O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou nesta terça-feira (2), no primeiro dia do julgamento da trama golpista, que não punir a tentativa de golpe “recrudesce ímpetos de autoritarismo” e prejudica a vida civilizada.
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A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) analisa o caso envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete ex-auxiliares, processados por ações que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), visaram impedir a posse do presidente Lula e manter o governo anterior no poder entre o fim de 2022 e o início de 2023.
Em suas alegações finais, Gonet destacou que Bolsonaro seria o maior beneficiado pela trama golpista e também o líder da organização criminosa que tentou subverter a democracia. O procurador ressaltou que o grupo colocou em marcha planos de operação antidemocrática ofensiva ao bem jurídico tutelado.
Golpe não precisa de assinatura
O procurador também explicou que, de acordo com a lei, não é necessário uma ordem oficial assinada pelo presidente para caracterizar o crime de golpe de Estado. Bastam as reuniões de teor golpista verificadas ao longo das investigações.
“Para que a tentativa se consolide, não é indispensável que haja ordem assinada pelo presidente da República para adoção de medidas estranhas à realidade funcional. A tentativa se revela na prática de atos e de ações dedicadas ao propósito da ruptura das regras constitucionais sobre o exercício do poder, um apelo ao emprego da força bruta, real ou ameaçada”, explicou Gonet.
Segundo ele, “quando o presidente e o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de estado, o processo criminoso já está em curso”.
Atos ‘tenebrosos’ e violência
Gonet lembrou ainda ações violentas de apoiadores de Bolsonaro entre o fim de 2022 e início de 2023, classificando os episódios como “espantosos e tenebrosos”. Entre eles estão:
- O ataque ao prédio da Polícia Federal, em Brasília, no dia 12 de dezembro de 2022, data da diplomação do presidente Lula;
- A bomba encontrada em um caminhão no estacionamento do aeroporto de Brasília, na véspera do Natal de 2022;
- Acampamentos golpistas em frente a quartéis;
- Ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

“Os atos que compõem o panorama espantoso e tenebroso da denúncia são fenômenos de atentado com relevância criminal contra as instituições democráticas. Não podem ser tratados como atos de importância menor, como devaneios utópicos anódinos nem como precipitações a serem reduzidas, com o passar dos dias, a um plano bonachão e irreverente”, disse o procurador.
Ele ainda citou planos revelados pelas investigações da Polícia Federal para assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
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Gonet reforçou que a denúncia se baseia em elementos concretos, já que “os próprios integrantes [da organização criminosa] documentaram quase todas as fases da empreitada”. Segundo ele:
“não há como negar fatos praticados publicamente, planos aprendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados […] Encontra-se materialmente aprovada a sequência de atos destinados a propiciar a ruptura da normalidade do processo sucessório”.
O 8 de janeiro já estava planejado
O procurador afirmou que a ideia de um protesto na Praça dos Três Poderes, que ocorreu em 8 de janeiro, já fazia parte dos planos do grupo desde novembro de 2022, conforme mensagens trocadas entre Mauro Cid e o militar Rafael de Oliveira, réu em outro núcleo da trama golpista.
“O apoio da organização criminosa para acampamentos em quartéis onde se clamava abertamente por intervenção militar se insere no contexto de ruptura por meio de violência”, afirmou Gonet.
Ele acrescentou:
“O 8 de janeiro de 2023 pode não ter sido o objetivo principal do grupo, mas passou a ser desejado e incentivado, tornando-se a verdadeira opção disponível. A ideia de manifestações na Praça dos Três Poderes, especialmente diante do Supremo e do Congresso Nacional, já estava no painel de ações do grupo”.
Por fim, Gonet concluiu que “o apogeu violento desses atos incentivados pela organização criminosa ocorreu no dia 8 de janeiro”.