Há filmes que aterrissam. Outros apenas flutuam. Mas há ainda aqueles que chegam como um cometa — não pela destruição que causam, mas pela lembrança de que, mesmo entre os escombros do entretenimento saturado, ainda pode haver beleza no impacto. Superman, de James Gunn, é esse cometa. Um clarão inesperado num céu entulhado de super-heróis exaustos, que não apenas risca a atmosfera com cor e brilho, mas que, ao tocar o chão, planta raízes. Profundas, humanas, quase míticas.
LEIA TAMBÉM: ‘Como uma Onda no Mar’: um filme sobre acreditar quando ninguém mais acredita
Gunn escolhe não desenhar um novo mapa, mas voar por trilhas conhecidas com a ousadia de quem rasga as nuvens, não com arrogância, mas com confiança na história que tem a contar. Logo nos primeiros minutos, nos deparamos com uma sequência de datas que cortam o tempo como relâmpagos: há 300 anos surgiram os meta-humanos, há 30 caiu a nave, há 3 anos nasceu o Superman… e há 3 minutos ele perdeu. E é nesse momento que entendemos: não assistiremos à origem de um deus, mas ao abalo de um homem.

David Corenswet é a carne e o fôlego por trás do símbolo. Seu Clark Kent não é uma estátua viva ou um messias torturado. É um jovem cuja grandeza não nasce da força, mas da empatia. E é precisamente aí que reside o coração do filme — em um herói que não se isola em torres geladas ou fortalezas metafísicas, mas caminha entre os homens, desejando ser um deles.
A câmera de Gunn não o idolatra — ela o acompanha. Não o santifica — ela o escuta. Clark, neste universo inaugural, é alguém que leva o peso do mundo não nos ombros, mas nos olhos. E quando Lois Lane (vivida com vigor elétrico por Rachel Brosnahan) o confronta, não é a repórter enfrentando o alien. É a humanidade testando seu reflexo no espelho. Eles discutem, se atraem, se enfrentam — e entre uma palavra e outra, costuram a poesia da dúvida.

Mas onde há luz, também há sombra. E essa sombra atende pelo nome de Lex Luthor. Nicholas Hoult entrega não um vilão, mas um reflexo amargo da humanidade: um homem que se proclama o ápice da espécie enquanto é corroído pela inveja, pela fragilidade e pelo horror de não ser necessário. Lex quer apagar a estrela que brilha acima dele — não porque ela ameaça a Terra, mas porque obscurece seu próprio brilho. E sua trama para destituir o Superman é menos um plano e mais um grito: “Olhem para mim!”.

Aos poucos, o filme vai revelando sua natureza coral. Os meta-humanos surgem não como distração, mas como ecos de um mundo superpovoado de dons e carente de direção. O Sr. Incrível, o Lanterna Verde debochado, o silencioso Metamorfo, a subaproveitada Mulher-Gavião — todos são fragmentos de um universo que não para de expandir, como uma galáxia recém-nascida tentando entender sua própria gravidade. Gunn corre o risco de perder o controle desse cosmo — e por um momento, no segundo ato, quase o faz. Há tantos fios soltos que parece que o tecido vai se desfazer. Mas o que parecia colcha, no fim, é rede: sustenta.

Quando o terceiro ato chega, é como o retorno de um sol depois de um eclipse. As peças se encaixam, os confrontos ganham substância, e a ação – sempre estilizada, mas nunca gratuita – se torna extensão do drama. A batalha não é apenas contra o inimigo externo, mas contra as narrativas que tentam moldar o que um herói deve ser.
É nesse ponto que Superman se distingue de seus antecessores. Se Richard Donner o viu como um mito romântico e Zack Snyder como um messias dilacerado, James Gunn o vê como um filho da Terra. Kal-El pode ter vindo de Krypton, mas é Clark Kent que guia o filme. E ele não quer salvar o mundo de um apocalipse. Ele quer apenas fazer parte dele. O verdadeiro gesto heroico aqui não é erguer prédios — é olhar nos olhos de alguém e dizer: “Eu também tenho medo.”
Há algo de quase bíblico e, ao mesmo tempo, mundano nesse Superman. Ele tem um cachorro que late, um emprego que cansa, pais que se preocupam e uma cidade que o questiona. Mas, mesmo com tudo isso, ele continua acreditando. Não por ingenuidade, mas por escolha.

No fim, Superman não quer provar que voar é possível. Quer lembrar que, antes de voar, é preciso sonhar. E esse sonho, em tempos tão cínicos, é uma das coisas mais corajosas que o cinema de super-heróis pode oferecer. James Gunn, com todos os tropeços e excessos de sua empreitada, não entrega um filme perfeito — entrega algo melhor: um filme sincero.
Talvez isso não baste para reerguer a Warner. Talvez não seja suficiente para devolver o manto do Homem de Aço ao centro do panteão cultural. Mas, por duas horas e meia, Superman nos faz acreditar que ainda vale a pena olhar para o céu.
E acreditar que alguém está lá em cima — não como salvador, mas como irmão.
Veja o trailer do filme que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (10)
PONTO 360 — Nota: 8 pontos
Superman é mais do que o renascimento de um herói: é o reencontro do gênero com sua essência. James Gunn entrega uma obra pulsante, que ousa ser emocional num cenário acostumado à saturação. O filme voa alto ao apostar no afeto, no conflito íntimo e na beleza do simbólico. David Corenswet encarna um Superman sensível e grandioso, enquanto o roteiro costura mitologia e humanidade com coragem e carinho.
Apesar do segundo ato levemente sobrecarregado e da abundância de personagens que ameaçam o foco narrativo, o saldo é arrebatador. Com coração, espetáculo e ideias, Superman conquista o raro feito de parecer novo sem esquecer o que sempre foi.
🟣 Um novo ponto de partida para o cinema de heróis. E que ponto.
Ficha técnica
- Título original: Superman
- Ano: 2025
- País: EUA
- Duração: 129 minutos
- Gênero: Super-herói, Ação, Aventura, Sci-Fi
- Direção: James Gunn
- Elenco principal: David Corenswet | Alan Tudyk | Grace Chan | Bradley Cooper | Maria Gabriela de Faría | Sara Sampaio | Nicholas Hoult | Rachel Brosnahan | Nathan Fillion