Nos últimos dias, a confirmação de que o Primeiro Comando da Capital (PCC) matou o ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, reacendeu o alerta das autoridades sobre a necessidade de ações mais contundentes contra a maior facção criminosa do país.
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Com origem há mais de 30 anos dentro do sistema prisional paulista, o PCC começou como um pequeno grupo de presos e, em duas décadas, transformou-se em uma facção com cerca de 5 mil integrantes, restrita a São Paulo na época. Atualmente, estima-se que a organização conte com aproximadamente 40 mil membros e seja comparável a uma máfia, segundo o promotor Lincoln Gakiya:
“O que nos preocupa é que a organização está tomando tamanho de máfia, se infiltrando no estado, participando de licitações de estado. Isso é característico de máfias, como a gente já viu na Itália. Essa operação está atuando na asfixia financeira desse grupo”, afirmou Gakiya.
O ex-delegado Ruy Ferraz foi morto a tiros em Praia Grande, litoral paulista, 20 anos após ter prendido o líder da facção, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, detido em 1999 por formação de quadrilha. Apesar de aposentado, Ruy atuava como Secretário da Administração na Baixada Santista, uma das regiões mais influenciadas pelo PCC, e não possuía escolta. Por sua atuação contra a facção, ele, outros policiais, promotores e juízes recebiam ameaças de morte constantes dos integrantes do PCC.

Em 2006, o PCC já havia demonstrado sua capacidade de reação ao coordenar uma série de ataques contra forças de segurança em São Paulo. Ruy Ferraz, além de combater diretamente a facção, foi pioneiro na criação de um organograma detalhando os membros e a estrutura do PCC, que passou a ser compartilhado entre polícia, Ministério Público e Justiça. Essa exposição irritou a cúpula do grupo, especialmente após a prisão de seus líderes em operações da polícia e do Gaeco.
Sobre o crescimento da facção, Gakiya afirmou:
“Esse crescimento não foi da noite para o dia. Ele tem pelo menos duas décadas. Houve falhas do Estado no controle dessa organização criminosa, tanto na investigação quanto na persecução penal. Medidas poderiam ter sido adotadas para evitar que o grupo atingisse esse tamanho.”
O promotor reforçou:
“A ausência do Estado permite o surgimento e a manutenção dessas organizações. Criaram lemas, estruturas iniciais e normativa própria. E setores de segurança pública demoraram a admitir a existência do grupo.”
Desde janeiro de 2023, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) intensificou o combate ao crime organizado com investimentos superiores a R$ 1,1 bilhão em tecnologia, equipamentos e inteligência policial. Segundo a SSP-SP:
“O combate ao crime organizado vem sendo intensificado desde o início da atual gestão. As forças de segurança atuam de forma integrada para asfixiar financeiramente esses grupos e desarticular seu ecossistema. Mais de R$ 62 milhões em recursos e bens foram recuperados, e identificamos outros R$ 21 bilhões em movimentações ilícitas para futura recuperação. Cerca de 610 toneladas de drogas foram apreendidas, mais de 300 mil prisões foram efetuadas, incluindo líderes importantes da facção. Todas as medidas necessárias estão sendo adotadas para conter e reduzir o poder das organizações criminosas.”
Paralelamente, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) afirmou:
“Combatemos diuturnamente o crime organizado, em colaboração estreita com as demais forças de Segurança Pública e o Ministério Público. Temos parcerias com o Governo Federal para troca de informações, conhecimento e tecnologia na luta contra as facções criminosas.”
Apesar das ações estaduais, o PCC mantém influência internacional, estando mapeado em 28 países, com membros presos e soltos, especialmente no Paraguai e em presídios europeus. A Polícia Federal e o Depen, responsáveis pelo monitoramento das fronteiras e do sistema penitenciário federal, não se posicionaram sobre o caso até a última atualização.
