O morango amargo da crise dos 27

Dia 27 de agosto deste ano, eu falei “até mais” e não voltei. A crise dos 27 foi a responsável pelo meu sumiço, não só da coluna, mas sinto que me ausentei da vida em geral. Eu buscava a resposta para a simples pergunta: sou adulta de verdade agora? A vida não é um morango, por isso refletir sobre ela gera crises existenciais desde a Grécia antiga. No fundo, as crises de idade são aqueles morangos amargos que sempre aparecem na caixa.

Em um artigo do The Guardian, o psicólogo Dr. Alex Fowke falou sobre a quarter-life crisis, ou “crise de um quarto da vida”. Para ele, esse período, na casa dos 20, é cheio de inseguranças e dúvidas sobre carreira, relacionamentos, dinheiro e mais. Já o Dr. James Arkell, psiquiatra, afirmou no mesmo artigo que atende muitos pacientes jovens:

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“O problema com esses padrões é que, na sociedade atual, os marcos da vida adulta foram obliterados. Nossas avós talvez já estivessem casadas e com filhos aos 21 anos, mas hoje, jovens de 21 anos têm a mesma probabilidade de ainda estarem morando com os pais.”

Entre Freud e a cultura pop

No meu aniversário, minha mãe disse que eu tinha a idade dela, quando me teve. Me peguei pensando que mal consigo ser mãe de et. Lembrei então da Teoria da Sexualidade Feminina, de Sigmund Freud, o famigerado.

Segundo ele, ao perceber que não tem pênis, a menina passa a se identificar com a mãe, internalizando papéis femininos da sociedade — a famosa “inveja do pênis”. Absurdo ou não, essa visão sugere que em algum momento a mulher despertaria o espelho materno. Pensei: será que aos 27 chegaria finalmente o tal instinto materno, até então inexistente?

Enquanto meu cérebro teórico analisava minha posição no mundo pela psicanálise, a cultura pop me oferecia outro espelho: o Clube dos 27.

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Clube dos 27

Por mais estranho que pareça, já adolescente eu dizia que morreria aos 27 para entrar nesse grupo de estrelas. Não devo ter sido a única (né?). Brian Jones (The Rolling Stones), Jimi Hendrix, Jean-Michel Basquiat, Kurt Cobain (Nirvana) e, minha favorita, Amy Winehouse, fazem parte desse clube exclusivo — artistas notórios que, infelizmente, faleceram aos 27 anos.

Amy Winehouse, Jean-Michel Basquiat, Jimi Hendrix, Brian Jones (The Rolling Stones) e Kurt Cobain (Nirvana)
Amy Winehouse, Jean-Michel Basquiat, Jimi Hendrix, Brian Jones (The Rolling Stones) e Kurt Cobain (Nirvana) | fotos dos artistas via Wikimedia Commons / Domínio Público

Em 2011, Alex Haines, assistente de Amy, ainda com 25 anos, contou à imprensa britânica que a cantora tinha medo de se juntar ao grupo:

“Ela achou que se juntaria ao Clube dos 27 de estrelas de rock que morreram com essa idade. Ela disse-me: ‘Eu sinto que vou morrer jovem’.”

Apesar de ser uma teoria da conspiração — já desmentida inclusive em estudos publicados pela British Medical Journal — algo em mim achava que havia um certo sentido cósmico nisso.

E aí veio a pergunta: no que diz respeito à minha vida, eu já havia realizado tudo o que sonhei quando criança… e agora?

Despertador do dia seguinte

O sol do amanhã seguinte ao meu aniversário nasceu e, adivinhem? Não, eu não morri aos 27. Sobrevivi. Mas não saí intacta: percebi que a vida adulta não vem com manual nem com datas certas.

“Mas na sua idade, eu já….”

Quem nunca ouviu uma frase que começou assim que atire a primeira pedra.

