O ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, negou ao Supremo Tribunal Federal (STF) ter participado de qualquer trama golpista para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, ele confirmou a existência de reuniões com o então presidente Jair Bolsonaro e outros altos oficiais das Forças Armadas, nas quais foram discutidas medidas como a decretação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e outras “necessidades adicionais”.
O depoimento de Garnier ocorreu no âmbito do inquérito que investiga a tentativa de golpe após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022. Garnier é apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o único comandante das Forças Armadas que teria aderido a um plano golpista.
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Reunião no Alvorada
Segundo Garnier, no dia 7 de dezembro de 2022, participou de uma reunião no Palácio da Alvorada com Bolsonaro, o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, e o comandante do Exército, general Freire Gomes. Durante o encontro, uma apresentação de slides foi exibida, listando tópicos relacionados à segurança pública e eventuais medidas institucionais.

O almirante negou que qualquer documento físico — como uma “minuta do golpe” — tenha sido apresentado ou distribuído. Ele também afirmou que a proposta de decretação de GLO estava em avaliação diante da mobilização de apoiadores bolsonaristas nas ruas.
“Eu não vi minuta, ministro. Eu vi uma apresentação…”, declarou Garnier, ao ser questionado se havia tido contato com um documento do tipo.
“Senhor ministro, como lhe disse, não houve deliberações…”, completou, ao negar que a reunião tenha tomado decisões concretas.
“Não houve ordem direta para executar qualquer ação.”
Segundo encontro
No dia 14 de dezembro de 2022, uma nova reunião teria ocorrido, segundo o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Baptista Júnior. Garnier confirma que esteve presente, mas afirmou que o encontro foi breve. Segundo ele, já havia uma “tensão no ar”, e o ministro Paulo Sérgio teria encerrado a conversa sem apresentar pauta relevante.
Mais uma vez, o almirante negou ter visto qualquer minuta ou plano golpista, alegando que não participou de tratativas sobre reversão do resultado eleitoral.
Versões contraditórias
O depoimento de Garnier contradiz o de Baptista Júnior, que afirmou à PF que o ex-comandante da Marinha teria se colocado à disposição de Bolsonaro com “navios, fuzileiros e homens prontos para o que fosse necessário”.
Garnier rebateu a acusação, dizendo que sua atuação sempre foi institucional e que jamais se ofereceu para apoiar qualquer medida fora da Constituição. Ele reforçou que a Marinha é uma força “extremamente hierarquizada” e que não tomou nenhuma decisão isolada.
Ponto central da investigação
A apuração sobre a suposta trama golpista ganhou força após a Polícia Federal encontrar na casa do ex-ministro Anderson Torres uma minuta de decreto que previa a instauração de estado de sítio ou de defesa. A proposta visava reverter o resultado eleitoral sob pretextos jurídicos frágeis. O nome de Garnier passou a ser citado como potencial aliado dentro das Forças Armadas.
Embora negue envolvimento direto, a PGR vê em Garnier um elo militar relevante no plano frustrado. Freire Gomes, do Exército, e Baptista Júnior, da Aeronáutica, também prestaram depoimentos com versões diferentes, o que acirra ainda mais o clima de desconfiança no caso.
Primeiro dia de depoimentos
O interrogatório começou com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator da investigação. Ele confirmou a veracidade da denúncia da PGR e declarou:

“Presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles.”
Cid afirmou que Bolsonaro teve acesso, leu e sugeriu mudanças na chamada ‘minuta do golpe’, um documento com medidas autoritárias para tentar reverter o resultado das eleições. Segundo Cid, o então presidente pediu a retirada do trecho que previa a prisão de autoridades, mas manteve o item que determinava a detenção do ministro Alexandre de Moraes.
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“Bolsonaro queria um texto duro contra o sistema de votação”, confirmou Cid ao ser questionado por Moraes.
Em seguida, foi ouvido o deputado Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin. Ele alegou que o documento que escreveu questionando o resultado das eleições era apenas um rascunho pessoal e negou ter compartilhado qualquer material com Bolsonaro. Também rechaçou ter feito monitoramento de autoridades enquanto chefiava a agência.
“Decerto que não fiz monitoramento de autoridades”, afirmou Ramagem.
Reta final do processo
A fase atual do processo é a de instrução, destinada à coleta de provas. Durante o mês de maio, o STF ouviu testemunhas de defesa e acusação. Agora, os réus têm a palavra. Ainda não houve condenações nem absolvições — isso ocorrerá somente após o julgamento.
A defesa pode permanecer em silêncio, direito garantido por lei, sem prejuízo ao processo.
Participantes da audiência
As sessões são conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Ele faz as primeiras perguntas aos réus, seguido pelo procurador-geral da República, Paulo Goinet, e pelos advogados de todos os acusados. As perguntas da acusação e da defesa são intermediadas por Moraes, conforme prevê o Código de Processo Penal.
Ordem dos depoimentos
Mauro Cid abriu a rodada de interrogatórios por ser delator. Os demais réus são ouvidos em ordem alfabética. Já prestaram depoimento:
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
- Augusto Heleno, ex-ministro do GSI
Ainda devem ser ouvidos:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa
- Walter Braga Netto, ex-ministro e ex-candidato a vice
Próximos passos
Após os depoimentos, defesa e acusação poderão solicitar diligências complementares. Depois, será aberto o prazo de 15 dias para as alegações finais — documento em que as partes resumem suas teses e apresentam argumentos pela condenação ou absolvição.
Em seguida, o caso poderá ser pautado para julgamento na Primeira Turma do STF, que decidirá se os réus serão condenados ou absolvidos. Ambas as decisões são passíveis de recurso dentro do próprio Supremo.