STJ valida mudança de gênero neutro em documentos oficiais

Em uma decisão histórica e unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assegurou o direito à retificação do registro civil para que pessoas não binárias possam ter seu gênero reconhecido formalmente como neutro. O colegiado argumentou que, apesar da ausência de uma lei específica sobre o tema, não existe justificativa legal para diferenciar o tratamento dado a pessoas transgênero binárias – que já possuem o direito de alterar seus documentos para masculino ou feminino – e àquelas que não se identificam dentro desse binário. Para os ministros, a identidade de gênero autopercebida deve prevalecer no registro civil.

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A Turma ressaltou que a autodeterminação de gênero e a identidade sexual são direitos intrinsecamente ligados ao livre desenvolvimento da personalidade e a capacidade de cada indivíduo de fazer escolhas que deem significado à sua existência. A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, enfatizou que a decisão não elimina o campo “gênero” da certidão de nascimento, mas sim garante o reconhecimento oficial da identidade da pessoa.

“Todos que têm gênero não binário e querem decidir sobre sua identidade de gênero devem receber respeito e dignidade, para que não sejam estigmatizados e fiquem à margem da lei”, declarou a ministra, defendendo o direito à autoidentificação.

O caso em questão envolveu uma pessoa que, após ter passado por processos de transição e alterado seu nome e gênero para o masculino no registro civil, percebeu que sua identidade de gênero era, na verdade, não binária. As instâncias inferiores da Justiça haviam negado o pedido de retificação, sob o argumento de que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece apenas os gêneros feminino e masculino, e que a adoção do gênero neutro demandaria um debate mais amplo e legislação específica.

Nancy Andrighi rebateu esse argumento, lembrando que a jurisprudência brasileira já permite que pessoas transgênero modifiquem seus prenomes e gêneros extrajudicialmente, com base em sua autoidentificação. Ela ponderou que seria incoerente negar o mesmo direito a pessoas não binárias, uma vez que ambas as experiências envolvem uma dissonância com o gênero atribuído no nascimento. Para a ministra, a identidade autopercebida reflete a autonomia privada e a máxima expressão da dignidade humana.

A relatora também se valeu da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e do Código de Processo Civil para argumentar que a ausência de uma lei específica não pode impedir a resolução do caso nem ser interpretada como inexistência do direito. Andrighi mencionou exemplos de países como Alemanha, Austrália, França, Holanda e Índia, que já reconhecem legalmente a existência de um terceiro gênero não binário.

O número do processo não foi divulgado devido a segredo judicial. A decisão da Terceira Turma representa um avanço significativo no reconhecimento dos direitos das pessoas não binárias no Brasil, abrindo um precedente importante para futuras decisões e para a possível necessidade de regulamentação legislativa sobre o tema.

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