O grafite como expressão urbana

Embora seja comum associar o grafite às grandes cidades modernas, suas raízes remetem a práticas antigas de registrar símbolos e mensagens nas paredes, como a arte rupestre encontrada em diferentes partes do mundo. Mas o grafite como conhecemos hoje surgiu nos anos 1970, nos Estados Unidos, em meio à cultura hip hop. Nesse contexto, tornou-se não apenas estética urbana, mas também uma forma de protesto e afirmação social.

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No Brasil, o grafite se popularizou a partir da década de 1980 e logo se diferenciou do pixo, embora ambos ocupem os mesmos espaços da cidade. Enquanto o grafite se consolidou como forma de arte urbana, com murais coloridos e temáticas sociais, o pixo surgiu como linguagem direta e contestadora, marcada por letras estilizadas e traços monocromáticos. Para muitos, o grafite é associado à estética e criatividade, enquanto o pixo carrega o peso da criminalização, ainda que ambos compartilhem o mesmo gesto de inscrever a presença de quem normalmente é silenciado.

Mais do que uma intervenção estética, o grafite se consolidou como uma ferramenta de resistência política. Ao ocupar os muros das cidades, artistas transformam o espaço público em palco de reivindicações, expondo desigualdades sociais, racismo e exclusão. Cada traço é uma forma de marcar presença e afirmar identidades que muitas vezes não encontram espaço nos meios tradicionais de comunicação.

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Apesar de sua força cultural, o grafite e principalmente o pixo enfrentam constantemente a criminalização. No Brasil, a legislação muitas vezes enquadra essas práticas como crime ambiental ou ato de vandalismo, gerando debate sobre até que ponto a intervenção urbana deve ser punida. Enquanto gestores públicos autorizam e até incentivam murais em algumas regiões, em outras a repressão é imediata, revelando a contradição entre valorização artística e tentativa de silenciamento.

Ao mesmo tempo em que enfrenta repressão, o grafite também conquistou espaço como manifestação cultural de relevância. Hoje, murais coloridos integram circuitos turísticos, estão presentes em festivais e influenciam até a moda e a publicidade. Artistas como Alexandre Orion e Eduardo Kobra mostram como o grafite brasileiro pode ir além das ruas. Orion, em 2010, usou a poluição dos viadutos para desenhar crânios, em uma clara crítica à poluição causada pelos veículos, enfrentando a prefeitura que apagou parte da obra. Kobra, por sua vez, levou murais gigantes pelo mundo, com cores vibrantes e mensagens de conscientização social, provando que o grafite pode ser reconhecido como arte sem perder sua função de intervenção urbana.

Entre a criminalização e o reconhecimento, o grafite segue como um dos símbolos mais potentes da cultura urbana. Sua presença nos muros revela que a cidade não é apenas cenário, mas também espaço de disputa e expressão. Mais do que arte, o grafite é resistência.

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