Ex-ministro da Defesa nega golpe e pede desculpas por falas sobre o TSE em depoimento

O ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira prestou, nesta terça-feira (10), depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito que apura uma possível tentativa de golpe de Estado articulada pelo núcleo político do governo Bolsonaro após as eleições de 2022.

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Durante a oitiva, o general da reserva negou qualquer envolvimento em planos golpistas e tentou se desvincular de documentos e falas que colocaram em dúvida a integridade do processo eleitoral brasileiro.


“Foram palavras mal colocadas”

Logo no início de sua fala, Paulo Sérgio tentou se retratar publicamente sobre suas declarações passadas que atacavam o sistema eleitoral. Ele afirmou:

“Foram palavras mal colocadas. Dar a entender de chamar o TSE de inimigo, isso jamais, em tempo algum.”

O pedido de desculpas foi interpretado por investigadores como uma tentativa de atenuar sua responsabilização diante das evidências de que o Ministério da Defesa, sob sua gestão, participou ativamente da estratégia de deslegitimação das urnas eletrônicas, alimentando a narrativa de fraude eleitoral.

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“Nunca tratei de minuta de golpe”

Um dos pontos centrais do depoimento foi a minuta de decreto de Estado de Defesa e prisão de autoridades, documento encontrado pela Polícia Federal em posse de aliados de Bolsonaro. Questionado sobre o texto, Paulo Sérgio negou ter lidado com ele:

“Nunca peguei em minuta de golpe. Nunca tratei de minuta de golpe com meus três comandantes.”

O ex-ministro também afirmou que a ideia não foi levada adiante por ele e que qualquer menção a planos de ruptura institucional foi prontamente rejeitada:

“Eu conversei: ‘Presidente, não se fala mais nisso, homem’. E realmente eu acreditei.”

Essa declaração reforça o depoimento de outros militares que disseram ter desaconselhado o então presidente a seguir com medidas antidemocráticas.


A reunião com Freire Gomes e a preocupação com os rumos

Paulo Sérgio relatou ao STF que, após uma reunião em 7 de dezembro de 2022 no Palácio da Alvorada — considerada peça-chave nas investigações —, ficou alarmado com o teor das conversas e procurou o comandante do Exército, general Freire Gomes:

“Liguei para o Freire Gomes e disse: ‘Aquilo não pode prosperar’. A gente viu que não era cabível, que não havia respaldo.”

Essa posição, segundo ele, foi clara para os comandantes das três Forças Armadas, com os quais manteve alinhamento em favor da legalidade. O ex-ministro afirmou ter adotado postura cautelosa até o fim da gestão:

“Jamais houve qualquer ação concreta para deflagrar algo fora das quatro linhas da Constituição. Eu segui a lei até o último dia no cargo.”

O general Paulo Sérgio Nogueira reclamou de perguntas feitas pelo próprio advogado, Andrew Farias, durante interrogatório no STF nesta terça-feira (10) - Foto: Fellipe Sampaio/STF
O general Paulo Sérgio Nogueira reclamou de perguntas feitas pelo próprio advogado, Andrew Farias, durante interrogatório no STF nesta terça-feira (10) – Foto: Fellipe Sampaio/STF

Distanciamento de assessores radicais

O general da reserva também tentou se afastar de figuras como Filipe Martins, ex-assessor internacional da Presidência, e do coronel Élcio Franco, ambos investigados por participar da articulação de medidas excepcionais. Segundo Paulo Sérgio, esses nomes jamais participaram de reuniões técnicas da Defesa, e ele teria limitado suas influências:

“As decisões do Ministério da Defesa eram técnicas e sempre fundamentadas em pareceres jurídicos. Não cabia a assessores externos ditar qualquer diretriz.”

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Exército não embarcou na ruptura

Questionado se houve intenção de utilizar as Forças Armadas para impedir a posse de Lula, o ex-ministro foi enfático:

“Não houve nenhuma ordem nesse sentido. O Exército brasileiro não participaria de um ato fora da legalidade. Tenho orgulho da minha tropa e sei que todos os generais sabiam da responsabilidade institucional.”

Esse ponto é central para a defesa de Paulo Sérgio, que busca demonstrar que, apesar das pressões políticas, os comandos militares se mantiveram dentro dos limites constitucionais.

Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, pede desculpas por ter criticado o TSE - Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa, pede desculpas por ter criticado o TSE – Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Interpretação da PGR e próximos passos

Apesar da tentativa de se desvincular do núcleo golpista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) considera que Paulo Sérgio exerceu papel relevante ao institucionalizar dúvidas sobre o sistema eleitoral, sobretudo ao conduzir as inspeções feitas pelos militares nas urnas eletrônicas e ao endossar publicamente, durante meses, a narrativa de que o processo eleitoral era falho.

A depender do cruzamento de seu depoimento com outras provas, como delações e trocas de mensagens, o ex-ministro pode ser denunciado formalmente por omissão e conivência, ou até como parte do núcleo militar da trama golpista.


Reta final do processo

A fase atual do processo é a de instrução, destinada à coleta de provas. Durante o mês de maio, o STF ouviu testemunhas de defesa e acusação. Agora, os réus têm a palavra. Ainda não houve condenações nem absolvições — isso ocorrerá somente após o julgamento.

A defesa pode permanecer em silêncio, direito garantido por lei, sem prejuízo ao processo.

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Participantes da audiência

As sessões são conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Ele faz as primeiras perguntas aos réus, seguido pelo procurador-geral da República, Paulo Goinet, e pelos advogados de todos os acusados. As perguntas da acusação e da defesa são intermediadas por Moraes, conforme prevê o Código de Processo Penal.

Ordem dos depoimentos

Mauro Cid abriu a rodada de interrogatórios por ser delator. Os demais réus são ouvidos em ordem alfabética. Já prestaram depoimento:

  • Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
  • Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin
  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
  • Augusto Heleno, ex-ministro do GSI
  • Jair Bolsonaro, ex-presidente
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa

Ainda devem ser ouvidos:

  • Walter Braga Netto, ex-ministro e ex-candidato a vice

Próximos passos

Após os depoimentos, defesa e acusação poderão solicitar diligências complementares. Depois, será aberto o prazo de 15 dias para as alegações finais — documento em que as partes resumem suas teses e apresentam argumentos pela condenação ou absolvição.

Em seguida, o caso poderá ser pautado para julgamento na Primeira Turma do STF, que decidirá se os réus serão condenados ou absolvidos. Ambas as decisões são passíveis de recurso dentro do próprio Supremo.

Autor

  • Nicolas Pedrosa

    Jornalista formado pela UNIP, com experiência em TV, rádio, podcasts e assessoria de imprensa, especialmente na área da saúde. Atuou na Prefeitura de São Vicente durante a pandemia e atualmente gerencia a comunicação da Caixa de Saúde e Pecúlio de São Vicente. Apaixonado por leitura e escrita, desenvolvo livros que abordam temas sociais e histórias de superação, unindo técnica e sensibilidade narrativa.

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