Cinquenta e um anos após sua morte, Frei Tito de Alencar Lima continua sendo um dos nomes mais emblemáticos da resistência contra a ditadura militar no Brasil.
Religioso dominicano, militante estudantil e vítima de torturas brutais, Tito transformou sua vida e até mesmo sua morte em um símbolo de luta por memória, verdade e justiça. Nascido em 14 de setembro de 1945, em Fortaleza (CE), Tito ingressou ainda jovem na Juventude Estudantil Católica (JEC) e, posteriormente, tornou-se frade dominicano. Sua militância se intensificou no movimento estudantil e na defesa dos direitos humanos durante os anos de chumbo.
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Em 1968, foi preso durante o Congresso da UNE em Ibiúna. No ano seguinte, voltou a ser detido, acusado de ligação com a Ação Libertadora Nacional (ALN), e foi submetido a choques elétricos, pau-de-arara e espancamentos comandados pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos símbolos da repressão.
Foi durante essa segunda prisão que Frei Tito escreveu uma carta-denúncia que repercutiu internacionalmente, descrevendo as sessões de tortura a que foi submetido. No texto, ele relatou:
“Preferia morrer a perder a dignidade. (…) Se resisti até hoje, foi por acreditar que minha vida tinha algum sentido para o povo que sofre. Mas não suporto mais. Digo isso aos que me torturam: vocês podem matar o homem, mas não matarão a causa.”O documento, levado ao conhecimento da imprensa e de entidades internacionais de direitos humanos, tornou-se uma das provas mais contundentes das violações cometidas pela ditadura brasileira.
Libertado em 1970 por meio de uma troca de presos políticos pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado pela ALN e pelo MR-8, Frei Tito foi exilado no Chile, seguindo para Roma e por fim França.
Ao chegar ao Chile em 1971, após o exílio, Frei Tito concedeu entrevistas que se tornaram um registro essencial. Um dos momentos mais marcantes foi sua participação no documentário Brazil: A Report on Torture (“Brasil: um relato de tortura”), dirigido pelos cineastas americanos Haskell Wexler e Saul Landau.
O filme, produzido no contexto político tenso daquele período, reúne depoimentos de brasileiros exilados que haviam sido torturados no Brasil incluindo o relato impactante de Frei Tito e foi o primeiro registro audiovisual global denunciando essas violações .
No documentário, Tito e outros ex-prisioneiros encenam os métodos brutais de tortura a que foram submetidos como o “pau de arara” e choques elétricos trazendo ao público uma narrativa crua e visceral .
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O impacto do documentário foi duplo: por um lado, deu visibilidade internacional à crueldade da ditadura militar brasileira; por outro, compartilha o olhar de quem viveu cada experiência como o frade dominicano que, com voz trêmula em portunhol, afirmou: “Me torturaram por três dias seguidos. No terceiro, … tentei a morte” .
No entanto, os traumas da prisão e da tortura nunca deixaram de persegui-lo. Isolado e fragilizado psicologicamente, tirou a própria vida em 10 de agosto de 1974, aos 28 anos, no convento de Éveux.
Desde então, seu nome atravessa décadas como referência de coragem. No Ceará, o Escritório Frei Tito de Alencar de Direitos Humanos atua desde 2000 na defesa da cidadania e dos direitos humanos.
Em 2025, a casa onde ele viveu foi tombada para se tornar um memorial. Sessões solenes, atos públicos e produções culturais como o livro e o filme “Batismo de Sangue”, mantêm viva sua história.

Frei Tito- Créditos: Comissão Nacional da Verdade
Para historiadores e defensores dos direitos humanos, lembrar Frei Tito é mais do que revisitar o passado: é um exercício de vigilância democrática”. “Tito é um alerta permanente contra a barbárie e o autoritarismo”.
Cinco décadas depois, a vida e a morte de Frei Tito permanecem como um chamado à reflexão. Em tempos de ameaças à democracia e à verdade histórica, seu legado ecoa como uma voz que a repressão tentou silenciar, mas que o tempo transformou em grito de liberdade.