A revolta da geração Z contra os ‘nepo babies’ que sacode a política do Nepal

O Nepal, país localizado entre a Índia e o Tibete, conhecido por seus templos e pela Cordilheira do Himalaia, onde fica o Monte Everest, vê desde a última segunda-feira (8) suas ruas ocupadas por protestos de dimensões nunca vistas antes no país.

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A chamada Geração Z, que lidera as manifestações, saiu às ruas cobrando o fim da corrupção política e do nepotismo. A revolta foi estimulada pelo bloqueio de redes sociais como X (antigo Twitter) e Instagram, promovido pelo governo do país de 29,65 milhões de habitantes. A ação foi vista como tentativa de silenciar críticas ao governo e esconder o luxo de filhos de autoridades, os chamados “nepo babies”, que ostentavam riqueza nas plataformas enquanto a população enfrenta uma crise econômica.

Como resultado, já são 30 mortos e centenas de feridos em três dias de confrontos. Em meio ao caos, agentes penitenciários informaram que 900 detentos conseguiram escapar de duas prisões nos distritos ocidentais do Nepal.

Perfil do país. Gráfico - Vinicius Amorim/Ponto360
Perfil do país. Gráfico – Vinicius Amorim/Ponto360

A pressão foi tanta que o primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou e fugiu do país, deixando a jovem democracia nepalesa em colapso.

As manifestações se tornaram violentas na capital Katmandu, com milhares de pessoas nas ruas, grande parte se identificando como “genZ” (nativos digitais, nascidos entre 1995 e 2010). A força policial usou gás lacrimogêneo, canhões de água e balas contra manifestantes que escalavam muros do Parlamento e de outros prédios oficiais.

Na terça-feira, manifestantes atearam fogo no Parlamento e na casa do ex-primeiro-ministro Sher Bahadur Deuba. Sua esposa, Chitrakar, morreu após ser cercada pelas chamas. Ela chegou a ser resgatada, mas não resistiu às queimaduras e faleceu no hospital.

Suspensão de 26 redes sociais desencadeia protestos com milhares de pessoas nas ruas — Foto: Getty Images

Bloqueio de redes sociais

O Nepal é o país asiático com a maior taxa de consumo individual de redes sociais no sul do continente, o que ajuda a explicar a intensidade do motim.

Na semana passada, o governo de Oli decidiu, sob alegações de combate a notícias falsas, discurso de ódio e fraudes online, proibir o uso de 26 redes sociais, incluindo WhatsApp, Instagram, Facebook e o antigo Twitter.
A proibição foi revogada na última segunda-feira (8), diante da intensificação dos protestos. Para críticos, a medida foi uma tentativa de silenciar a campanha anticorrupção que ganhava força nas redes.

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Apesar de o bloqueio ter sido o gatilho da onda de protestos, o movimento expressa um descontentamento mais profundo com a liderança do país. Mesmo com as restrições, algumas plataformas continuaram funcionando, como o TikTok e uma rede social local, que serviram como canais de mobilização.

O que pedem os manifestantes nas ruas

As duas principais reivindicações estão claras:

  • a remoção da proibição do uso de redes sociais (já conquistada);
  • o fim das “práticas corruptas”.

A maioria dos manifestantes, composta por estudantes universitários, associa o bloqueio à restrição da liberdade de expressão e às denúncias de corrupção entre políticos.

Manifestações no Nepal começaram por redes sociais e cresceram para protestos contra corrupção governamental — Foto: Safal Prakash Shrestha/ZUMA/picture alliance

Qual é o papel dos chamados “nepo babies” nessa história?

“Nepo Kids” e “Nepo Babies” se tornaram slogans centrais dos protestos. Nos últimos dias, os termos ganharam força nas redes sociais do Nepal com a divulgação de vídeos que mostravam o luxo de políticos e suas famílias. Para os manifestantes, trata-se de privilégios sem mérito, financiados com dinheiro público, enquanto a população enfrenta dificuldades para sobreviver.

Vídeos que viralizaram no TikTok e no Instagram escancararam o contraste entre roupas de grife, viagens internacionais e carros de luxo da elite, e a realidade dos jovens, marcada por desemprego e migração forçada. Os termos se consolidaram como símbolo de uma frustração profunda diante da desigualdade no país.

Sushila Karki liderará transição política no Nepal após acordo entre manifestantes e Exército

A ex-presidente da Suprema Corte do Nepal, Sushila Karki, foi oficialmente nomeada como líder do governo interino. Primeira mulher a ocupar o cargo de chefe do Judiciário nepalês, Karki recebeu amplo apoio da geração Z e de líderes de protesto, que a escolheram por sua reputação de honestidade e neutralidade. 

Sua nomeação tem como objetivo conduzir o país durante a transição política e preparar o caminho para novas eleições, em meio à crise gerada pelos protestos contra corrupção e tentativa de censura de redes sociais.

Foto: Shahidul Alam/DRIK/Maioria Mundial

Desde a transição do Nepal de monarquia para república em 2008 e a promulgação da Constituição em 2015, o país continua a enfrentar desafios políticos e tensões institucionais. Diversos ministros, incluindo os das pastas de Agricultura, Água, Saúde e o próprio Interior, Ramesh Lekhak, já haviam deixado seus cargos durante a onda de violência.

O Nepal passa a ter um governo interino liderado por Sushila, primeira mulher à frente da chefia do país, que conduzirá a nação até a realização de novas eleições.

Autor

  • Vinicius Amorim

    Vinicius Amorim é jornalista em formação e atualmente atua na área de comunicação institucional da Assembleia Legislativa de São Paulo, onde desenvolve estratégias de branding político, assessoria de imprensa e posicionamento público. Com passagem por projetos de comunicação interna, employer branding e campanhas digitais, traz um olhar apurado para os movimentos da política e da geopolítica, interesse que surgiu a partir da vivência e atuação no ambiente político da Alesp.

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Um comentário

  • O primeiro protesto da Geração Z sendo tudo o que eles sempre mostrarem ser “Icônico”! As gravações em tempo real, os memes como “Formando Aura” e os próprios vídeos com treands do momento marca uma geração inteira, e mostra como nossa essência é presente e marcante também fora das redes sociais. Gostei do texto, parabéns!

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