Só que essa comparação não é justa. Como disse o Dr. Arkell, aos 21 nossas avós já tinham casa, marido e filhos. Mas que outra escolha elas tinham? Não é fácil ser mulher em 2025, imagina quando nem podíamos ter conta bancária em nosso próprio nome. (O direito só veio em 1962, com o CPF independente de pais ou maridos.)

É claro que hoje estamos melhor, mas ainda vemos notícias de homens que dão 60 socos em suas namoradas — em um elevador, com câmera.

Virar estatística: o medo silencioso de ser mulher

Num domingo ensolarado, levei minha cachorrinha Aurora para passear em um bairro nobre de São Paulo. Um homem apareceu brincando com ela, e em poucos minutos já perguntava meu nome, onde eu morava e, por fim, se eu era casada. Foi a brecha que usei para mentir dizendo que sim. Acrescentei que meu marido estava ali próximo. Ele riu e recuou:

— Vou embora porque não quero apanhar.

Durante aquela breve interação, vi todos os dados de violência contra mulheres no Brasil desfilarem na minha cabeça. Senti que poderia ser mais uma estatística. Saí andando rápido, sem coragem de olhar para trás.

E o que mais me incomodou: assim que cheguei a um lugar seguro, a primeira coisa que fiz foi olhar a roupa que estava usando (calça e casaco). Esse reflexo me mostrou que, mesmo conquistando direitos, ainda não temos a segurança de existir.

Depois disso, fiquei com medo de sair sozinha com a Aurora. Enquanto isso, meu namorado pode levá-la para passear às duas da manhã sem pensar duas vezes. Mas isso é papo para outra edição.

Entre o medo e a coragem

O extremo entre deixar de fazer o que quero pelo medo e sair ressabiada — ressabiada é ótima palavra — não é saudável. Fiquei no loop entre o pavor de sair de casa e o pavor de nunca mais sair.

Foi então que percebi: assim como Amy, cair no “tudo ou nada” é uma armadilha. Se o medo é ser assediada na rua, talvez a saída esteja em aprender defesa pessoal. Para cada “e se” da vida, existe uma resposta possível.

Se realizei meus sonhos antes dos 27, é hora de criar novos. As conquistas não precisam caber na timeline da cultura pop nem no divã da psicanálise. Comecei a valorizar minhas pequenas vitórias: manter Aurora viva (ela é aventureira demais, cada dia é um “ufa”), não matar todas as plantas (já melhorei), escrever minhas ideias e falar das minhas crises sem medo de parecer dramática. Isso já é bem adulto.

Coragem de falar — ou escrever — as próprias dores sem medo do julgamento talvez seja a prova de que estamos mais perto da vida adulta do que imaginamos.

No fim, o que quero dizer é…

Se você está nos 20 e poucos, lembre-se de viver hoje. Mate algumas plantas, enfrente medos pequenos e grandes, reveja seu filme favorito da infância, escute música alta, prove roupas diferentes, corte o cabelo e se arrependa. Essa pode ser a melhor fase da sua vida — se você quiser. (E se não for, tudo bem esperar até os 30, 40 e por aí vai).

A vida não é um morango. Mas ainda assim, a gente morde. 🍓

Até semana que vem!


Nem a biologia, nem a matemática conseguem provar, com certeza, a doçura de um morango — assim como a filosofia ainda não respondeu por que alguns dias são doces e outros, azedos. Nesta coluna, vamos destrinchar o cotidiano tentando deixar o azedo menos difícil de engolir e o doce mais fácil de guardar na memória.

Este é o campo de morangos mais agridoce da internet. Pegue seu morango e entre! 🍓

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Um comentário

  • Lis, acompanho o seu trabalho e gosto muito! Amei a coluna!
    Estou com 27 também e me senti bastante inadequada a vida adulta lá pelos 25 e hoje, depois de me deitar no divã da análise por várias horas, consigo me enxergar como adulta tranquilamente mas ainda com receio demais de errar… será q depois dos 30 a situação melhora? Espero que sim.
    Bjs

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