Há 43 anos, o Brasil se despedia de Gregório Bezerra, um homem que nasceu no chão árido do agreste e se fez gigante na história do país. Um camponês pobre que enfrentou generais, prisões e torturas, mas nunca se curvou diante da injustiça. Sua vida foi a prova de que a resistência pode brotar da terra e florescer mesmo sob a força das correntes.
Nascido em 13 de março de 1900, no pequeno município de Panelas, no agreste de Pernambuco, Gregório cresceu em meio à miséria e ao abandono. Filho de lavradores, começou a trabalhar na lavoura ainda criança. A infância foi curta e marcada por privações. Órfão cedo, viu-se sozinho, sem acesso à escola, mas com um senso de justiça que crescia a cada injustiça que presenciava.
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Migrou jovem para o Recife, onde sobreviveu como vendedor ambulante, jornaleiro e carregador. Foi nas ruas da capital pernambucana que percebeu o contraste entre o luxo e a fome entre os que mandavam e os que obedeciam. Analfabeto até os 25 anos, Gregório aprendeu a ler e a escrever já no Exército Brasileiro, onde ingressou aos 22 anos. A farda lhe deu disciplina; a vida, consciência.
Em 1930, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), após conhecer de perto a desigualdade que esmagava o povo. Tornou-se uma das principais vozes da esquerda pernambucana e, em 1935, participou do levante da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que buscava um país soberano, sem miséria e sem tirania. Foi preso, torturado e condenado a mais de 20 anos de reclusão.
Durante o Estado Novo, Gregório passou por diversos presídios, de onde saiu com o corpo marcado, mas com a alma ainda mais convicta. Em 1945, com a anistia, retomou sua militância e, um ano depois, foi eleito deputado federal constituinte por Pernambuco, sendo o mais votado do estado. No Congresso, defendeu os trabalhadores, a reforma agrária e a democratização do país. Seu mandato, porém, durou pouco: em 1948, o PCB foi novamente colocado na ilegalidade e Gregório teve o mandato cassado.
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Mesmo fora da política institucional, nunca abandonou o povo. De volta à militância de base, percorreu engenhos, sindicatos e comunidades rurais, organizando camponeses e denunciando o latifúndio. Foi um dos primeiros a compreender que a luta pela terra era também uma luta pela dignidade humana.
Com o golpe militar de 1964, Gregório, então com 64 anos, voltou a ser alvo do regime. Preso em sua casa, foi arrastado e torturado publicamente nas ruas do Recife, sob as ordens do coronel Vilas Boas. A cena, que chocou o país, se transformou num dos episódios mais simbólicos da brutalidade da ditadura. Mesmo espancado, Gregório manteve a cabeça erguida e o olhar firme de quem sabia que estava do lado certo da história.
Exilado anos depois, viveu em Moscou e em Cuba, sempre defendendo os ideais socialistas e a liberdade dos povos latino-americanos. Com a Lei da Anistia, em 1979, retornou ao Brasil, onde foi recebido como herói pelos movimentos populares.
Gregório Bezerra faleceu em 21 de outubro de 1983, em São Paulo, aos 83 anos. Seu corpo descansa, mas sua voz segue viva nas marchas dos trabalhadores rurais, nas palavras dos que não aceitam a injustiça e nos livros que preservam sua história.
“Quero ser lembrado como um amigo das crianças, dos pobres e dos que sofrem e odiado pelos que exploram o povo”, disse certa vez. E é exatamente assim que Gregório permanece: lembrado com amor pelos que resistem, e com temor pelos que temem a justiça.
Mais do que um militante comunista, Gregório Bezerra é um símbolo nacional de resistência. Sua trajetória une o sertão e o asfalto, a dor e a esperança. Quarenta e três anos após sua morte, o país ainda se curva diante de sua coragem o homem feito de ferro e de flor, que nunca se dobrou diante da tirania.