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História, estrutura e alcance do PCC: da origem carcerária à máfia global
Capítulo 1 – A gênese da facção: futebol, rivalidade e proteção
O PCC nasceu em 1993 na Casa de Custódia de Taubaté, interior paulista, no contexto de violência institucional e negligência do Estado. Um ano antes, em 1992, ocorreu o Massacre do Carandiru, quando 111 detentos foram mortos pela Polícia Militar durante uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo. Este episódio se tornou a narrativa fundadora do PCC: a percepção de que o Estado era opressor e que a violência poderia ser enfrentada apenas com organização própria.
O grupo fundador era formado por oito presos paulistanos, conhecidos como “os da capital”. Eles formaram o time Comando Capital para disputar um campeonato interno. A vitória sobre o Comando Caipira não foi apenas simbólica: durante a celebração na noite de 31 de agosto, os líderes decidiram formalizar a criação de uma organização estruturada, com regras próprias, disciplina interna e hierarquia clara.
Perfis dos fundadores
| Nome | Apelido | Função | Perfil e histórico |
|---|---|---|---|
| Mizael Aparecido da Silva | – | Criador do primeiro estatuto | Estrategista que formalizou regras internas e disciplinou a facção. |
| Idemir Carlos Ambrósio | Sombra | Primeiro chefe | Líder operacional, articulador das primeiras ações e expansão. |
| César Augusto Roriz | Cesinha | Executor | Conhecido pela extrema violência, responsável por punições e execuções. |
| José Márcio Felício | Geleião | Criador da sigla PCC | Idealizador da identidade e símbolos da organização. |
Além de proteção, o grupo estabeleceu normas internas: proibição de estupros, controle do uso de drogas e restrição de homicídios injustos.
Capítulo 2 – Consolidação no sistema prisional
Após a fundação, o PCC expandiu-se para outros presídios paulistas. A transferência de membros permitiu recrutar novos integrantes e replicar a estrutura hierárquica, criando um modelo de organização que podia ser aplicado em qualquer unidade prisional.
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Os presídios eram “panelas de pressão”, segundo o médico Drauzio Varella. Rebeliões eram frequentes, e medidas improvisadas — corte de água, luz e alimentação — eram comuns. Essa negligência do Estado permitiu que o PCC estruturasse regras internas e fortalecesse a disciplina entre os membros.
Segundo o livro Irmãos: Uma história do PCC (2018), a organização adotou políticas internas como:
- Interdição ao estupro entre presos;
- Proibição de homicídios considerados injustos;
- Controle no uso de drogas como crack.
Simultaneamente, a facção começou a enfrentar os adversários internos, conhecidos como “coisas”, e autoridades, fortalecendo seu ecossistema criminoso e disciplina interna.
“O PCC nasceu para proteger, mas se tornou uma organização estruturada com regras e lemas próprios”, afirma Gabriel Feltran, autor do livro.
Linha do tempo da consolidação
| Ano | Evento | Impacto |
|---|---|---|
| 1993 | Fundação | Criação do núcleo fundador e estatuto interno |
| 1995 | Expansão para outros presídios | Recrutamento sistemático e consolidação hierárquica |
| 1999 | Prisão de Marcola | Primeiro líder preso, incentivando atuação fora das prisões |
| 2006 | Ataques coordenados | Demonstração de força e capacidade logística |
| 2010 | Receita anual de R$ 12 milhões | Consolidação financeira no tráfico estadual |
| 2016 | Expansão internacional | Tráfico de cocaína para Europa, aumento do poder econômico |
| 2019 | Reconhecimento federal | Operações coordenadas contra o PCC com apoio da União |
| 2025 | Assassinato de Ruy Ferraz | Retomada do debate sobre ausência do Estado e alcance da facção |
Capítulo 3 – Expansão nacional e internacional
Nos anos 2000, o PCC consolidou presença em territórios urbanos, bairros periféricos e presídios.
Alcance global
- 40 mil membros, maioria presos;
- 2.078 integrantes em 28 países, incluindo Paraguai, Espanha, França, Holanda e Irlanda;
- Faturamento estimado em R$ 1 bilhão/ano, incluindo tráfico internacional;
- Estrutura hierárquica rígida e centralizada, permitindo coordenação de tráfico, lavagem de dinheiro e corrupção.
