminino: “O futebol feminino precisa e merece mais visibilidade, estrutura e valorização.”
Enquanto o clube recebe investimento, Campo Grande enfrenta obras paralisadas: 34 dos 75 empreendimentos com recursos federais na cidade estavam estagnados, segundo o TCU.
O Ideal Futebol Clube, de Ipatinga, lidera o ranking de emendas recebidas, somando R$ 2,5 milhões entre 2023 e 2025. O deputado Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG) repassou R$ 1 milhão, enquanto a deputada Rosângela Reis (PL-MG) contribuiu com R$ 1,2 milhão, destinados a projetos sociais com crianças, jovens e idosos, não ao time profissional. O valor supera o repasse à própria prefeitura de Ipatinga em alguns anos, evidenciando o peso das emendas parlamentares sobre políticas públicas essenciais.
Deputados como Nikolas Ferreira (PL-MG) e Lincoln Portela (PL-MG) também enviaram recursos a clubes da Zona da Mata e do Vale do Aço. Valores como R$ 400 mil e R$ 457 mil foram aplicados em categorias de base, infraestrutura e campos de treinamento. O Operário de Raul Soares, por exemplo, investiu em traves oficiais, placar eletrônico e bandeiras de escanteio.
Resumo
Senador Renan Calheiros (MDB-AL)
- Valor destinado: R$ 1 milhão;
- Time beneficiado: CSA (Maceió).
Senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS)
- R$ 1,5 milhões;
- Time beneficiado: Operário Futebol Clube (Campo Grande).
Deputado Marcelo Álvaro Antônio (PL-MG) e deputada Rosangela Reis (PL-MG)
- R$ 2,5 milhões;
- Time beneficiado: Ideal Futebol Clube (Ipatinga).
Deputado Nikolas Ferreira (PL-MG)
- R$ 400 mil;
- Time beneficiado: União Futebol Clube (Divino)
Deputado Lincoln Portela (PL-MG)
- R$ 400 mil;
- Operário Esporte Clube (Raul Soares)
O Ministério do Esporte esclareceu que, se houver comprovação de uso dos recursos para fins diferentes dos indicados, os clubes devem devolver os valores. De acordo com a pasta:
“Todos os termos mencionados são oriundos de emenda parlamentar, portanto, de execução obrigatória. E tanto sua destinação quanto o objeto da execução são de indicação dos parlamentares.”
Especialistas apontam que a destinação de emendas para clubes de futebol levanta questões sobre prioridades públicas, já que cidades beneficiadas muitas vezes apresentam déficits críticos em saneamento, infraestrutura e habitação.
O envio de verbas a clubes de futebol gera debates sobre moralidade, legalidade e eficácia. Por um lado, os recursos apoiam projetos sociais e a formação de jovens atletas; por outro, há críticas sobre o favorecimento de times ligados a parlamentares e a comparação com a carência de recursos em setores essenciais.
O Tribunal de Contas da União atua como fiscalizador, podendo auditar os repasses e orientar sobre melhorias na transparência e execução das emendas. Paralelamente, a cobertura da mídia e o foco em assuntos variados — desde celebridades, gadgets e rotinas de bilionários até entrevistas de ministros do STF no exterior — demonstram um contexto de dispersão de atenção pública, em contraste com temas estruturais de investimento social.
O levantamento do GLOBO evidencia um fenômeno peculiar do orçamento público brasileiro: enquanto milhões de reais são direcionados a clubes de futebol, muitas cidades ainda enfrentam problemas estruturais graves. O tema coloca em evidência a importância da fiscalização, da transparência e do debate público sobre como recursos federais são aplicados, equilibrando paixão esportiva e necessidade social.
