A Receita Federal, em parceria com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), a Polícia Militar e a Secretaria da Fazenda estadual, realizou nesta quinta-feira (25) a “Operação Spare”, desdobramento da “Carbono Oculto”. O alvo é o empresário Flávio Silvério Siqueira, o “Flavinho”, suspeito de comandar um esquema de combustíveis adulterados e de lavagem de dinheiro ligado ao PCC. A facção teria movimentado bilhões nos últimos anos por meio de postos, motéis, franquias e empreendimentos imobiliários.
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As investigações revelaram que 267 postos de combustíveis ainda ativos movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024, mas recolheram apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais, o equivalente a 0,1% do total. Administradoras ligadas ao grupo somaram outros R$ 540 milhões.
A fraude se estendia para além do setor: uma rede de cerca de 60 motéis em nomes de laranjas movimentou R$ 450 milhões no mesmo período e distribuiu R$ 45 milhões em lucros e dividendos, contribuindo para o aumento patrimonial de associados da facção. Um deles chegou a repassar 64% da receita bruta declarada, enquanto restaurantes anexos distribuíram valores milionários — um registrou R$ 6,8 milhões de receita entre 2022 e 2023 e repassou R$ 1,7 milhão em lucros.
Outro braço do esquema atuava no setor de franquias. Foram identificados 21 CNPJs ligados a 98 estabelecimentos de uma mesma rede, que movimentaram R$ 1 bilhão, mas emitiram apenas R$ 550 milhões em notas fiscais e recolheram R$ 25 milhões em tributos (2,5% da movimentação). Ainda assim, distribuíram R$ 88 milhões em dividendos. Na construção civil, o grupo usava Sociedades em Conta de Participação (SCPs) para levantar empreendimentos residenciais em Santos, movimentando R$ 260 milhões entre 2020 e 2024.

As operações imobiliárias chamaram a atenção dos investigadores: um CNPJ de motel adquiriu um imóvel de R$ 1,8 milhão em 2021, e outro comprou um de R$ 5 milhões em 2023. Parte dos lucros ilícitos também foi usada na compra de bens de luxo, como um iate de 23 metros, dois helicópteros — incluindo um Augusta A109E —, uma Lamborghini Urus e terrenos de motéis avaliados em mais de R$ 20 milhões. Segundo a Receita, esses ativos representam apenas 10% do patrimônio real do grupo.
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O esquema incluía ainda retificações fraudulentas em declarações de Imposto de Renda, com a inserção de valores em bens e direitos em documentos antigos, próximos da decadência, sem registro de rendimentos. Esse mecanismo inflou o patrimônio declarado da família de Flavinho em cerca de R$ 120 milhões.
Ao todo, a operação cumpriu 25 mandados de busca e apreensão em São Paulo (19), Santo André (2), Barueri, Bertioga, Campos do Jordão e Osasco, com a participação de 64 servidores da Receita, 28 integrantes do Gaeco do MP-SP, representantes da Sefaz-SP e cerca de 100 policiais militares.

A “Spare” também revelou conexões com investigados da “Operação Rei do Crime” e da própria “Carbono Oculto”, incluindo transações imobiliárias conjuntas, uso compartilhado de helicópteros e viagens internacionais. Paralelamente, a Receita deflagrou a “Operação Cadeia de Carbono”, que resultou na apreensão de cargas de petróleo e derivados avaliadas em R$ 240 milhões no Porto do Rio de Janeiro.
O nome “Spare” foi inspirado no boliche, em referência ao lance que derruba todos os pinos após dois arremessos: a “Carbono Oculto” representaria o primeiro, e a operação desta quinta-feira, o segundo, finalizando a jogada contra o esquema bilionário do crime organizado.
O que foi a Operação Rei do Crime
Deflagrada em setembro de 2020, a Operação Rei do Crime teve como alvo um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro já identificados no Brasil ligados ao PCC. Segundo as investigações, empresas de fachada e negócios aparentemente legais — como mineradoras, transportadoras, postos de combustíveis e até clubes de futebol — eram usados para movimentar recursos ilícitos.
A ação revelou que o grupo criminoso movimentou mais de R$ 30 bilhões em ativos, adquirindo imóveis de luxo, carros importados, aeronaves e outros bens de alto valor para dar aparência lícita ao patrimônio. A operação também identificou a participação de empresários e profissionais liberais que atuavam como “laranjas” e operadores financeiros da facção.
O que foi a Operação Carbono Oculto
Realizada em 2023, a Operação Carbono Oculto investigou como o PCC utilizava fintechs e instituições financeiras da região da Faria Lima, em São Paulo, para lavar dinheiro do tráfico de drogas e de outros crimes. O esquema envolvia manipulação de transações eletrônicas, abertura de contas em nome de laranjas, uso de empresas de fachada e até a retificação fraudulenta de declarações de Imposto de Renda para justificar bens adquiridos.
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De acordo com a Receita Federal e o Ministério Público, o grupo movimentou bilhões de reais no sistema financeiro formal, disfarçando recursos ilícitos como se fossem investimentos legítimos. Essa operação foi considerada um marco por mostrar a infiltração do crime organizado em estruturas sofisticadas do mercado financeiro brasileiro.