O Agente Secreto e a velha história de que “Quem vem de baixo tem que ralar dobro”   

O filme O Agente Secreto está no meio de sua pré-estreia e já encheu salas de cinema em todo o Brasil neste último final de semana, do dia 25 de outubro. A obra, dirigida por Kleber Mendonça Filho e estrelada por Wagner Moura, foi vencedora dos prêmios de Melhor Direção e Melhor Ator Principal no Festival de Cannes, em maio. O filme chega oficialmente às telonas brasileiras no dia 6 de novembro, conquistando o público com um thriller recifense de brilhar os olhos.

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Quase oito meses após o filme Ainda Estou Aqui ganhar a primeira estatueta brasileira no Oscar, o longa de Mendonça Filho reacende a chama do cinema nacional e levanta uma questão: “Quem vem de baixo tem que ralar o dobro?”

O filme se passa em diversos lugares e períodos, mas o que mais se destaca é a ambientação em um Recife dos anos 70 (terra natal do diretor), que faz o telespectador sentir o cheiro do mar — mesmo sem nunca chegar lá — e o calor de fevereiro na pele.

A trama conta a história de Marcelo (Wagner Moura), um acadêmico da área de tecnologia que chega à capital pernambucana, em pleno carnaval, para se refugiar de uma perseguição sistêmica. Lá, ele encontra abrigo em uma pensão que acolhe outras famílias, todas com segredos ocultos, comandada pela simpática Dona Sebastiana (Tânia Maria).

O filme é sutil, com um desenrolar constante, porém lento. As peças do quebra-cabeça vão se revelando aos poucos, os motivos dos personagens aparecem gradativamente, e o desenvolvimento de Marcelo — com uma atuação digna de estatueta de Wagner Moura — se completa em todas as searas até a última cena. É difícil não fazer paralelos com filmes de Quentin Tarantino, pois o desenvolvimento lembra algumas de suas obras, os jogos de câmera são semelhantes e o uso de referências é evidente. Assim como na narrativa, a performance de Wagner Moura se apoia na simplicidade de um personagem recluso, sem cenas exibicionistas, cujas motivações são compreendidas aos poucos. O arco do personagem retorna sempre à família, e não à violência que o cerca. Moura conduz isso com intensidade nas cenas com seu sogro, Seu Alexandre (Carlos Francisco), e com seu filho, Fernando.

Ao ler o título O Agente Secreto, ver o gênero thriller e o cenário recifense, é natural duvidar do tom da obra, imaginando um possível pastelão — gênero explorado, inclusive, com maestria em subtramas. No entanto, tudo combina perfeitamente. O tom misterioso é delimitado logo na inesquecível primeira cena. Há de se temer o sistema, e a morte está à espreita naquele sertão. Todos esses elementos colaboram para a crítica ao quadro geral — os mecanismos da ditadura militar. Essa linha narrativa, aparentemente tortuosa, funciona como uma corda bem afinada.

Entre quadros de presidentes do regime militar, uma perna ambulante, o filme Tubarão, e personagens que são verdadeiros crápulas, a tensão cresce e sufoca o protagonista. O longa apresenta elementos secundários marcantes, que completam a história e conferem carisma e presença ímpar à obra. O thriller paira no ar, servindo de pano de fundo para a miscelânea bem amarrada que se desenrola na tela. Por isso, cada brasileiro consegue encontrar em um detalhe o motivo para se encantar com o filme.

É no meio do carnaval que a crítica mais importante se esconde como um chocalho no sambanunca em primeiro plano, mas constante, presente e essencial. O filme aponta para a violência enraizada na ditadura e expõe outra faceta do regime: a corrupção.

O sistema permitiu — e até apoiou — a perseguição contra um acadêmico (Marcelo) que defendia a produção científica fora do eixo Sul-Sudeste e em todo o Brasil. O capital privado internacional, tão influente no país naquela época, é retratado como responsável pelo corrompimento sistemático mostrado na trama. Essa mensagem raramente aparece nos debates sobre o período, e o diretor conseguiu tratá-la com sutileza, mas de forma constante e clara para o público. É um tom bem delimitado, um pano de fundo e um chocalho.

A cereja do bolo, no entanto, é apenas chuchu com calda vermelha. Na última cena, o desfecho é contado, mas nunca mostrado. Nenhum dos personagens principais participa do epílogo, que ocorre de maneira abrupta. O final não prejudica a experiência do espectador, mas o deixa com a sensação de falta. É perceptível que ninguém na sala de cinema se importaria em assistir a mais meia hora de um filme já considerado relativamente longo. Isso é mérito do longa, que consegue prender o público a ponto de pedir bis, embora haja um pequeno demérito em não fazê-lo sentir-se completamente satisfeito.

O final, embora destoante, está longe de ser ruim. O filme é o representante brasileiro ao Oscar, e sua indicação é mais do que merecida. A montanha a ser escalada está em conquistar o reconhecimento da Academia. Muitos críticos afirmam que quem vence Cannes já está com meio corpo à frente na corrida pelo Oscar.

Se isso for verdade, é animador para o público brasileiro, embora se saiba da dificuldade da Academia em ultrapassar a barreira das legendas e reconhecer filmes internacionais — especialmente obras do Sul Global. Apesar de Ainda Estou Aqui ter vencido o prêmio de Melhor Filme Internacional no Oscar do ano anterior, o grito ainda ficou entalado na garganta diante de derrotas discutíveis em outras categorias.

Naturalmente, a arte é subjetiva, mas sabe-se que a pressão nas redes sociais e a intensa campanha de divulgação foram fundamentais para o sucesso de Ainda Estou Aqui. Sem esse suporte, será que o filme teria conquistado a estatueta? Longe de alimentar teorias, é difícil não se perguntar:

“Será que Ainda Estou Aqui não foi o melhor filme do ano e Fernanda Torres a melhor atriz?”
A resposta parecia óbvia para nós, brasileiros, mas resta o questionamento: é porque somos brasileiros ou porque realmente era o melhor?

A questão não é lamentar a falta de uma estatueta, mas refletir se o Brasil precisa se esforçar o dobro para obter o mesmo reconhecimento que um filme hollywoodiano. Seja como for, O Agente Secreto é certamente merecedor de estar na premiação de 2026.

Talvez não vença, diante de concorrentes igualmente fortes, mas o que o público brasileiro deseja é que, se merecer, não seja necessário mover montanhas para receber o reconhecimento devido. Que a Academia passe a valorizar produções do Sul Global e que seja cada vez mais comum ver filmes brasileiros premiados e exportados para o mundo, levando nossa arte e identidade além das fronteiras.

O Agente Secreto é mais uma prova de que Ainda Estou Aqui não foi um acaso, mas sim a confirmação de um país que produz cinema de excelência. O que resta é torcer para que essas duas obras abram caminho para um futuro mais justo com nossas produções, dignas de conquistar o mundo e converter os que ainda acreditam que não há bom cinema fora de Hollywood.

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