O Paraguai concentra o maior número de membros no exterior (699). A presença na Europa permite o tráfico internacional de cocaína e integração com redes criminosas locais, mostrando a capacidade de adaptação do PCC.
O crescimento foi favorecido por falhas históricas do Estado, que inicialmente negou a existência de uma organização estruturada dentro dos presídios.

“O que vemos hoje é uma organização que atua em quase todos os estados do Brasil, com políticas internas próprias e disciplina para manter a ordem entre seus membros”, explica Lincoln Gakiya.
“O PCC é um polo atrativo para qualquer criminoso que queira atuar de forma organizada, seja no tráfico ou em ações estruturadas, como roubos a bancos e ataques a carros-fortes”, observa um promotor do Ministério Público.
Capítulo 4 – Estratégias financeiras e criminalidade organizada
O PCC se transformou em uma máfia moderna, com operações sofisticadas:
- Tráfico nacional e internacional de drogas;
- Lavagem de dinheiro por empresas de fachada e imóveis;
- Extorsão e sequestros;
- Infiltração em licitações e mercados locais;
- Controle territorial em periferias e presídios.
O crescimento financeiro é evidente: de R$ 12 milhões em 2010, a facção movimenta atualmente mais de US$ 1 bilhão/ano, incluindo tráfico internacional e operações de lavagem de dinheiro.
Capítulo 5 – Confrontos históricos com o Estado
O PCC mantém conflitos diretos com autoridades e rivais:
- 2006: ataques a policiais, presídios e rodovias em São Paulo;
- 2019: ameaças a Sérgio Moro;
- 2025: assassinato de Ruy Ferraz, que mapeou organogramas da facção.
Embora mantenha lemas de “paz interna”, o PCC exerce violência extrema contra adversários e órgãos do Estado.
“Só após esses ataques o Estado reconheceu oficialmente a existência da organização”, destacou um promotor do Gaeco.
Capítulo 6 – Perfis de líderes históricos e atuais
Além dos fundadores, líderes-chave incluem:
| Nome | Apelido | Função | Contexto |
|---|---|---|---|
| Marcos Willians Herbas Camacho | Marcola | Chefe | Detido em 1999, organizou expansão nacional e internacional |
| Léo do Moinho | – | Líder operacional | Responsável por coordenação de tráfico e operações em São Paulo |
| Karen de Moura Tanaka Mori | Japa | Líder feminina | Comando de operações financeiras e logísticas |
| Caio Vinicius | Nego Boy | Líder regional | Chefia o tráfico em comunidades de Santos |
Capítulo 7 – Impacto social e econômico
O PCC influencia:
- Violência urbana, com homicídios, sequestros e extorsões;
- Sistema prisional, definindo regras e punindo opositores;
- Mercado ilegal, lavagem de dinheiro e corrupção;
- Expansão internacional, criando redes criminosas globais.
O crescimento evidencia ausência de políticas públicas eficazes e permite que a facção mantenha poder econômico e territorial.
“O PCC só passou a ser preocupação federal em 2019. Antes disso, o crescimento foi ignorado ou subestimado”, afirmou um promotor ouvido pelo g1.
Capítulo 8 – Combate atual e estratégias do Estado
A SSP-SP afirma que investiu mais de R$ 1,1 bilhão em tecnologia, inteligência e integração policial, resultando em:
- 610 toneladas de drogas apreendidas;
- Mais de 300 mil prisões;
- Recuperação de R$ 62 milhões em bens ilícitos;
- Operações interestaduais com Ministério Público e Polícia Federal.
Apesar disso, o PCC continua a adaptar-se e expandir-se internacionalmente, mantendo capacidade de infiltração e influência no crime organizado.
“Enquanto houver ausência de controle efetivo e presença limitada do Estado em regiões críticas, o PCC encontrará espaço para se expandir e se consolidar”, alerta um promotor ouvido pelo g1.









